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23 de janeiro de 2019
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14:08

Flávio Bolsonaro já defendeu milícias no passado e criticou ‘perseguição’

Por
Sul 21
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Flávio Bolsonaro já defendeu milícias no passado e criticou ‘perseguição’
Flávio Bolsonaro já defendeu milícias no passado e criticou ‘perseguição’
Deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) | Foto: LG Soares/ Arquivo Alerj

Débora Fogliatto

Nesta terça-feira (22), o jornal O Globo revelou ligações entre o gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e um dos envolvidos na milícia de Rio das Pedras, o foragido Adriano Magalhães da Nóbrega, alvo da Operação “Os Intocáveis”. A mãe e a esposa de Adriano, que é ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), trabalharam para o gabinete de Flávio e teriam sido indicadas por Fabrício Queiroz.

O deputado publicou em suas redes um texto atribuindo as contratações diretamente a Queiroz, seu ex-assessor investigado pelo Ministério Público sob suspeita de recolher parte dos salários dos funcionários do senador eleito. “Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço”, afirmou via Twitter, dizendo que era Queiroz quem “supervisionava” as duas funcionárias.

Mas a ligação de Flávio com o miliciano pode ir além disso. Em 2003, Adriano foi homenageado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pelo gabinete do deputado e, no ano seguinte, Ronald Paulo Alves Pereira, preso nesta terça-feira e apontado como chefe da milícia Muzema, recebeu a mesma comenda.

As milícias são organizações criminosas que atuam nas favelas do Rio de Janeiro sob a alegação de combate ao tráfico. Os milicianos, porém, cobram taxas dos moradores, os ameaçam e intimidam, além de muitas vezes estarem envolvidos com assassinatos e episódios de tortura, segundo apontou a CPI das milícias, concluída em 2008.

“Quando existe tráfico na área pretendida, o uso da força é empregado, inclusive, utilizando-se irregularmente da função pública e dos mecanismos oficiais de segurança do Estado. Quando não há tráfico e a população resiste, os milicianos passam a assaltar as casas e o comércio. Os moradores e comerciantes intimidados e acuados pela situação passam a contribuir financeiramente com valores mensais estipulados pelos milicianos”, destaca o relatório.

Freixo foi propositor e presidente da CPI das milícias | Foto: Reprodução/ Facebook

Flávio critica “perseguição” a milícias

O parlamentar já defendeu a atuação das milícias em pelo menos duas ocasiões. Em 2007, ele abordou o assunto em um discurso na tribuna da Alerj, referindo-se às milícia como um “novo tipo de policiamento”. “Estendem uma exceção, um caso isolado em que há excesso por parte de alguns maus policiais que cometem atrocidades e covardias contra moradores de uma comunidade, à regra. A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”, afirmou.

Na ocasião, ele ainda disse não achar justa a “perseguição” por parte de políticos e entidades “ligadas aos direitos humanos” aos milicianos. “Por um motivo muito simples, eles se sentem apavorados com as milícias porque, raríssimas exceções – ONGs de Direitos Humanos, políticos ligados a essa área – vivem da miséria, da desgraça e da violência de uma comunidade porque, caso contrário, eles ficarão sem trabalho, não terão nada a oferecer em troca”, acrescentou.

À época, Marcelo Freixo (PSOL) havia assumido seu primeiro mandato na Assembleia carioca. Ele viria a presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das milícias, cuja instalação Flávio criticou durante a discussão do projeto. A CPI foi motivada pelo sequestro e tortura de uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal “O Dia”, na Favela do Batan, por milicianos em maio de 2008.

Embora tenha votado favorável ao projeto, “por respeito à imprensa”, o deputado não deixou de defender a existência dos grupos paramilitares. “Quem for à Barra da Tijuca encontrará diversos locais onde a associação de moradores procura um serviço de segurança de policiais, quando estão de folga, portanto, de forma ilegal porque eles não podem ter atividade fora da polícia. Há aqueles casos em que policiais impõem uma cobrança em troca desse serviço de segurança. E da mesma forma na Tijuca, em Vila Isabel, na Urca”, colocou.

Foto: Arquivo/EBC

Em sua manifestação, ele chegou a citar a favela de Rio das Pedras, comunidade onde atuava a milícia comandada por Ronaldo e Adriano. “Façam consultas populares na Favela de Rio das Pedras, na própria Favela do Batan, para que haja esse contrapeso também, porque sabemos que vários são os interesses por trás da discussão das milícias, como falei. Há interesses comerciais, há interesses políticos, mas vamos também olhar com um pouco de atenção os interesses das pessoas que estão nessas comunidades. Fica o meu voto favorável à criação desta CPI mas pedindo que haja o bom senso em se apurar, e não apenas criticar, atacar ou tentar botar atrás das grades os policiais ou – na linguagem informal – os peixes pequenos apenas”, disse.

Concluída cinco meses depois, a CPI apontou ligação de diversos políticos cariocas com os grupo paramilitares, além de revelar lideranças destes grupos. Alguns deles estão presos até hoje. O relatório final pediu o indiciamento de 225 pessoas entre políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. Segundo a Secretaria de Segurança do Rio, em 2009, ano seguinte à CPI, 246 milicianos foram presos no estado.

Alguns anos depois, em 2011, quando a juíza Patrícia Acioli foi assassinada com 21 tiros por milicianos, Flávio se manifestou no Twitter afirmando que ela “humilhava policiais”, o que contribuiu para que tivesse “muitos inimigos”. Ela era conhecida por atuar no combate às milícias e, posteriormente, onze policiais foram condenados por envolvimento com a sua morte.

Em 2015, Flávio votou contra a instalação da CPI que investigou os autos de resistência e mortes decorrentes de ações policiais no estado. “Abrir-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre esse assunto, sem um caso, sem algo de concreto que motive isso, pela simples discussão ideológica, é mais uma faca na garganta desse profissional que já se preocupa hoje, mesmo estando certo em determinadas ocorrências, em produzir provas a favor de si mesmo, com medo do Judiciário. Vejam como está a cabeça do policial hoje, preocupando-se mais com o Judiciário, com o juiz, por mais que ele esteja certo e amparado pela lei, preocupando-se em produzir provas para que ele não se sente no banco dos réus”, disse na ocasião.

Pai tinha posição semelhante

O presidente Jair Bolsonaro (PSL), pai de Flávio, também se manifestou de forma semelhante ao longo dos anos em que foi deputado estadual pelo Rio. Segundo reportagem do Intercept, em 2003 ele defendeu grupos de extermínio: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas”.

Em 2008, após a conclusão do relatório da CPI, ele também criticou a investigação e afirmou que não se poderia “generalizar” sobre os milicianos. Já enquanto candidato à presidência, em 2018, Bolsonaro foi questionado sobre sua posição em relação às milícias, mas desconversou. “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso”, disse.

Ameaças a moradores

O Globo revelou, nesta quarta-feira (23), áudios de escutas telefônicas feitas pelo Ministério Público como parte da Operação Os Intocáveis, que prendeu cinco pessoas envolvidas com a milícia de Rio das Pedras, incluindo Ronaldo. Além de estar relacionado com compra e venda ilegal de imóveis, o grupo é suspeito de crimes como agiotagem, extorsão de moradores e comerciantes, pagamento de propina e utilização de ligações clandestinas de água e energia nas favelas de Rio das Pedras, Muzema e adjacências.

Em uma gravação do dia 15 de novembro de 2018, um dos presos, Manoel de Brito Batista reclama dos cortes de cabos de energia de “gatos” em um de seus empreendimentos. “Se ele cortar os cabos meus lá, vai ser diferente porque eu vou cortar as duas pernas dele e os dois braços”, diz Manoel, conhecido como Cabelo. Segundo a investigação, os milicianos agrediam quem não concordasse com seus métodos. O Globo afirma que a cobrança de taxas referentes à internet clandestina (R$ 50), TV a cabo (R$ 70), gás (R$ 90) e “gatos” de luz (R$ 100) também é frequentemente citada no Disque Denúncia.

Ligação com o caso Marielle

No dia 18 de janeiro, o jornal The Intercept revelou dados de um inquérito em que seis testemunhas apontavam um ex-policial do Bope, que não teve o nome revelado, como autor do assassinato de Anderson e Marielle. O jornal O Globo noticiou, nesta terça-feira (22), que os cinco presos por envolvimento com milícias são suspeitos de terem participado do assassinato de Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes.

Eles seriam integrantes do ‘Escritório do Crime’, do qual Ronald integraria a cúpula. Adriano, cujas familiares trabalham para Flávio, também foi indiciado, mas ainda não foi localizado pela polícia.


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