Análise: ‘Seis em cada dez brasileiros não querem Bolsonaro como presidente’

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Análise: ‘Seis em cada dez brasileiros não querem Bolsonaro como presidente’
Análise: ‘Seis em cada dez brasileiros não querem Bolsonaro como presidente’
Jair Bolsonaro foi eleito presidente no domingo (28). Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Giovana Fleck

“É inegável que quatro em cada dez brasileiros votaram em Bolsonaro. Mas também é negar a realidade não dizer que seis em cada dez não o querem como presidente”. A observação é do cientista político e professor de Relações Internacionais e Jornalismo da Unisinos Bruno Lima Rocha. Para ele, deve-se compreender que a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) não garante uma “carta branca” com amplo capital político ao novo presidente. “Ele não foi eleito em primeiro turno, como se esperava”, destaca.

A corrida eleitoral acabou, no início da noite de domingo (28), com a vitória do deputado federal sobre Fernando Haddad (PT). Com mais de 57 milhões de votos válidos, o capitão reformado do Exército se elegeu presidente do Brasil. O petista obteve cerca de 47 milhões votos. Por outro lado, brancos e nulos somaram mais de 11 milhões e mais de 31 milhões de eleitores se abstiveram (21,30%).

Bruno Lima Rocha prevê que poderá existir uma ruptura após o primeiro ano de governo Bolsonaro – seja para o bem ou para o mal. “Os primeiros semestres serão fundamentais para que se articulem ações de governo. Não sabemos até que ponto o que foi proposto, e não alterado ao longo da campanha, será de fato feito. Bolsonaro é uma figura de extrema direita. Ao meu ver, sua agenda é pautada pelo ultraliberalismo e pela regressividade em alguns pontos.”

No entanto, o cientista político chama a atenção para o fato de que uma grande parte dos eleitores de Bolsonaro aderiram ao voto no candidato do PSL contra a candidatura do PT. Assim, o capital político é vinculado ao antipetismo, não ao novo presidente. “E esse é um voto de protesto que pode, facilmente, se transformar em um voto de frustração”. Lima Rocha afirma isso por acreditar que uma agenda mais lenta tomará conta da pauta na Câmara e no Senado, especialmente por seu caráter regressivo. “Se formos comparar com os primeiros anos do governo Lula, não percebemos mudanças tão severas e rápidas. Se manteve a mesma política macroeconômica, o país quase não crescia. Isso começou a mudar em 2005. Ou seja, foram dois anos de articulação”, lembra.

Ele avalia que, a curto prazo, um governo Bolsonaro teria grandes dificuldades de corresponder às expectativas de um eleitorado mais ávido por mudanças imediatas. “Isso, é claro, considerando que ele atue como promete, de acordo com a Constituição”, ressalta. Ainda que tente realizar alterações por meio de Emendas Constitucionais, que devem passar por aprovação do Congresso Nacional e pelo Senado Federal, Bolsonaro poderá encontrar entraves na forma como o processo é conduzido e a demora, em si, levar a uma perda de apoio. “Mesmo com uma maioria nominal no Congresso, não se pode atropelar o que já está consolidado.”

O Legislativo e o Judiciário

Lima Rocha vê uma tendência concreta de migração partidária após as eleições de 2018. Se, na atual legislatura, o partido de Bolsonaro, o PSL, constituía uma legenda com pouca significância, na próxima será destaque nas principais votações do Legislativo. O Partido Social Liberal, que só tinha vencido eleições para governador uma vez em toda a história, elegeu, além do presidente da República, a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, além de 4 senadores e 3 governadores. Haveria, assim, uma grande capacidade de articulação entre o futuro presidente e sua base legislativa.

Ainda assim, o cientista político afirma que, após a ruptura do Brasil em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o Judiciário se fortaleceu. “Não será fácil domá-lo por suas prerrogativas, seus privilégios e suas vaidades”. Para ele, isso representa um “contrapeso” na estratégia de Bolsonaro. “Mas é algo que dependerá muito de conflitos internos, e não arrisco dizer quais”.

Apoio popular

“As pirotecnias não duram tanto tempo”, defende Bruno Lima Rocha. “É uma cortina de fumaça, se não houver uma nova reorganização social, a força política de Bolsonaro poderá minguar”. Ele diz perceber grande anseio da população em pautas relacionadas, principalmente, à segurança – onde abre-se espaço para um discurso mais repressivo. “Observar esse discurso pode ser uma pista de como as pautas serão conduzidas para manter a população polarizada ou não. Se houver um encaminhamento disso para um reforço do autoritarismo, é importante ressaltar que militarização é garantia de privilégios para os militares”. Ele acrescenta que é importante atentar para um conjunto de agendas que podem mudar instituições centrais.

Levando em consideração um contexto em que se cobra pelo fim das vantagens em uma sociedade mais igual, Lima Rocha diz acreditar que é importante manter uma unidade “fraterna e crítica”. Para ele, a maior parte do Brasil, que não votou em Bolsonaro, terá papel central no governo, ao possibilitar uma nova afiliação de discursos, onde a centro-esquerda pode ganhar destaque com a margem de apoio de Haddad. “O posicionamento não pode ser cego e de obediência”, finaliza.


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