Grêmio e Inter Antifascistas veem crescer onda conservadora nos estádios: ‘é importante resistir’

Por
Joana Berwanger
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Inter Antifascista exibe faixa ‘Petrobrás é do povo’ no Beira-Rio e Grêmio Antifascista exibe faixa ‘Coligay 40 anos’ na Arena OAS. Fotos: Divulgação
Inter Antifascista exibe faixa ‘Petrobrás é do povo’ no Beira-Rio e Grêmio Antifascista exibe faixa ‘Coligay 40 anos’ na Arena OAS. Fotos: Divulgação

Em 16 de setembro, Belo Horizonte recebia mais um clássico do futebol brasileiro: o confronto entre Atlético Mineiro e Cruzeiro. No intervalo do jogo, que permanecia sem gols, uma parcela da torcida atleticana resolveu “provocar” os torcedores do arqui-rival. O canto puxado por alguns poucos logo saía da boca de dezenas, que juntos entoavam ‘Cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar veado’. Ao final daquele domingo, o clube mineiro se pronunciou publicamente, repudiando a atitude. Ainda assim, duas semanas depois, em 30 de setembro, a frase seria adaptada e cantada por outras dezenas de torcedores do Palmeiras nas plataformas do metrô de São Paulo.

O Atlético Mineiro acabou sendo multado em R$ 5 mil pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) em 28 de setembro. Ainda assim, o caso foi enquadrado no Artigo 191 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), considerando o fato apenas uma infração. Mais abaixo no Código, no entanto, está o Artigo 243, que condena atos discriminatórios e prevê multa e a suspensão dos envolvidos, que não foi aplicado no caso. “Pessoas LGBT sempre tiveram muito receio de ir ao estádio e, por questão desses gritos, há mais receio ainda. Será que agora essas pessoas vão se organizar e ter coragem de ir?”, questiona Marcelo Carvalho, criador do Observatório de Discriminação Racial no Futebol.

O mesmo ambiente de tensão nas arquibancadas fez com que os torcedores da Grêmio Antifascista optassem por não exibir a faixa ‘Ele Não’ no último jogo do clube pela Copa Libertadores contra o Atlético Tucumán, no dia 2 de outubro, em Porto Alegre. A diferença entre as situações experimentadas pelos torcedores ficou escancarada quando um cartaz dizendo ‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’, em alusão à campanha de Jair Bolsonaro, foi exposto sem problemas nos primeiros minutos de jogo, em outro lado do estádio. “Considerando que nós estamos no estádio com trapos desde 2015, essa é, com certeza, a época mais tensa e mais dramática pra levar essas lutas pro futebol”, relata R.J.*, integrante da Grêmio Antifascista, torcida criada em 2014. “A gente não circula por qualquer lugar. Temos caminhos por onde a gente passa e caminhos por onde a gente não passa”.

 

Faixas exibidas durante partida do Grêmio na Arena pela Grêmio Antifascista. Foto: Grêmio Antifascista/Divulgação

No setor em que o grupo se organiza dentro da Arena OAS, no entanto, não costumam ocorrer casos de repressão direta. R.J. relata que o mais rotineiro é o olhar de desaprovação de alguns torcedores, que esporadicamente soltam frases como ‘aqui a gente vem pelo Grêmio, não para fazer política’. Ainda assim, o movimento considera a interação um ponto positivo: “É uma disputa simbólica dentro do estádio e que gera uma movimentação, seja pro bem ou pro mal, mas que engaja os torcedores nesse sistema e nessas pautas, que há cinco, seis anos não eram pensáveis”.

Em Porto Alegre, essa reflexão também é estimulada por torcedores do clube rival, o Internacional. Desde 2017, o Beira-Rio conta com faixas que exibem dizeres como ‘Amamos o Inter, odiamos o racismo’. A Inter Antifascista, que surgiu em 2015 espelhada em outros grupos de torcedores que começaram a levantar a bandeira antifascista pelo Brasil, começou a ir efetivamente para as ruas em 2016, durante o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT). Foram confeccionadas faixas contra o impeachment que, mais tarde, também se fizeram presentes em atos contra Michel Temer (MDB). O aparecimento no Beira-Rio se deu efetivamente em 2017 e, segundo R.M.*, integrante da frente, em 2018 houve um grande crescimento. “A gente decolou. Colocamos várias faixas no estádio, apesar de ser supostamente proibido, como a da Marielle e a da Petrobrás”.

Diferente da Popular e da Camisa 12, por exemplo, a Inter Antifascista não se propõe a ser uma torcida organizada, e sim uma frente que paute e questione assuntos que são considerados tabus no futebol, como machismo, racismo, LGBTfobia, a elitização dos estádios e a criminalização dos torcedores. “Não somos uma torcida. A gente abarca todo tipo de gente. O importante é ser colorado e ir no estádio, não importa se é de torcida organizada, sindicalista…”. Segundo R.M., também não há interesse da frente em participar da vida política do clube.

Em contraponto ao rival, os torcedores do Internacional dizem que não costumam sentir um clima de tensão por parte de torcedores independentes, tampouco de torcidas organizadas. Segundo R.M., os maiores problemas enfrentados pela frente foram relacionados à segurança do Clube. “Uma vez, quando botamos uma faixa da Petrobrás [Petrobrás é do povo], um segurança do Inter tentou retirar. Nós dissemos que não íamos tirar e começamos a questionar quem tinha dado a ordem. No final, eles desistiram, mas no outro jogo tinha 20 seguranças no lugar que a gente tinha pendurado”.

 

Inter Antifascista durante a marcha do ‘Ele Não’ em 29 de setembro deste ano. Foto: Inter Antifascista/Divulgação

Há algum tempo, os torcedores vem sentindo uma necessidade de não baixar a guarda: “A gente tá sentindo um clima bem conservador, do tipo, a galera que era conservadora, que mais compra esse discursos, parecem que como um fenômeno geral da sociedade, estão saindo da toca. A gente sente um clima muito mais tenso, muito mesmo”, relata R.J.. Ainda que a tensão rotineira nas arquibancadas não passe de olhares de desgosto e algumas reclamações de seguranças, já houve casos do Batalhão de Operações Especiais (BOE) ir até o setor em que a Grêmio Antifascista fica para remover faixas: “Não é incomum o BOE entrar no estádio. No dia da Marielle, eles vieram tirar sem nenhuma explicação maior”.

Marcelo Carvalho, criador do Observatório de Discriminação Racial no Futebol. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Por questão de segurança, ambas as torcidas não identificam seus integrantes. O rosto dos torcedores é borrado em todas as fotos das páginas das frentes. Ainda assim, R.J. diz que os integrantes da Grêmio Antifascista já são figuras marcadas na Arena. “A maioria de nós já é conhecido por quem não gosta da gente”. No Beira-Rio, existe uma receptividade mais aberta e positiva: não é incomum cruzar com torcedores que usam camisetas dizendo “FCK NZS”, estampa produzida pela Frente. Mas, para R.M., é importante não baixar a guarda. “Nós vemos manifestações espontâneas na torcida do Inter, mas a gente não pode se iludir”. Com a ascensão do conservadorismo no país, ambas apostam num aumento da tensão dentro dos clubes.

Essa tensão já vem se refletindo no número de denúncias recebidas pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que, desde 2014, mapeia casos de preconceito e discriminação no esporte. Em 2017, foram registrados 71, enquanto, em 2018, já foram contabilizados 60, com a expectativa de que supere a marca do ano anterior. “A gente percebe não só no Brasil, mas no mundo inteiro, um aumento muito grande de casos de racismo e homofobia. Acho que tem muito a ver com o crescimento do conservadorismo, das pessoas que tem mais coragem de expressar seu preconceito”, aponta Marcelo, criador do Observatório.

Apesar do aumento de casos, poucos são efetivamente investigados e condenados. O primeiro registro de homofobia condenado no Brasil ocorreu em 2017. Em um jogo entre Paysandu e Luverdense, a torcida Banda Alma Celeste exibiu uma bandeira do movimento LGBT. Mais tarde naquele dia, torcedores do mesmo clube agrediram os integrantes da Alma Celeste. O caso, apesar de ter sido julgado, foi condenado por violência, absolvendo a acusação de homofobia. Neste ano, a ocorrência envolvendo o Atlético Mineiro também teve desfecho semelhante. “Nunca um jogador no Brasil se identificou como homossexual, e agora? Se a gente tava quase conseguindo que alguém levantasse essa bandeira, agora ela não vai ser levantada por muito tempo”, aponta Marcelo.

Segundo R.M., o surgimento dos movimentos antifascistas no Brasil incentivou o surgimento de outras frentes em diferentes clubes da América Latina. “o Independiente Antifascista surgiu a partir de movimentos brasileiros. Tá começando a surgir agora o Boca Antifascista e muitos outros”. A articulação do movimento internacional ainda está sendo desenvolvida. Enquanto isso, as frentes brasileiras se preocupam com as perspectivas das eleições presidenciais no Brasil, disputadas por Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). “O que vai acontecer é que a gente não vai abandonar essa luta, a gente vai criar estratégias e ir tentando achar brechas, mas a previsão é catastrófica”, acredita R.J..

Grêmio Antifascista durante a manifestação do ‘Ele Não’ em 29 de setembro. Foto: Grêmio Antifascista/Divulgação

O medo não vem do receio de repressões institucionais, e sim de movimentos paralelos e de pessoas independentes. “Não existe um departamento específico que vai nos caçar, existem pessoas que são encorajadas a lutar contra”, relata Marcelo. Em São Paulo, já é possível encontrar movimentos ‘anti-anti’: “existe a Antifascista e a Anti-Antifascista”. Marcelo vê o surgimento desses grupos como resposta ao crescimento da “esquerda” no futebol, que antes menosprezava a prática. “O futebol, durante muito tempo, não foi bem visto pela esquerda, da academia, então partidos políticos mais alinhados à direita sempre utilizaram a força do futebol para eleger os seus candidatos. A partir de algum momento, os partidos de esquerda começaram a olhar pro futebol de uma outra maneira, que é o que temos hoje. Assim, nós temos o crescimento dessas torcidas antifascistas”.

A perspectiva com as eleições presidenciais deste ano, para a Grêmio Antifascista, é de que “vai se tornar muito mais difícil, muito mais urgente ampliar esse grupo e esse movimento para que a gente possa, de algum modo, resistir”. R.J. acredita que ficará muito claro dentro dos estádios a perspectiva de higienização e de militarização do ambiente, fatores ligados à arenização dos estádios. “A gente conhece muito de perto essa violência da segurança e da polícia, muito ligadas à essa postura neoliberal de tornar o estádio um espaço branco de classe média-alta. A gente acha que isso vai se acirrar muito”.

Para a Inter Antifascista, é importante que se enfrente essa onda conservadora, sempre tomando os cuidados necessários. “Um ponto do fascismo que tá muito explícito hoje é o caráter amedrontador. Eles tentam intimidar de forma que a gente se sinta quase obrigado a não se identificar, mas o mais importante é a gente não ter medo”. A proposta é que as frentes sigam disputando narrativas dentro do ambiente futebolístico e materializando ainda mais suas pautas.

“Não é que futebol e política se misturam”, diz R.J. “O futebol, só por existir, já é político. Futebol e política não se misturam porque não são coisas separadas”.

*Os entrevistados optaram por não se identificar por questões de segurança.


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