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26 de junho de 2018
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01:18

Festival reúne 80 artistas gaúchos em defesa da campanha ‘Salve, salve TVE e FM Cultura’

Por
Sul 21
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Festival Salve Salve TVE e FM Cultura. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Nem a chuva, nem o frio desta segunda-feira (25) acuaram o público de Porto Alegre que participou do Festival Salve, Salve, no Teatro Renascença, no início da noite. Com 80 artistas, tocando em dois palcos e no saguão do Centro Cultural Lupicínio Rodrigues (cedido pela prefeitura municipal para a ocasião), foi assim que a cultura da capital quis mandar um recado ao governador José Ivo Sartori (MDB). Ao mesmo tempo em que agradeciam aos servidores, repudiavam a extinção que vem sendo tentada pelo governo desde janeiro de 2017.

A ideia do festival, que funcionou como uma “ocupação cultural e solidária”, veio ainda antes que o coletivo “Cavalo De Tróia” realizasse outra ocupação simbólica no Palácio do Piratini, em 20 de dezembro do ano passado, quando a votação que aprovou as extinções das fundações na Assembleia Legislativa completou um ano. Durante o ato de sete meses atrás, os artistas leram o manifesto que ficou conhecido como “Manifesto Salve, Salve”.

Comunidade cultural promoveu ocupação simbólica do Teatro Renascença. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Nosso objetivo era uma ação de solidariedade com quem está na linha de frente da luta, ou seja, os funcionários com sua auto-estima sendo abalada, o desrespeito que as autoridades têm em relação à vida das pessoas, culpando o funcionalismo público por questões que eles não são responsáveis. Então, foi uma questão de carinho. Hoje é isso, dizer ‘nós amamos a Fundação Cultural Piratini’ e as pessoas que trabalham lá e nunca nos fecharam as portas. Eu sou parte de uma geração de artistas que não existiram para o público, se não fosse pelas emissoras públicas”, diz Leandro Maia, músico, compositor e um dos idealizadores da ocupação.

Com shows de artistas como Bebeto Alves, Borghetinho e Raul Ellwanger, o festival desta segunda ainda serviu de palco de encontros da cena cultural do Estado. Para o escritor e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luís Augusto Fischer, o sentido do festival se explicou por aí, “pelo valor do próprio encontro”.

“Todo mundo que está aqui, de alguma maneira, passou, dependeu da TVE, da FM Cultura, fez sua vida contando com elas. Eu, quando lancei qualquer livro, tive eventos que participei, quando houve algum debate relevante ao longo de todo minha vida adulta, isso passou pela TVE e pela FM Cultura”, lembra Fischer. “Queremos ter o direto de espernear bastante, porque não queremos que acabe. Isso tem que ser uma pauta para o próximo governo. Queremos que haja uma TV pública, uma rádio pública, que cumpram essa função essencial, de memória, de educação, econômica. Salve, salve TVE e FM Cultura”.

Em um texto conjunto, assinado pelos participantes do Festival, os artistas defendem que população tem “direito de se ver e se reconhecer na comunicação pública, sem intermédio de patrocinadores ou agentes mercadológicos”. E que o movimento que resultou no evento é apartidário e autônomo, feito por artistas, para quem o fechamento da Fundação Piratini é “o mais cruel silenciamento de nossa voz e nossa expressão cultural”.

Festival Salve Salve TVE e FM Cultura. Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Essa fundação significa a voz dos artistas e do povo gaúcho, significa democracia, dignidade, seres humanos melhores, tocados por uma arte genuína. Acabar com a Fundação Piratini significa o retrocesso absoluto, a cegueira que estamos inseridos todos, essa desigualdade e injustiça, cobiça que não tem fim”, afirma Deborah Finocchiaro, atriz e diretora, que leu a carta dos artistas no palco.

Os artistas apontaram ainda o impacto que os cortes e políticas como a que levou à extinção da Fundação Piratini podem impactar a própria economia cultural. Maia conta que, em dezembro passado, um amigo próximo, conhecido por tocar com músicos de renome, abriu a agenda e mostrou que teria apenas uma apresentação nos próximos cinco meses. Ele ressalta que a busca por apoio “não quer dizer que os artistas vivem de poder público”, mas da importância do fomento à cultura.

“Existem correntes políticas que são a favor da privatização, que não querem comunicação pública, tudo bem. Mas isso precisa ser discutido num momento de eleição, o eleitor precisa ser ouvido sobre isso. O que não foi feito”, explica o músico.

Extinção ainda em processo

Apesar de ter conseguido aprovação na Assembleia Legislativa há um ano e sete meses para a extinção das fundações, o governo ainda não conseguiu concluir os processos. Decisões judiciais tem pedido a suspensão dos trâmites consecutivamente. A justificativa é que, quase sempre, o governo estadual tem falhado em responder questões sobre encaminhamentos, como ficarão os serviços públicos prestados por elas e a manutenção de patrimônio público.

Para o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL), membro da oposição e que esteve na plateia do Festival Salve, Salve, reverter as extinções é um ato “fácil juridicamente, difícil politicamente”.

“Qualquer governo com boa vontade e o mínimo de compromisso com a sociedade trabalharia nessa questão. Não tem sido esse o caso do atual governo. Mas, uma negociação séria, em termos de Legislativo me parece que poderia levar a manutenção da TVE e FM Cultura, mas não só essas, como a Fundação Zoobotânica, a FEE (Fundação de Economia e Estatística), Cientec, enfim, todas as fundações que foram atingidas injustamente por essa sanha do governo”, avalia ele.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um servidor da Fundação Piratini, que pediu para não ser identificado por medo de represália, diz que o último ano e meio tem sido de “luta e resistência” para os servidores. O acordo coletivo não foi renovado e o clima dentro do trabalho seria “de terror”. Para ele, o Festival desta segunda é prova de que “a luta contra a extinção não é questão de corporativismo, nem busca de funcionários em manter privilégios”, como vem sendo dito por integrantes do governo.

“É a busca que qualquer sociedade tem de ter canal de manifestação de seus artistas, a TVE e a FM Cultura são esses canais. É um presente que a gente está recebendo, são os artistas dizendo ‘vocês são importantes, não queremos a extinção’. Partiu tudo deles, nós, movimento, só estamos apoiando”.

Também durante o Festival, o músico Tonho Crocco, ex-Ultramen, lançou a música Gangue da Matriz 2, onde lê os nomes dos deputados que votaram a favor da extinção da Fundação Piratini (veja abaixo). Em 2011, com a primeira versão da música, em que criticava deputados que votaram a favor do aumento de 73% para os próprios salários, Crocco chegou a ser processado.

Galeria de fotos

Deborah Finocchiaro leu carta de artistas em defesa da TVE e da FM Cultura. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ruas: “Reverter as extinções é fácil juridicamente, mas difícil politicamente”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Fischer: “Todo mundo que está aqui, de alguma maneira, passou, dependeu da TVE, da FM Cultura”. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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