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10 de julho de 2018
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19:37

Lideranças de esquerda debatem unidade para construir alternativa de transformação

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Sul 21
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O encontro encerrou um conjunto de colóquios promovidos pelo INP no Brasil e no exterior. (Foto: Divulgação/INP)

Por Sandra Bitencourt (*)

“ Temos urgência histórica para vencer, mas essa disputa também nos coloca a questão do tipo de vitória que queremos. Ela não pode ser uma derrota política. O dilema posto é que não há mais possibilidade de avanço sem o enfrentamento aos privilégios”, afirmou Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à presidência da República, um dos participantes do Colóquio “A luta democrática e o futuro da esquerda no Brasil: estratégias comuns para o enfrentamento” promovido pelo Instituto Novos Paradigmas (INP) que reuniu convidados, associados e diversas lideranças partidárias e movimentos sociais, nesta segunda-feira (11), em Porto Alegre.

O encontro encerrou um conjunto de colóquios promovidos pelo INP no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) e no exterior (Lisboa, Madrid e Paris) que vem debatendo nos últimos dois anos os desafios da esquerda nacional e mundial e as ameaças ao campo democrático. “A forma que estamos trabalhando é um modo bastante original”, destacou o ex-ministro e ex-governador Tarso Genro, presidente do Conselho do INP: “estamos fazendo uma semeadura de ideias para recuperar nossa capacidade, como disse Ernest Bloch, de implementar a utopia concreta e o princípio da esperança, resgatar a subjetividade política com os valores do socialismo ”. O debate organizado pelo diretor do INP, Jorge Branco, contou ainda com a presença do Presidente Nacional do PSOL, Juliano Medeiros e dos deputados do PT, Maria do Rosário e Henrique Fontana.

Juliano Medeiros afirmou que os acontecimentos desde o impeachment de 2016 confluíam para a ideia do fim de um ciclo da política brasileira inaugurado em 88, uma composição entre uma estrutura capitalista com bases legais para uma expansão de direitos. O fim do ciclo, no entendimento de Juliano, abre o debate para a reorganização da esquerda brasileira, especialmente a partir da questão sobre qual a natureza do ciclo que se inicia. “A agenda do golpe expressa uma disputa entre democracia e ultra liberalismo, com destruição dos direitos sociais. O impeachment de Dilma Rousseff não representou apenas o fim dos governos liderados pelo PT, mas também uma interdição por tempo indeterminado da estratégia do pacto de classes construída a partir da chegada de Lula ao governo em 2003”. Para Juliano é necessário implementar um programa comum democrático, feminista, antirracista, anti-homofobia, superando o que foi a tentativa de composição com frações da burguesia. O dirigente sustentou que, de alguma forma, a esquerda precisará ser perdoada de seus equívocos.

“Mas esse perdão, conforme diz Hannah Arendt, não pode ser só um reconhecimento de erros, deve ser validado na promessa que será diferente, numa promessa de futuro”, acredita. Juliano propôs tarefas comuns de curto e médio prazo, como a construção de uma frente política em defesa de direitos. Mas o presidente do PSOL entende que é preciso exercer a imaginação política para buscar realmente um patamar de transformação. “Hoje, temos bons níveis de unidade porque essa unidade é defensiva, mas e fora da ideia defensiva? Este tipo de reunião é importante para pensar juntos, com generosidade. Nós estamos dispostos a colocar o que temos a serviço desse processo político. Esse é o nosso gesto”, afirmou.

Tarso Genro destacou a figura de Guilherme Boulos como uma presença marcante e definitiva na política brasileira. “Se o presidente Lula, que é o maior e mais completo líder popular do país, não for o candidato, porque está sob ataque de um violento processo de Lawfare, eu vou te apoiar, por uma série de razões que estamos inclusive debatendo aqui”. Boulos enfatizou a relevância de espaços de diálogo para que a esquerda possa enfrentar e superar os sectarismos, considerando que as diferenças são saudáveis e não podem ser confundidas com antagonismos. ”O sectarismo impede de identificar pontos de convergência e estabelece a diferença como algo absoluto”. Para ele a reorganização da esquerda não depende só da esquerda, mas passa pela necessidade de retomar o diálogo com a sociedade. “Ninguém entra em um projeto sem perspectiva de esperança. A esquerda precisa voltar a dar um sentimento de esperança em lugar do sentimento de apatia e rejeição à política. Nos desafia a dialogar com quem não nos entende ou com quem com razão se decepcionou. Não podemos ser parte da crise de representação. A esquerda precisa ser alternativa à crise de representação”, defendeu.

Debate associados e diversas lideranças partidárias e de movimentos sociais. (Divulgação)

De acordo com Boulos, uma das principais questões para estabelecer essa sintonia é organizar o desafio da resistência aos retrocessos com medidas que levam a desmontes sucessivos de pactos nacionais. “Se olharmos as conquistas de programas sociais e políticas de investimento dos governos petistas, foram todas destroçadas. É uma agenda regressiva de longo alcance. É uma “desconstituinte”. Retrocessos em direitos vêm junto com desmontes institucionais. A militarização é um exemplo de como a presença dos militares na vida política e social dos brasileiros se naturalizou. A deterioração completa do poder judiciário no Brasil foi evidenciada agora com a interferência do juiz Sérgio Moro para que a Polícia Federal não cumprisse ordem judicial”, enfatizou.

Boulos, no entanto, advertiu que é necessário ter cuidado para que a unidade na resistência ao golpe não leve a ciladas. Por isso propõe o exame de três questões, para ele fundamentais ao debate. A primeira questão tem a ver com a eleição deste ano, que o pré-candidato considera a mais aberta e indefinida da história do país e entende que não está dada uma vitória da coalizão do golpe. A segunda questão, na visão de Boulos, se refere à própria ideia de unidade na esquerda. Haveria dois sectarismos opostos. O que transforma diferenças em antagonismo e o que naturalmente descarta e ignora a diferença. “Precisamos saber diferenciar. A unidade se constrói com pautas concretas nas ruas deste país. É preciso ter cuidado para que a necessária unidade na resistência não nos leve a ciladas. Temos clareza que se no segundo turno houver uma candidatura de oposição ao golpe não há discussão, há trabalho a ser feito”, afirmou.

A terceira questão, acrescentou, pede uma reflexão sobre as responsabilidades na construção de alianças e no posicionamento das forças que buscam unidade de projetos para o futuro. “O que significa essa aliança do PSOL com setores sociais? É uma aliança para debater com a sociedade e com a esquerda um projeto de futuro. Porque alguma candidatura precisa se posicionar claramente. É preciso dizer que esse sistema de governabilidade e alianças está falido. É preciso ser consequente com isso. É preciso revelar que se faz necessário fazer o enfrentamento aos bancos, fortalecer a defesa de uma reforma tributária, encampar pautas fundamentais como a que defende o direito ao aborto, a que discute as drogas, a que denuncia o genocídio negro. Não podemos negociar princípios para vencer a eleição”, defendeu.

Para o deputado Henrique Fontana (PT) construir uma frente de esquerda efetiva é uma obrigação. Contudo, essa frente tem que se dar nas condições reais que a cultura política da esquerda trouxe até aqui. Não podemos colocar diferenças de táticas eleitorais legítimas como impeditivos ou constrangimentos ao diálogo. Precisamos de pautas reais e fortes da nossa realidade para esse exercício”, defende. De acordo com Fontana, precisamos ao mesmo tempo criar condições para que a esquerda ganhe, porque o período não é de acúmulo é de urgência pela exigência da força do golpe. “Não podemos perder a eleição no golpe porque poucas ferramentas nos sobrarão, por isso é ainda mais relevante buscar a unidade”. Para o deputado, o lulismo é algo que pertence a toda esquerda brasileira, é maior que o PT e dá para a esquerda uma maioria social, por isso a luta comum da esquerda deve ser para manter esse sentimento do lulismo. Outro aspecto importante na visão de Fontana é o fortalecimento das bancadas progressistas. “A unidade da esquerda no parlamento é indispensável. Precisamos nos aproximar de parcelas da sociedade que tendem a ir para a negação da política”.

A deputada Maria do Rosário (PT) também entende que a candidatura do presidente Lula tem um papel de contra ordem, mais ampla que a questão eleitoral e, portanto, determinante para todas as forças de esquerda. “Reuniões como esta têm importância porque podemos produzir uma movimentação necessária, numa ideia de frente que não seja de cima para baixo. No plano do curto prazo temos a candidatura de Lula como algo comum e necessário às forças progressistas. Isso inviabiliza a nossa aliança a partir de programas? Não! Precisamos nos associar em programas de reforma agrária, urbana, de soberania, contra o machismo, o racismo, em defesa dos direitos humanos”, sustenta. Segundo a deputada, hoje, no Brasil, continuamos culturalmente associando a ordem com autoritarismo e não com participação. “Não podemos ter um país democrático nas normas e não na cultura política. Hoje, temos um processo de ruptura em que o conceito de democracia está em disputa. Temos uma democracia restrita e precisamos que seja mais ampla. Não podemos nos conformar apenas com os processos eleitorais, embora nem isso o elitismo brasileiro consiga suportar”.

Dentre os debatedores presentes na plateia, o ex-deputado Raul Pont destacou que devemos observar modelos e experiências em diferentes lugares do mundo, como a geringonça portuguesa ou a Frente Ampla uruguaia, mas tratou de pontuar que esse não é um desafio da esquerda brasileira, “esse é um débito da esquerda mundial”, afirma.

No próximo mês, dia 2 de agosto, o INP realiza o Colóquio a Questão democrática e a midiatização do processo judicial, com a presença do jurista e magistrado argentino Eugenio Raúl Zaffaroni.

(*) Diretora de Comunicação do INP


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