Eleitos devem ser legitimados, diz Toffoli, que faz releitura de 64 e pede ‘projeto nacional’

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Eleitos devem ser legitimados, diz Toffoli, que faz releitura de 64 e pede ‘projeto nacional’
Eleitos devem ser legitimados, diz Toffoli, que faz releitura de 64 e pede ‘projeto nacional’
Em palestra na USP, ministro insistiu que é preciso reconhecer o resultado das urnas, seja quem for o vencedor. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Vitor Nuzzi
Da RBA

A menos de uma semana das eleições, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, disse não ver “nenhum programa ou projeto nacional”. Em palestra na manhã desta segunda-feira (1º) na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em 1990, o ministro afirmou que no Brasil prevalecem os interesses regionais. Para ele, o sistema de coalizão “fragiliza” o presidente, e o país vive um “parlamentarismo sem a instituição”.

O tema da palestra eram os 30 anos da Constituição. Toffoli fez longa digressão histórica e disse ter chegado à conclusão em que em 1964 não houve golpe e nem revolução, mas um “movimento”. Ao citar o historiador Daniel Aarão Reis, o ministro afirmou que tanto à esquerda como à direita foi “conveniente” culpar os militares por todos os problemas. Ele também elogiou José Sarney, “que soube apanhar tanto e tão quieto”, por, na Presidência da República, ter conduzido o processo de transição. “O Brasil deve muito a esse homem.”

O presidente da Corte Suprema não fez referências diretas à polêmica entre os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux sobre a entrevista que o jornal Folha de S. Paulo faria com ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um autorizou e o outro suspendeu, causando mal-estar no STF. Comentou apenas que “o Judiciário, para ser democrático, necessita das divergências e até mesmo dos embates”. Na saída, cumprimentou justamente Lewandowski, que fez palestra na sequência e disse que Fux cometeu um ato de “censura”.

Toffoli disse ainda que não pautará questões polêmicas às vésperas do processo eleitoral. “A missão do Supremo Tribunal Federal, neste momento, é de deixar a soberania popular falar.”

O ministro não fez menção às declarações do candidato Jair Bolsonaro (PSL) sobre não aceitar outro resultado a não ser a vitória, pondo em dúvida a confiabilidade do sistema eletrônico de votação. Mas voltou a falar em respeito ao resultado, seja qual for o vencedor. “Com novo batismo das urnas, temos de receber os eleitos como legitimados”, afirmou.

Aécio e biometria

O único caso citado por Toffoli, mais uma vez sem citar nomes, foi o do senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014, que pediu auditoria no resultado. “E ele se desculpou comigo”, afirmou – na época, ele presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o ministro, o tucano disse que “precisava dar uma resposta a seus eleitores em Minas Gerais”, seu estado de origem, onde foi derrotado por Dilma Rousseff (PT).

Poucos dias depois de o próprio STF negar o direito ao voto de milhões de eleitores que não fizeram a biometria, Toffoli disse que o Brasil ainda tem “certos déficits” na representação política. Afirmou que até 1985 os analfabetos não tinham direito a voto, e eles até hoje não podem se candidatar. No aniversário de 30 anos da Carta, disse que há “necessidade de reafirmar a crença no projeto constitucional e daqueles que a construíram”. Para ele, a Constituição de 1988 significou “um pacto que deu voz àqueles que por séculos foram excluídos de participação”.

Segundo ele, hoje o Brasil insere-se “numa tendência mundial de descrédito do sistema político”, que leva a uma crise de representação. Ele disse ver “partidos fracos, inconsistentes do ponto de vista ideológico e com pouca identificação com o eleitor”. “A ausência de ideologia clara nos partidos é patente.”

Para o presidente do STF, o Brasil não tem elites e nem projetos nacionais, “eles nascem todos a partir dos interesses locais”. Ele observou que, segundo as projeções, o partido com maior bancada na Câmara não chegará a eleger 80 deputados, de um total de 513. “Por isso que a bancada evangélica é maior que a bancada dos maiores partidos, que a bancada dos advogados é maior, a bancada agrária. Acabam prevalecendo no Parlamento as bancadas segmentadas de interesses específicos.” Segundo ele, apenas 10% dos eleitores votam em partidos, enquanto 90% preferem nomes.

Poder moderador

Toffoli acredita que o sistema de coalizão fragilizou o presidencialismo. “Sem entrar no mérito, já tivemos dois presidentes da República que sofreram impeachment. Na prática, a ausência de partidos que tenham projeto nacional, deputados eleitos por segmentos, leva à fragilização do presidencialismo brasileiro. (…) Cada projeto tem de ser negociado, um a um”, afirmou, acrescentando que isso “muitas vezes pode descambar para a troca de favores”. Esse cenário demonstra, segundo ele, “que nós vivemos uma experiência muito ruim de um parlamentarismo não institucional”.

“Desde o começo de 2018 eu tenho dito que a ausência de um projeto nacional levaria a uma polarização em torno de pessoas”, acrescentou Toffoli, quase no final de sua fala, de aproximadamente uma hora e meia, em um Salão Nobre que não chegou a ter lotação total. Segundo ele, o Judiciário, nos últimos anos, tem sido o “poder moderador”, um ponto de equilíbrio da instituições.

“Governar o Brasil é extremamente complexo e uma atividade de alto risco”, disse ainda o ministro, citando a primeira Constituinte, de 1823, que foi fechada, o primeiro imperador, “que abdicou”, o segundo, “que foi deposto”, o primeiro presidente da República (“Renunciou”) e o segundo (“Decretou estado de sítio”). “Há um conflito permanente entre o poder local e o pode central, na raiz da nossa história”, afirmou Toffoli, para quem os partidos, sem projeto nacional, “seguem a lógica do federalismo regional”.

Ao deixar o Salão Nobre da instituição, depois de conversar rapidamente com Lewandowski, Toffoli driblou os jornalistas. Na faculdade,  havia diversas faixas de protesto “contra o fascismo e o autoritarismo, hoje e sempre”, e referências expressas ao candidato do PSL.


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