‘Várias Marielles estão surgindo’: mulheres negras buscam conquistar espaço no Legislativo

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Um dia após o assassinato de Marielle, atos pedindo justiça aconteceram em diversas cidades | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Marielle Franco (PSOL), mulher negra nascida e criada no Complexo da Maré, foi a quinta vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro em 2016. Militante dos direitos humanos, das mulheres, da comunidade LGBT, seu mandato deveria ter durado até 2020. Mas sua promissora trajetória política foi interrompida em 14 de março de 2018, quando Marielle foi assassinada, junto com seu motorista, ao ter seu carro alvejado por 13 tiros. Após sua morte, apoiadores, militantes, eleitores, companheiros de partido e mulheres inspiradas por sua trajetória e sua luta sentenciaram: Marielle seria semente, a partir dela “brotariam” outras mulheres negras e periféricas que se elegeriam para lutar por seus direitos.

Seis meses depois, às vésperas das eleições que irão determinar os próximos deputados estaduais e federais, mulheres negras de diversos partidos e ideologias se mobilizam para tentar aumentar sua representatividade no Legislativo. Algumas mais velhas, outras mais jovens que Marielle, a maioria delas compartilha a admiração pela vereadora assassinada e a certeza de que, apesar dos desafios, suas lutas políticas são importantes.

Atualmente, na Câmara de Deputados, dos 513 parlamentares, 52 são mulheres, sendo 7 negras, segundo o critério do IBGE, que considera população negra a soma de pretos e pardos. No conjunto de deputados, as pardas são 1,6% e as pretas, 0,6%. A bancada federal é composta por 80% de homens brancos. Na Assembleia Legislativa gaúcha, nenhuma mulher negra exerce mandato atualmente. Dos 55 parlamentares, nove são mulheres.

Nestas eleições, 23 partidos no Rio Grande do Sul têm candidatas mulheres que se declaram negras, entre pretas e pardas, em busca de uma vaga na Assembleia ou na Câmara. O partido com mais mulheres postulantes a cargos que se declararam pretas, em números absolutos, é o PSOL (cinco candidatas, das quais quatro à Câmara Federal), seguido por PCdoB, PDT, PROS, PSB e MDB, com quatro candidatas cada.

Morte de Marielle fez com que mais mulheres negras fossem à luta | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Sul21 contatou algumas das 48 candidatas autodeclaradas pretas que disputam vagas no Legislativo gaúcho e na Câmara dos Deputados, buscando conversar com mulheres de posições políticas diversas, tendo como critério falar com pelo menos uma de cada coligação dentre as que estão na disputa para chegar ao Palácio Piratini. Estão contempladas na matéria candidatas cujos partidos participam das coligações Rio Grande da Gente, Frente o Rio Grande Tem Solução, Rio Grande no Rumo Certo, Por um Rio Grande Justo, Independência e Luta para Mudar o Rio Grande, e do PSTU (partido que concorre isolado).

Também procuramos ouvir principalmente mulheres periféricas e de faixas etárias diversas. No total, foram incluídas dez candidatas na matéria. Elas são unânimes sobre a necessidade de aumento na presença de mulheres negras nas instâncias representativas da população. Muitas delas mencionam, ainda, que é preciso que haja mais parlamentares do sexo feminino em geral, lembrando da sub-representação em relação aos homens.

A candidata a deputada estadual pelo PROS Valéria Machado, uma das que tem atuação militante e política mais longas, relata que o racismo sofrido durante sua trajetória foi uma das forças motrizes de sua candidatura. “Eu era subprefeita do distrito de Quintão [em Palmares do Sul] e um senhor me viu e falou ‘uma negrinha como prefeita?’, Então é exatamente por isso que eu quero concorrer”, relata. “Eu sempre tive uma vida política, porque a política para mulheres negras é intrínseca às nossas vivências”, afirma Iyá Sandrali, candidata a deputada estadual pelo PT.

A presença de Marielle Franco como alguém que inspira e cuja morte provoca revolta também foi uma constante entre elas. No caso da jovem Carlinha Zanella, moradora da Vila Cruzeiro, o assassinato da vereadora carioca serviu como motivação direta para a candidatura. “A Marielle me influenciou totalmente, sempre fui militante do movimento negro, da juventude, fiz parte de DCE, mas nunca imaginei ser candidata”, conta. Para Irlanda Gomes, candidata a uma vaga na Assembleia pela Rede, “o caso Marielle evidencia a violência que o preto e pobre passa no Brasil”. “Quem matou ela se equivocou, porque achou que ali acabava uma luta, mas ali começou a luta de muitas mulheres”, constata Bruna Rodrigues, candidata do PCdoB.

Todas as candidatas foram perguntadas sobre a questão da falta de representatividade das mulheres negras na política, sobre suas trajetórias pessoais, e se de alguma forma se inspiram em Marielle Franco.

Confira as falas das candidatas:

Foto: Reprodução/ Facebook

Bruna Rodrigues
Candidata a deputada estadual (PCdoB)
31 anos, natural de Porto Alegre

Nós, mulheres negras, somos 20% na população do Estado, mas quando eu entro na Assembleia Legislativa uma das coisas que me impacta é que eu nos vejo na limpeza e na manutenção, mas eu não nos vejo nos espaços de decisão.  A nossa juventude, nossas crianças, nossas meninas, principalmente as negras, têm que enxergar em todos os níveis da política um espaço a ser ocupado. E hoje nós não ocupamos nenhum desses espaços. É inaceitável que na história da AL nunca tivemos uma mulher negra como deputada. Eu não acredito que as mulheres se sintam representadas num espaço que é tão masculino e tão embranquecido. Acho que está na hora de ter esse debate. Nós somos muitas e estamos em diversos espaços, estamos em espaços de trabalho, mas não de decisão.

Eu encontro a política com 16 anos, quando eu tinha uma filha de 6 meses e buscava vaga na creche, momento em que conheci a Manuela D`’Avila [PCdoB, candidata à vice-presidência, com quem Bruna trabalhou desde 2008], ela era candidata à vereadora. E a gente se deparava com uma série de fatores, uma era a mortalidade da nossa juventude. Eu era uma jovem que perdia os amigos, a mortalidade da juventude negra nos atingia naquele momento. Isso também foi um dos fatores que me fez buscar a política. Logo eu volto a estudar me deparo com uma série de fechamentos das nossas escolas. Eu fui pro movimento estudantil, fui da União da Juventude Socialista (UJS), passei a ser presidente da União das Associações de Moradores (Uampa). Eu em seguida passo a ser estudante da Universidade Federal (UFRGS) de Administração Pública e Social, e a gente começa a ver que aquela discussão da vaga na creche era só um dos elementos que a gente precisava enfrentar. Vivi minha vida toda indo no Postão da Cruzeiro [Posto de saúde da Vila Cruzeiro], e é um processo constante de abertura e fechamento, já tentaram fechar muitas vezes aquele espaço. Então a política tem que ser ocupada por mulheres e homens que vivem o cotidiano da vida do povo. Um dos problemas que a gente passa é que a política é muito distante, a gente não tem um vizinho como deputado, como vereador, a gente acaba votando e elegendo pessoas que são muito distantes, que não vivem na nossa vida.

O momento da morte da Marielle foi um dos momentos mais emblemáticos pra mim. Eu também sou mulher negra, venho da Cruzeiro, uma comunidade periférica que é uma das mais violentas da cidade. E eu conheci a Marielle num congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em que ela falava sobre movimento estudantil e relação com a comunidade. Então quando nos tiram a Marielle vereadora, que é uma mulher como a gente, nos tiram a chance de chegar nesse lugar que nós tanto discutimos que é importante. Parece que é quebrar um ciclo de avanços. Tenho certeza que é uma morte política, não é uma morte comum. Eles tentam jogar na vala comum, e é claro que muitas mulheres como a Marielle morrem todos os dias na nossas comunidades, mas a morte dela tem um propósito. Mas quando matam Marielle, uma série de mulheres no Brasil inteiro se lançam candidatas. Porque uma coisa é matar uma das nossas vozes, outra é matar muitas de nós. Acho que nós somos muitas e essas vozes só aumentaram o tom com a morte da Marielle. Quem matou ela se equivocou porque achou que ali acabava uma luta, mas ali começou a luta de muitas mulheres no Brasil. Então assim como eu, outras mulheres também se lançam nesse momento como o legado da Marielle.

Foto: Divulgação/ Facebook

Carlinha Zanella
Candidata a deputada federal (PSOL)
28 anos, natural de Porto Alegre

Na minha opinião, e acho que do movimento negro como um todo, é mais do que necessário a gente mudar essa realidade. Tenho usado o ‘nada sobre nós sem nós’ e tanto na AL quanto na Câmara vemos total ausência de representatividade das mulheres e principalmente das mulheres negras, representatividade é quase nenhuma. Num país onde mais de 50% da população é negra e mais de 50% é mulher, as mulheres negras não participam das decisões político-econômicas do país. Temos que conseguir eleger mulheres negras para pautar a maioria da população, para que se sintam representadas no Parlamento.

Eu sempre fui militante do movimento negro, da juventude, fiz parte de Diretório Central de Estudantes (DCE), mas nunca sequer tinha aceitado um cargo de coordenadora do DCE, por exemplo, nunca imaginei ser candidata, nunca foram os planos. No início do ano, o Juntos [coletivo que participa, do PSOL] tinha feito um debate sobre candidatos e eles tinham sugerido meu nome. Eu disse que não queria, não era pra mim, não me via nesse lugar. Eu diria que a Marielle me influenciou totalmente, porque quando aconteceu o assassinato, isso nos assustou muito, colocou muito medo na gente. Mas ao mesmo tempo todos os partidos hoje, sejam de direita ou de esquerda, colocaram mulheres negras na sua vista, todos apresentaram mulheres negras como candidatas. E nós do Juntos percebemos que aquela chama que a gente tinha debatido lá em janeiro era urgente, sempre foi urgente, e que a gente não podia deixar com que o medo acabasse com essas sementes, e aí a gente conversou e eu acabei aceitando a tarefa de ser candidata. Assim como o slogan da Marielle era ‘eu sou porque nós somos’, o meu programa político não é só da Carla, é do coletivo Juntos, do PSOL, tem esse desejo de que seja nada sobre nós sem nós de fato. Que consiga ser a representação de pessoas como eu, que são da periferia, que têm o desejo de que as coisas mudem.

Falar do que aconteceu com a Marielle é fundamental, porque ela foi uma das vereadoras mais votadas, representava essa maioria da população, mulher, negra, LGBT, da periferia. Ela era moradora da Maré, eu sou da Cruzeiro. Num país onde o genocídio da população negra é real, a guerra às drogas é um motor que impulsiona esse genocídio, na verdade é uma guerra aos pretos e pobres, é um modelo ineficaz. Essa guerra não funciona, serve apenas para que a periferia siga sendo um local de violência e não participe dos debates de solução.

Foto: Reprodução/ Facebook

Claudete da Silva
Candidata a deputada estadual (PMN)
47 anos, natural de Lajeado

Temos que avançar mais e mostrar dentro do mercado de trabalho e político que a mulher negra tem vez e tem voz, tem seus pensamentos próprios. Acredito que precisamos ter representação de mulheres e negras na política, que possam ingressar mais, ter mais oportunidades. Porque quando pensamos em política, achamos que precisa ser feita por pessoas que tenham dinheiro. Mas temos que mudar isso no Brasil, porque a boa política se faz sem dinheiro, na fé e na coragem. Os pequenos não têm dinheiro, mas precisam se meter nessa área para que algo seja mudado. Então, eu clamo a todas as mulheres negras, que elas possam ter a coragem de colocar seu nome à disposição para fazer um bom trabalho, tanto no Rio Grande do Sul quanto em outros estados.

Estou no cenário político há mais de 15 anos, em 2008 fui candidata em Lajeado a vereadora, ingressei em 2004 na política. Depois trabalhei para deputados como cabo eleitoral, e neste ano veio o convite para eu concorrer e aceitei. Sempre gostei de trabalhar com assistência social, hoje sou bispa, cuido de gente. De tanto me queixar da má política, decidi entrar. Estou comigo, com minha fé e minha coragem, e somente minha família que está me apoiando.

Não tenho nada para falar da Marielle, ela tem a luta dela e eu tenho a minha. Não é relacionado a isso eu ser candidata, foi porque acredito na boa política, que temos que resgatar a política. Hoje em dia, as pessoas têm nojo, raiva da política, devido à corrupção por parte de alguns. Eu quero trazer, resgatar a boa política. O que me incentiva é lutar pelo povo mais humilde, aquele que precisa mesmo.

Foto: Reprodução/ PDT

Eni Canarim
Candidata a deputada estadual (PDT)
78 anos, natural de Porto Alegre

Há muitas dificuldades, a mulher sempre teve dificuldade para ascensão política no Rio Grande do Sul pelas características machistas do Estado, mas agora parece que os homens estão dando uma abertura a mais para fortalecer a política com a participação da mulher. Mas para a mulher negra sempre foi difícil, assim como está sendo nesse momento. O nosso objetivo é ter uma participação maior da mulher negra a nível de município, Estado e nacional. Ainda temos uma caminhada muito árdua pela frente, queremos ajudar o Brasil e construir mais políticas públicas para as mulheres.

Quando eu tinha 4 anos de idade, eu morava no bairro Jardim Botânico, na antiga Vila Russa. A gente era pobre mesmo, morava em casebre. E lá chegaram imigrantes fugindo dos horrores da Segunda Guerra, isso era em 1945. E o que eu entendo de empoderamento é que eu já tinha uma noção de que devia socorrer as pessoas que chegavam da guerra. Muitas famílias que quando vieram eram apedrejadas, e eu tinha noção de que tínhamos que protegê-los, sem ninguém dizer, por intuição mesmo. Eu considero que desde então eu já era empoderada, mesmo implicando um pouco com essa palavra. Eu sou uma das fundadoras do PDT e do Movimento Negro do partido, que antes se chamava Movimento Trabalhista de Integração da Raça Negra. Então é uma militância desde 1980, tivemos o Alceu Collares, o primeiro negro deputado federal, que foi o mais votado, primeiro prefeito de Porto Alegre e governador negro do Estado. Nessa trajetória política toda, eu já fui candidata como deputada estadual, e depois, até para ajudar a sigla, fui candidata duas vezes a vereadora. E agora concorro a deputada estadual novamente.

A minha inspiração é a nossa luta, porque o nosso Estado é um dos mais racistas, conservadores e preconceituosos. Então é uma luta ser militante do movimento negro. Mas foi muito triste o que aconteceu com a Marielle, mesmo em outro estado era uma companheira nossa, com a mesma linha de raciocínio e de luta. Acredito que ela estava numa ascensão política muito grande e ela carregava bandeiras contra as quais algumas pessoas tinham preconceitos. Ela teve uma votação muito expressiva como vereadora, então se ela quisesse ser prefeita certamente ela iria se eleger. Porque a comunidade negra, LGBTs, mulheres, pessoas com deficiência a apoiariam, por exemplo. E isso, para muita gente, não era nada bom.

Foto: Divulgação/Facebook

Iyá Sandrali
Candidata a deputada estadual (PT)
69 anos, natural de Porto Alegre

A importância de aumentar a representatividade política a partir de mulheres negras é central para promover mudanças na estrutura política. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul nunca na história teve uma deputada estadual negra. Isso fala muito alto sobre o Rio Grande do Sul.

Eu sempre tive uma vida política, porque a política para mulheres negras é intrínseca às nossas vivências. Na política institucional, embora eu esteja envolvida com política partidária há anos, nunca ocupei cargos eletivos. Em 1996 eu fui candidata a vereadora, fiz 2.666 votos, o que era muito na época, mas não me elegi.

A inspiração para a candidatura é o legado de mulheres negras, e não as violências que sofremos. Eu não diria que o assassinato de Marielle é uma inspiração, mas sim uma razão para lutar incansavelmente por justiça para mulheres negras.

Foto: Divulgação/ Facebook

Karina Barbosa
Candidata a deputada estadual (PSTU)
38 anos, natural de Porto Alegre

Não há representante porque, aos negros, esta sociedade racista relega apenas trabalho e açoite. Segundo, não basta ser negro, é preciso estar engajado numa mudança de sociedade, pois é pela organização da classe trabalhadora que as mudanças virão. Acredito que deve mudar várias coisas não só na política como na nossa realidade concreta, nós mulheres negras hoje somos a maioria que estão nos postos de trabalho mais precarizados, mais de 60% são chefes de família e a única mantenedora do lar também, sofremos com a violência doméstica e feminicídio. Em relação à Assembléia Legislativa e a outros cargos, acredito que tenha que ter uma transformação política, que seja justa e honesta. Digo isso porque, no país, somos mais de 52% mulheres, das quais quase a metade são negras, e ainda estes espaços são ocupados por homens que, na sua maioria, são brancos.

Tenho 38 anos, sou mãe, trabalhadora dos correios há 15 anos, formada em pedagogia. Comecei a militar no PSTU em 2011 e a me reconhecer como mulher e mulher negra, e a entender a opressão e exploração pela qual passam as mulheres, assim como toda classe trabalhadora, em especial o racionalismo e machismo que oprimem as negras. Fiz parte da direção do Sindicato dos Correios na gestão de 2013/2016 como secretária da questão racial, em 2016 concorri como vereadora pelo PSTU.

Não tenho dúvidas de que o assassinato de Marielle foi político, [por ela ser] mulher negra, LGBT na luta contra o racismo e pela liberdade e identidade da mulher negra e do povo pobre. Essa ato covarde que chocou o mundo todo mostrou que vivemos um mito da democracia racial, e que a mulher negra começa a se libertar. Exemplo disso é a transição dos seus cabelos, que vem mostrando o quanto a nossa sociedade é racista e opressora, mas que mostra a mulher negra como protagonista das lutas, como no 8 de Março, 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha), 31 de julho (Dia da Mulher Africana), assim como 20 de novembro. Lutas essas que foram protagonizadas por nossas ancestrais como Dandara, Tereza de Bengala e outras.

Foto: Reprodução/ Facebook

Luciana Custódio
Candidata a deputada federal (PSB)
47 anos, natural de Camaquã

É de extrema importância uma candidatura negra, assim como de uma mulher negra. A onda feminista aponta essa necessidade, para que tenhamos um lugar de fala, sendo representadas por quem de fato vive os preconceitos, tanto de gênero quando os étnicos. A sociedade em que vivemos ainda é patriarcal e machista, avançarmos em representações rompe dogmas e nos coloca em lugares de decisões. As próprias políticas para mulheres hoje ainda são defendidas por bancadas masculinas, e é preciso que isso mude.

Sou natural de Camaquã, resido em Pelotas desde 1988, com um intervalo de 10 anos e volto em 2000. Sou casada há 26 anos, mãe e avó. Fui funcionária pública em Pelotas por 13 anos como monitora no Colégio Municipal Pelotense, período em que estudei no instituto de Educação Assis Brasil no curso Magistério, onde fui presidente do grêmio estudantil por duas gestões. Fui acadêmica do curso de Pedagogia na UFPel e presidente do Diretório Acadêmico de Educação do Curso de Pedagogia. Fundadora do Coletivo de Meninas Rosa do Gueto, fundadora do Núcleo de Mulheres Empreendedoras da Zona Oeste (MZO). Ativista social, iniciei o trabalho de base no bairro Guabiroba, em que resido, com o projeto DTG Unidos pela Tradição no ano de 2009 para crianças e na sequência atendimento para meninas e jovens. A transição para esse processo estrutural dá-se na medida em que percebo a ineficiência de políticas afirmativas, assim como a falta de recurso para que instituições possam manter o trabalho de resgate às comunidades. A vontade de fomentar uma política que gere desenvolvimento e oportunidades fez com que fosse inevitável a apresentação de meu nome ao sistema estrutural. Ou seja, sou candidata pela primeira vez, mas atuo na política desde muito jovem.

O caso Marielle inspirou não somente a mim, mas também a muitas outras mulheres negras e não negras. Mas a análise que tem que ser feita é que não podemos mais eleger somente uma representante, precisamos fazer que o sistema aceite muito mais Marielles, que após a sua morte se transformou em nosso ícone suprapartidário, um ícone de mulher, ícone de mulher negra, ícone de mulher lésbica, e um ícone de mulher ativista social e política, nesse sistema, que é falho, que mata e sufoca quando se tem a voz. A morte da Marielle é muito representativa para todas nós mulheres que temos um trabalho de base como ela tinha dentro da sua comunidade.

Foto: Divulgação/ Facebook

Professora Irlanda Gomes
Candidata a deputada estadual (REDE)
59 anos, natural de Westfália

Temos presenciado uma corrente de extrema-direita atuando no cenário político brasileiro, com discursos que legitimam a violência contra as minorias e institucionalizam o racismo à medida em que vão ganhando espaço no poder. O que antes era velado, agora passa a ser declarado abertamente. Além disso, a relativização do preconceito, a minimização do racismo e, mais uma vez o povo brasileiro, aqueles que constroem esse país com suor e muito sacrifício, são deixados às margens das decisões importantes que afetam diretamente as famílias e os trabalhadores. Diante desses problemas, surge a necessidade de representatividade negra nos poderes da República, seja política, seja jurídica ou até mesmo empresarial, pois a visão subalterna e serviçal do povo negro precisa ser substituída por uma posição que o coloque em destaque de forma positiva, empreendedora e afirmativa. Por isso reforço a necessidade de elegermos negros e negras que tenham bem esclarecido em si o seu senso de missão e o compromisso com o povo.

Sou natural do município de Westfália [no Vale do Taquari], estudei no Colégio Agrícola de Teutônia, onde aprendi a língua alemã. Na minha adolescência fui buscar trabalho em Porto Alegre, onde firmei residência, fui empregada doméstica e babá e com este trabalho consegui custear a minha faculdade de Letras na FAPA [Faculdade Porto-Alegrense]. Em 1998 fui aprovada em concurso público para o cargo de professora no município de Guaíba, onde atuo há 18 em escolas públicas, bem como desenvolvendo em todos esses anos diversos programas educacionais e culturais voltados para jovens carentes e em situação de vulnerabilidade. Em 2011, criei o Grupo Face de Ébano Oficial, responsável pela promoção de Congressos Internacionais de Igualdade Racial, desfiles de moda Afro, bem como literatura e história da África. Em reconhecimento a 20 anos de atuação profissional e humanitária, recebi diversas premiações. Esta é a primeira vez que eu concorro à eleição para Deputada Estadual.

O caso da Vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, é um dos motivos pelos quais nós mulheres, negros e negras, mães de família, trabalhadores, não podemos ser omissos com o que estão fazendo com o nosso país. E querendo ou não, goste ou não de política, é por meio dela que nós mudamos a realidade social. O caso Marielle evidencia a violência que o preto e pobre passa, assim como o caso do Amarildo, da advogada Valéria Lúcia dos Santos, que foi algemada indevidamente em plena audiência, da jornalista Maju, todos mostram a complexidade do racismo à brasileira. Esses casos quebram o argumento de que o preconceito é somente social, haja vista que negros com grande poder aquisitivo como Maju, Goleiro Aranha, dentre outros, também foram alvos de racismo.

Foto: Divulgação/ Facebook

Rozeli “A Gari do Renascer”
Candidata a deputada federal (PTB)
54 anos, natural de Porto Alegre

É mais por isso que eu vou, porque eu acredito em uma mudança, uma renovação na política, com novas ideias, pessoas que pensem em outras vidas. Acredito que quando uma pessoa se elege é para cuidar de vidas, e não destruir vidas. Acho que em geral tem poucas mulheres representando, a maioria são homens no Congresso. E pouquíssimas negras, mas eu achei que esse ano tem muitas mulheres negras concorrendo. Acho que aí já demos um salto, para encarar isso. Na verdade eu também tinha medo de ir, de botar meu nome por ser mulher e por ser negra. Mas é aí que vamos mudar o cenário da política, fazendo uma nova política, onde negros e brancos podem trabalhar juntos, lado a lado. E mostrando que queremos um Brasil melhor, afinal de contas a gente é brasileira.

Essa minha militância na Restinga já vinha há tempo, fui líder comunitária de uma comunidade ocupada na Restinga. Vivi na miséria, fui mãe aos 12 anos, tive uma história de vida muito complicada, sofri bastante preconceito. Fui presidente dessa associação comunitária, na qual conversando com governo conseguimos permanecer na área. Dali eu já vi que dava pra dar um empurrão e me apoderar disso. Eu sou gari do DMLU até hoje, trabalho de noite. Vi que eu podia fazer muito mais, ajudar o outro. Eu queria ajudar alguém, tive um sonho em que eu cuidava de crianças e comecei a buscar parceiros para botar em prática, e fundei a organização Renascer da Esperança. Hoje, a Renascer tem 22 anos. Eu atendo adolescentes de até 16 anos de idade, com alimentação, equipe de trabalho maravilhosa, e depois eu largo ele na rua, desacreditado de tudo e só com segundo grau, e sem perspectiva de vida lá fora. Por isso, eu pensei que eu tinha que fazer projetos para gerar renda para a nova geração das comunidades. É botar o jovem no mercado de trabalho, porque às vezes eles não têm currículo, não tem curso. Eu tenho 90 adolescentes com 16 anos [na ONG] que eu não tenho coragem de dizer para ir embora.

Ninguém me inspirou a nada, foi tudo no enfrentamento. Mas a Marielle me deu uma vontade, porque vi que é possível a mulher negra se empoderar cada vez mais e lutar pelo bem social das suas comunidades, mostrar a garra e não se deixar ser vencida. Eu pensei ‘mulher de coragem, negra, empoderada e morre lutando por aquilo que ela considera certo para a comunidade dela’. A gente fica com medo, será que matam as mulheres negras que lutam pelo bem da comunidade? Mas é uma história de luta, claro que inspira qualquer mulher. Eu sou determinada que nem ela, tenho minha opinião. Várias Marielles estão surgindo agora, e isso que é importante. Que dá uma inspiração praa gente ir em frente e acreditar que a mulher negra pode entrar na política, melhorar a vida do outro, ir na tribuna.

Foto: Divulgação/ Facebook

Valéria Machado
Candidata a deputada estadual (PROS)
57 anos, natural de Canoas

Nós temos que nos colocar, termos o nosso lugar, apesar de a discriminação racial ser muito grande. A mulher em geral é muito discriminada. Temos que buscar o nosso espaço, por isso que eu decidi concorrer. Acho que nós temos que nos defender, porque a cada dia mais cresce a discriminação, é um absurdo o que a gente vê acontecer. Eu era subprefeita de Quintão e um senhor me viu e falou “uma negrinha como prefeita?”. Então, é exatamente por isso que eu quero concorrer. É que nem a questão LGBT, estão matando as pessoas só por sua sexualidade. O que as pessoas têm a ver com a orientação sexual do outro? São essas coisas, principalmente em relação ao negro, então eu abracei essa bandeira e quero defender.

Minha trajetória começou no tempo que o [Paulo] Paim [senador, PT], Jairo Jorge [PDT, candidato ao governo do Estado], Olívio [Dutra, PT, ex-governador], Tarso [Genro, PT, ex-governador], Jussara [Cony, PCdoB, vereadora de Porto Alegre], junto com meu irmão, a gente ia à luta, com a Frente Metalúrgica, lutamos por direitos, fizemos frentes de ocupações em casas que iam ser destruídas no bairro Guajuviras. Trabalhamos sempre na política, no social, tentando beneficiar os menos favorecidos, como nós. Depois vim embora pro Quintão e entrei de novo nessa causa. Nós tínhamos uma rádio comunitária no CTG e juntávamos cesta básica, alimentos, doações de coisas que as pessoas não conseguiam comprar. Ali fui descoberta pelo pessoal da Prefeitura de Palmares do Sul, e aí concorri para vereadora, comecei a trabalhar nessa causa. Não fui eleita, mas depois passei a ser sub-prefeita da praia da Praia do Quintão, no município de Palmares, cargo que exerci por cinco anos. Agora sou do PROS, e pretendo seguir essa caminhada, se Deus quiser e se os anjos disserem amém, na Assembleia Legislativa para defender nós, mulheres negras.

Sobre a Marielle, eu me coloquei no lugar dela. Nós queremos justiça, e é o que ela queria, o que ela defendia. Porque ela é negra e foi reconhecida, foi uma das mais votadas, e aí mataram ela, por quê? Por estar fazendo a coisa certa? Eu sou uma das que está pedindo resposta sobre o caso dela, porque eles não querem dizer quem matou Marielle. Eles sabem quem é e não querem dizer, porque ela defendia as pessoas necessitadas. E aí tu vai matar? E os direitos humanos onde ficam? Para isso existe Justiça, se é que dá pra acreditar que no nosso país existe Justiça.


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