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12 de abril de 2018
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10:42

Manuela D’Ávila: ‘Nós precisamos buscar essas vozes lúcidas que defendem a democracia’

Por
Luís Gomes
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Manuela D’Ávila: “A pauta central é a liberdade do presidente Lula, é o estado de exceção democrático que o Brasil vive”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Luís Eduardo Gomes

Na última semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi protagonista nos noticiários. Prestes a ser preso e levado para Curitiba, o líder nas pesquisas de intenção de voto para a presidência em outubro fez um discurso emocionado na manhã de sábado (7). Ao lado dele no palanque, os candidatos do PSOL, Guilherme Boulos, e do PCdoB, Manuela D’Ávila. Os dois políticos mais jovens têm se juntado a Lula em defesa de uma unidade da esquerda. Depois que ônibus da caravana do petista foram alvo de tiros no Paraná, eles já haviam se reunido com o ex-presidente em um grande ato em Curitiba. Também são defensores incondicionais do direito de Lula de disputar a próxima eleição.

Na última terça-feira (10), o Sul21 conversou com Manuela em Porto Alegre, lodo depois de a deputada ter estado no acampamento pela liberdade de Lula montado na capital paranaense. Na conversa, ela avalia a situação política do Brasil e da esquerda após a prisão do ex-presidente. Apesar de ela, Lula e Boulos terem estado no mesmo palanque na semana passada, diz que este não é o momento de se discutir uma aliança eleitoral, mas de fazer a luta pela liberdade do ex-presidente, o que, para ela, é uma luta pela preservação dos valores democráticos e da Constituição de 1988. Manuela também expressa preocupação com a proliferação dos discursos de ódio contra a esquerda pela internet, que inclusive tem contaminado a ação de agentes públicos. Na conversa, ela conta o episódio de uma visita à Polícia Federal em que foi recebida por um agente vestindo uma camiseta com o slogan: “Menos Marx, Mais Mises”.

Por outro lado, Manuela destaca que a aliança reforçada nos últimos dias é mais um passo na construção que vem sendo feita de uma unidade programática dos partidos de esquerda, que passa por uma confluência mínima de ideais, como a de que a recuperação econômica não virá por meio de políticas de austeridade, mas com mudanças como a taxação de grandes fortunas, juros e dividendos para financiar políticas sociais.

A deputada comunista diz ainda que é 100% candidata à presidência, mas ressalva que, como tudo na vida, essa é uma resposta de momento. Confira a íntegra da entrevista a seguir.

Sul21: A prisão do ex-presidente Lula é o fim da linha para a esquerda brasileira ou o começo de um novo ciclo?

Manuela: Eu acho que não é nem uma coisa nem outra. Eu acho que é uma etapa de um ciclo que a gente está vivendo desde o processo do impeachment, do golpe. É o segundo ponto mais agudo. O impeachment em si é um ponto muito agudo dessa conjuntura nova que o Brasil está vivendo e que parece que apenas a esquerda percebeu a gravidade, a profundidade e a necessidade de nós reagirmos. Algumas pessoas, talvez de forma ingênua, disseram que o golpe foi o impeachment. O impeachment foi um capítulo do golpe. O golpe é, há algum tempo eu tenho usado uma comparação jurídica, como um sequestro. Um sequestro não acaba, ele é um ato continuado. Ele não se dá na hora que a pessoa é tirada do lugar e colocada no porta-malas.

“Essa é uma etapa de ameaça profunda às liberdades de todo povo brasileiro”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Então, o golpe capturou ferramentas importantes da democracia brasileira para executar um programa. Primeiro é o impeachment, o não respeito ao voto popular, a gente vive um período muito intenso de ameaças a um conjunto de liberdades. A gente tem que falar sobre isso, o voto popular não é respeitado. Impeachment sem crime de responsabilidade. A vontade popular expressa pelas urnas não é respeitada. O programa de governo é rasgado por Temer. Reforma trabalhista, emenda constitucional 95, outras alterações importantes que aconteceram estabelecidas por ele também é o golpe. E agora, no ápice, digamos assim, do ativismo judicial, o juiz Sergio Moro decreta a prisão do ex-presidente Lula. Me parece que cinco dos onze ministros do STF compreenderam exatamente o tempo que nós estamos vivendo.

Embora a batalha pela liberdade do presidente Lula hoje esteja circunscrita ao nosso campo político, parece que esses juízes perceberam o que nós estamos dizendo há muito tempo, que essa é uma etapa de ameaça profunda às liberdades de todo povo brasileiro. Alguém disse essa frase e eu achei brilhante: ‘Nós vivemos naquela noite o último dia de 1988’. Não é? O último dia inspirado pelas ideias da democratização brasileira. Voltando a tua pergunta inicial, acho que não é nem o fim de um ciclo, é parte desse ciclo que começou com o golpe, e nem o início de outro. Porque, pra nós, essa etapa será vencida quando nós tivermos o presidente Lula na rua. Então, pressupor que pode começar um novo ciclo com o Lula preso é ignorar a sua condição de preso político e o fato de que a restrição de liberdade imposta a ele se dá para restringir as liberdades do Brasil enquanto nação e do povo brasileiro.

Sul21: Como estava o clima lá em São Bernardo? Como os líderes partidários estão vendo essa conjuntura? O momento agora é de denunciar que Lula é um preso político mesmo?

Manuela: O ambiente em São Bernardo foi de muita unidade, de muita solidariedade e de muito respeito às decisões que o presidente Lula tomou pela sua família, pelos seus advogados e pelas forças políticas que estavam ali. Às vezes, alguém diz assim: ‘Ah, foi uma ação pessoal’. Imaginar que um gigante como é o presidente Lula tomaria uma decisão dessas de caráter pessoal é ignorar o tamanho que ele tem, as responsabilidades que ele tem com o Brasil e com o rumo da sociedade e da democracia brasileira. Ele tomou as decisões ouvindo esse conjunto de variáveis. Nesse sentido, ele foi sempre muito respeitoso com os partidos, com o dele e com os nossos, envolveu eu e o Guilherme Boulos em todas os momentos que coletivizou. Talvez como gesto justamente de perceber que não é o destino dele só, embora seja ele o símbolo desse destino, é um destino da luta em defesa da liberdade do nosso povo. Rasgaram a constituição. Enfim, era um ambiente de sentimentos muitos variados. Eu comentava isso contigo antes [do início da entrevista gravada], o presidente Lula era quem confortava todos nós até o momento de ser preso. Então, também tinha um ambiente muito vivo, humano.

Acho que todos nós que estivemos ali dentro do sindicato com ele durante esses três dias não estaríamos lá se não tivéssemos a exata noção do que significa a prisão dele. E a certeza que nós temos de que é um processo absolutamente esdrúxulo ao qual ele respondeu e que o fato que leva ele pra prisão é justamente para que possam seguir executando, com certo ar de tranquilidade, o golpe que proferiram lá atrás com o impeachment da presidente Dilma.

Sul21: Tu citou nessa resposta o Guilherme Boulos. O que a tua presença e a do Boulos representam para a tão falada união das esquerdas?

“O que interessa agora não é mais os meros desdobramentos da minha pré-candidatura”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Manuela: Olha, a nossa unidade se dá em dois aspectos. Existe a unidade que é construída programaticamente e nós já tínhamos tido um avanço extraordinário quando as quatro fundações de PSOL, PDT, PCdoB e PT assinaram juntas uma carta programa mínimo para o desenvolvimento do País. Então, programaticamente, já estava dado isso, o mínimo comum. E acho que aquele ambiente é um ambiente da luta e a luta constrói as relações de unidade para a ação política. Eu e o Boulos somos dois pré-candidatos de dois partidos, nós somos da mesma geração, temos a mesma idade, coincidentemente, mas nós não tivemos uma militância comum, então acho que serviu para que nós estreitássemos nossos laços para conduzir com responsabilidade, e me parece que a gente tem conseguido colocar cada coisa no seu tamanho.

O que interessa agora não é mais os meros desdobramentos da minha pré-candidatura, mas é como a gente consegue fazer as disputas que temos que fazer eventualmente num outro ambiente. Acho que ficou nítido, tanto pra mim quanto pro Boulos, pelo que eu notei, não tenho nenhum interesse em falar por ele, que a pauta central é a liberdade do presidente Lula, é o estado de exceção democrático que o Brasil vive.

Sul21: Há alguma possibilidade de essa unidade se refletir em uma aliança eleitoral de fato? Quem sabe no primeiro turno ou em alianças locais, como no RS?

Manuela:Acho que não é nem certo trabalhar com esses cenários agora porque o PT tem um candidato, esse candidato está preso e não existe como nós estabelecermos um diálogo sobre isso sem envolver esse candidato.

Sul21: O que essa unidade programática da esquerda tem para oferecer e convencer a população de que não está na hora de a direita voltar ao poder pelo voto?

Manuela: Eu acho que a gente precisa debater um conjunto de saídas para a crise do Brasil que passem pela retomada do crescimento da economia e não pela diminuição dos direitos, das perspectivas de se aposentar, da dignidade do povo brasileiro. É uma encruzilhada que o Brasil vive, que é a encruzilhada que a crise do capitalismo coloca pro mundo. Nós construiremos saídas de adesão a esse regime de austeridade fiscal e lucratividade infinita para os bancos e para os milionários? Ou nós, por exemplo, tributaremos grandes fortunas, lucros, juros e dividendos e garantiremos que a gente possa investir isso em políticas sociais para assim movimentar a economia brasileira? São rumos. O nosso rumo é o que coloca o crescimento da economia vinculado à ideia do desenvolvimento social. O deles é o lado que quer garantir que, crescendo ou não crescendo a economia, os bancos sigam lucrando. Qual é a nossa política de segurança pública? A deles é de armar todo mundo e vamos nos matar, né? A deles é a política do bang-bang.

Sul21: Todo mundo que falava em revogar o estatuto do desarmamento foi muito aplaudido no Fórum da Liberdade.

“Eles não têm uma política de segurança pública. A deles é a do bang-bang”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Manuela: Imagino. Eles são tão burros que nem conhecem o estatuto do desarmamento. Eles nem sabem, por exemplo, que no episódio da Marielle, o único avanço que teve, que é conhecido, que é o fato da identificação das armas, se dá por causa do estatuto do desarmamento. O que a gente precisa fazer é cumpri-lo, porque o perfil balístico não está em vigor e está lá no estatuto. Então, eles são burros mesmo, são ignorantes e mentem para o povo. O discurso sobre o estatuto é uma prova. Até tem uma piada que rola pela internet, imagina todo mundo se armando, imagina o MST e o MTST indo comprar arma, aí parece que mudam de opinião rapidinho, quando percebem o que estão dizendo. Mas, então, eles não têm uma política de segurança pública. A deles é a do bang-bang.

A gente precisa apresentar uma política de segurança pública que tenha como centro a construção de uma vida não violenta do povo trabalhador. O Brasil hoje é o país em que mais policiais morrem e em que a polícia mais mata. Os policiais também são trabalhadores. Não existe policial rico. Tudo filho de mulher negra, da periferia, como são os que morrem do outro lado. Eles fazem com que a gente caia no papo de que é uma briga de policial contra bandido. É uma briga de povo contra povo. A gente precisa colocar no centro o resgate das polícias, a legitimidade social delas, a remuneração delas, precisa pautar o tema das drogas. Os homicidas estão soltos porque as polícias têm pouca capacidade de investigar. Qual é o nosso centro? É prender varejista de droga ou é prender, para que a gente se sinta seguro, homicidas e autores de crimes sexuais? Eu não quero ser estuprada, nem executada. Aqui está o tema central. Então, a gente precisa, no momento certo, apresentar esse conjunto de ideias para a sociedade, porque o lado deles é o lado que não pensa no povo, não pensa mesmo.

Sul21: O sociólogo Laymert Garcia dos Santos deu uma entrevista à RBA em que disse que esperava muito mais gente lá em São Bernardo, 300 mil, 400 mil pessoas e o que ele viu foi só a militância…

Manuela: Ele não estava lá então, porque eu olhei muito para baixo, comentei muitas vezes com o presidente Lula: nós tínhamos muita gente do povo, muitos jovens. Fiquei impressionada com a juventude das pessoas que estavam lá. Agora, era em São Bernardo e aconteceu de um minuto para  o outro. Eu estava comemorando o aniversário do meu marido em casa. Quantas pessoas conseguem emitir uma passagem aérea de um minuto para o outro, como foi o meu caso? Deixar a filha com o marido, como eu consegui deixar? Eu voltei para cá 11 da noite na sexta-feira, cheguei a 1 da manhã, 4 da manhã peguei outro avião e levei minha filha para lá. As pessoas têm problemas reais nas suas vidas. Então, para mim, primeiro ele não viu quem estava lá, porque eu fiquei muito impressionada com a juventude, muitas mulheres, muitas pessoas que não eram organizadas. Tu via isso pela roupa, pela bandeira, pelo adesivo, pela reação, por tudo. E, segundo, é não compreender a vida real das pessoas. Eu pego o meu exemplo, de mulher e mãe. Eu consegui no meio do aniversário do meu marido deixar a minha filha com ele. A ex-mulher dele ficou com a minha filha de manhã pro meu marido sair para fazer um show enquanto eu não conseguia voltar e não sabia se ia voltar alguma hora para conseguir pegá-la. São coisas das vida. O dinheiro da passagem aérea, a locomoção, com quem deixar o filho, como justificar.

Então, acho que as pessoas também têm que levar isso em conta. E o presidente Lula saiu carregado pelo povo. Em todo o Brasil, pessoas se manifestaram. Então, acho que é tentar criar um ideal para algo que nunca existirá um ideal, porque nunca passou na nossa perspectiva histórica que nós veríamos o presidente Lula sendo preso. As pessoas não sabiam se iam para São Bernardo, se iam para Curitiba, se iam para o Aeroporto de Congonhas. Existiam desdobramentos naturais de algo que não é planejado. Quem estava com a narrativa planejada era o Moro. ‘Vai vir aqui, 5 da tarde, eu vou fazer a minha foto e vou tomar o meu whisky de noite, comemorando a prisão dele’. Nós não estávamos. Então, acho que também é uma visão muito idealista da vida das pessoas diante da reação que elas têm de um fato imprevisível como esse. É um olhar pouco real, muito de militante. As pessoas que não são militantes, do movimento sindical, como elas desdobram a sua vida para estar lá? Não é fácil. Isso não significa não solidariedade. Eu ando na rua e tem mulher que me para chorando há uma semana.

Sul21: A senhora se vê, de alguma forma, como herdeira do Lulismo no campo ideológico – se é que ele pode ser assim considerado? 

“Até a Laura já foi agredida. Eu fui agredida grávida”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Manuela:Eu acho que qualquer resposta com relação a isso é equivocada. Muita gente tem me perguntado isso a partir da manifestação do ex-presidente Lula, mas a vida real é que todos nós que somos militantes de esquerda, todos nós que somos militantes progressistas, todos nós de todas as idades que militam somos responsáveis pela ideia ou pelo conjunto de ideias que o nosso campo político construiu no último período e que pretende seguir construindo. Não sou eu. Somos nós todos, aquela frase do presidente Lula de que não podem aprisionar as nossas ideias. Não são as ideias dele como indivíduo, ele não é um sujeito que construiu sua história individualmente, são as nossas ideias, as ideias do nosso campo político.

Eu milito desde os meus 16 anos, eu jamais tive a pretensão, até por ter entrado em um partido com baixíssima densidade eleitoral, principalmente quando eu entrei, nunca gostei e não acho que é certo nós nos pressupormos como herdeiros individualmente de algo. Agora, acho que todos nós militantes de esquerda, e o presidente Lula tentou deixar isso claro ali, temos a obrigação de sermos nesse sentido, não herdeiros, mas construtores da força das nossas ideias na sociedade nesse próximo ciclo.

Sul21: Queria mudar de assunto para a questão do ódio na política, que se manifestou ontem [na segunda-feira] com a senhora. Eu queria primeiro que relatasse o que aconteceu. Como foi a agressão que aconteceu contigo?

Manuela: Infelizmente, se é que existe isso, os últimos anos fizeram com que todos os meus conceitos de agressão na política fossem atualizados. As minhas configurações foram atualizadas. Aliás, a primeira entrevista que eu falei isso foi ainda durante o puerpério, tem imagens que são lindas do Sul21 com a Laura agarradinha em mim, mas até a Laura já foi agredida. Eu fui agredida grávida. Coisas que eu nunca imaginei que ia viver. A mulher quando está grávida, é exercido nela um certo sentido de que o mundo pode dar certo. Então, ser agredida grávida é quase como uma paulada em todas as tuas expectativas com o futuro do mundo, porque, num certo sentido, meio simbólico e individual, tu está gerando uma nova vida. Tu não vai botar uma nova vida achando que o mundo está uma merda. Aquela agressão, o problema não é ela em si. Eu tenho uma avaliação que eu até brinco às vezes de que sou uma marxistas-freudiana-cristã, porque tenho avaliações bem humanas com relação a esses meninos, sabe?

Acho que às vezes o ódio deles tem outras explicações, falta de afeto, falta de relações afetivas. Acredito muito nisso, por isso que educo a minha filha com muito amor, porque acho que falta amor na vida dessas pessoas, mesmo. Nesses meninos, não estou falando de quem ordena esse sistema de ódio, mas desses meninos que executam essas agressões na internet. O problema daquela agressão não é comigo. Esse é um episódio que até se for ver o vídeo do momento em que ele faz o que chamou de trollagem, eu respondo ‘vai transar’. O meu lado freudiano entrou em ação. Mas o problema é que depois eu vi ele saindo escoltado e entrando lá atrás, na área reservada[da Superintendência da PF em Curitiba]. Aí eu tentei ir atrás dele. A nossa galera me segurava. O vídeo é o Lindebergh e o Pimenta me segurando, dizendo ‘Não cai na agressão’. Eu falei: ‘O problema não é a agressão, o problema é onde ele está indo’. Aí nessa hora, um jornalista da Band, um repórter bom e sério, pegou as imagens e disse: ‘Ó, ele tava lá antes de conversar contigo, antes de vir até aqui, enquanto tu estava nos dando a coletiva’. Eu dei a coletiva virada para a superintendência. Ele veio autorizado pelos policiais. Como a gente vive um momento de preocupação extrema com a integridade física do presidente Lula, e não é uma preocupação que surge do nada, mas de fatos concretos. Tem aquele áudio que foi confirmado pela FAB. Vejam, eu não tinha publicado aquele áudio porque dentro de mim eu tinha a certeza de que era falso, e a FAB confirmou a veracidade dele. Eu nutria uma esperança de que não fosse verdadeiro. Aquele áudio diz muita coisa, né? Porque os nossos mortos políticos na América Latina eram jogados dos aviões. Então, aquela frase para mim é emblemática, porque ela mostra exatamente qual a condição de preso do presidente Lula.

Sul21: É também um fetiche.

Manuela: É, é também um fetiche dessa galera com ódio. Tem referências históricas. Não é por nada que idolatram um cara que cita Ustra. Ali é expressa essa referência. Então, de um lado tu tem isso. De outro lado tu tem o não fechamento do espaço aéreo de Curitiba e o não cercamento da Superintendência na noite em que o presidente Lula chegou. Quando o Moro fez a oitiva ao presidente Lula lá [em maio de 2017], ele fechou tudo. Por que não fez quando ele chegou? Não fez porque queria submeter o presidente Lula aos foguetes que essa direita asquerosa ficou jogando naquela noite do lado da cerca da Polícia Federal. Então, foi um terceiro episódio em menos de 24h que nós vivemos. Eles tentam transformar no episódio dele vir gritar ‘É Bolsonaro, porra’. Vê que sempre também está presente o elemento sexual. Ou é chupa ou é porra que eles gostam de gritar. Mas não é esse o fato. O fato é que a gente quer saber quem ele é. A Gleisi, presidente do PT, já me passou a informação de que ele é um policial civil, mas poderia ser um policial federal. Para mim, o interesse de esclarecer quem ele é não é meu, é meu como militante que quer resguardar a integridade do ex-presidente Lula, mas é da PF, para me dar a certeza que ele não é agente.

“Eu fui depor e um agente me esperou com a camiseta ‘Menos Marx e mais Mises’”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Eu nunca tinha falado sobre isso, mas recentemente fui chamada na PF daqui para depor sobre aquele episódio do hino que nós cantamos o ‘Fora, Temer’. Um menino que queria aparecer, por isso que não contei a história, que é a da turma do Marchezan – é o que tinha a responsabilidade de cortar a grama de Porto Alegre que está alta -, fez uma denúncia porque nós gritamos ‘Fora, Temer’ e isso seria ferir o símbolo pátrio. Era véspera da eleição, ele queria ganhar ibope, por isso que eu não dei. Aí eu fui depor e um agente me esperou com a camiseta ‘Menos Marx e mais Mises’, no meu depoimento com hora marcada. Ou seja, não foi casual, foi uma provocação. Por que eu não posso achar que esse cara também estava lá dentro? Então, vê bem, existe o debate sobre o ódio, mas agora, esse fato, não é nessa esfera, porque se colocar nessa esfera é interesse deles, de dizer ‘foi só uma trollagem’. Um abraço é um abraço, mas um abraço que te contem para gritar ‘Bolsonaro, porra’ não é um abraço, é claro que é grave. Mas isso eu resolvo. O meu salário hoje é dedicado todo a gastar com advogado para processar esses caras. Então, isso juridicamente eu resolvo. Tá ok. Agora, eu estou solta para fazer isso, o presidente Lula não está.

Sul21: Te preocupa esse nível de contaminação que vemos hoje nas nossas instituições?

Manuela: Preocupa, eu acho que teve um abandono de uma parte do liberalismo brasileiro a ideias que são eminentemente liberais. Se não fosse tão trágico para o Brasil, eu acharia graça que eu veja hoje como uma das minhas responsabilidades na política a defesa de um marco que é liberal: a Constituição cidadã de 88, os direitos civis e individuais, a soberania nacional. Coisas que são uma base mínima comum de nações que são liberais. Sobretudo essa contaminação no poder judiciário.

Como a gente vive uma sequência de dias muita drástica, temos focado na parte do Judiciário, que levou o Lula para a cadeia, mas a gente tem que também olhar com atenção aos sinais dos cinco ministros que votaram pela valorização da Constituição. O ministro Lewandowski proferiu um voto lindíssimo, pegando o Código do Consumidor, de que ali se pode devolver com juros e correção monetária. A liberdade não se devolve com juros e correção monetária. A Suprema Corte decidiu colocar em primeiro lugar a propriedade em detrimento da liberdade. Aquele voto dele desmascara exatamente os interesses do golpe em curso no Brasil. A propriedade, a lucratividade dos grandes bancos, eles valem mais do que a Constituição de 88, do que as garantias e direitos individuais, do que o direito ao voto.

Então, em última instância, a grande batalha é essa. Não é a propriedade no sentido da posse de um terreno, é a propriedade no sentido do capital, dos lucros, deles manterem a sua lucratividade diante de uma crise tão grande e por isso rasgarem o que nós construímos nesses últimos 20 anos. Então, acho que a gente precisa também ouvir o que eles disseram, porque senão a gente cai no jogo que eles estão tentando construir. Embora hoje sejamos só nós, a esquerda, ou os setores mais progressistas, que defendamos a liberdade do Lula, essa não deveria ser uma causa nossa. Esses cinco ministros, por exemplo, fazem parte desses setores. Nós precisamos buscar essas vozes lúcidas que defendem a democracia, que defendem a validade dos processos eleitorais, que defendem as garantias e direitos individuais. E, se a gente não perceber que isso aqui é um movimento importante, a gente vai num certo sentido se isolar, sem estar isolado do ponto de vista da realidade dos fatos.

Sul21: A esquerda talvez seja o alvo principal do ódio político, de manifestações raivosas na internet e nas ruas. A gente não vê esse nível de agressividade contra políticos de direita. Muito raro. E, ao mesmo tempo, a esquerda é frequentemente responsabilizada pelo ódio. Qual o papel que os partidos de esquerda e os movimentos sociais têm para alcançar o que todo mundo na chamada ‘pacificação nacional’?

“Existe uma candidatura hoje no Brasil que mexe com o medo e a insegurança do nosso povo, que são justos”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Manuela: Vê bem, são duas coisas que eu acho importante dizer. Primeiro, dizer que nós somos os principais alvos acho até que é uma generosidade tua, nós somos os únicos alvos. E nós somos alvos permanentes. E isso tem duas razões centrais para mim. Primeiro, porque existe uma candidatura hoje no Brasil que mexe com o medo e a insegurança do nosso povo, que é justo. Desconhecer a justeza de um povo que se sente inseguro diante de uma crise que tira 13 milhões de empregos é desconhecer a vida real, o povo está angustiado com a sobrevivência. E aí tu pegar esse sentimento, não dar uma resposta consciente e dar uma resposta de ódio, que é o que o Bolsonaro faz, tu instrumentaliza esse sentimento. Primeiro isso, eles têm alguém que organiza esse sentimento. E a segunda coisa, que ninguém fala e eu fico puta com isso, é que eles têm dinheiro na internet. Achar que é espontâneo o clima de ódio que eles criam é não perceber que empresários, como é o caso de um que é candidato à presidência da República, colocam milhões de reais em sites que distribuem notícias para gerar ódio no povo. Então, assim, é o organizador e o financiador.

Existe uma rede de financiamento do ódio na internet. E esse ódio, há muito tempo eu tenho falado nisso, eu estava grávida e a minha filha já vai fazer três anos, sai da internet e vai para as ruas. Vai para a rua de múltiplas formas. Para mim, e essa é a razão pela qual eu fui lançada pré-candidata em novembro, a opinião que nós temos é que a construção das saídas para a crise passam pela eleição. Nós estamos apostando as nossas fichas, o nosso campo político, na construção de uma saída que passe por isso. Eles parecem demonstrar que não têm essa opinião e tentam resolver a eleição de forma antecipada, por exemplo, impedindo o Lula de concorrer.

Sul21: A senhora teme pela não realização das eleições ou pela possibilidade de um golpe militar, algo que começou a ficar mais forte com as manifestações de generais na semana passada?

Manuela: Primeiro, acho que todos nós temos que estar atentos ao tema da realização das eleições. Manobras já foram feitas nesse sentido. Existiu a PEC no semipresidencialismo, então essa é uma atenção que a gente precisa ter e por isso que nós precisamos ser também defensores das eleições, colocar o tema da eleição como um tema central. Hoje, a crença que nós temos de construir uma saída com rumo para a crise econômica do Brasil passa por uma saída política democrática, que são as eleições. É uma bandeira nossa e a gente precisa se agarrar a ela.

Acho que existiram muitos movimentos que fazem com que a gente fique atentos. O Supremo votou naquela ocasião tensionado por um setor do poder judiciário, por um setor do MP, por um setor da grande mídia e por um setor do Exército, que se manifestou de forma inconstitucional. Então, é preciso estar atento a isso, são elementos que despertam a nossa atenção. Por fim, eu acho que a gente também precisa entender que eles vão construindo as suas formas para as coisas. Tem um jornalista que sempre me fala muito em referência ao que aconteceu na construção inicial da ditadura uruguaia, foi uma saída com um civil. Então, acho que quando o presidente Temer não questiona, num certo sentido, ele também pactua com esses setores.

Sul21: Falando em eleição, a senhora é 100% candidata à presidência ou tem alguma chance de concorrer ao governo do Estado?

Manuela: Eu sou 100% candidata à presidência.

Sul21: É uma resposta de momento?

Manuela: Todas as respostas que eu dou na vida são respostas de momento. Eu iria embarcar para Lisboa hoje de noite, o meu padrasto morreu e não vou. A vida, dizia o Gabriel Garcia Marques, ‘está para vivirla’.

Sul21: Como tu vê as chances eleitorais da esquerda? Ontem [na segunda-feira] eu estive no Fórum da Liberdade e o clima lá era de que a esquerda está morta, que não tem a menor chance, que a questão não é nem discutir a economia, mas os valores da sociedade. Eles acham que é esse o campo que eles têm que debater com a esquerda.

Manuela: Ó, nós não fomos derrotados desde 2002.  Nós sofremos um golpe. Nós estamos derrotando eles eleição após eleição. Eles precisaram dar um golpe para implementar o programa de governo deles. Eleição é um momento em que a gente fala as ideias. Eu quero ver Alckmin, Bolsonaro, Flávio Rocha e Marina dizerem que são a favor da reforma trabalhista na TV. Ou nos debates. Para mim, eles vão ter que dizer. Então, quero ver dizer para uma mulher trabalhadora que eles são a favor da PEC de congelamento dos gastos públicos enquanto ela não consegue trabalho e é barrada na entrevista de emprego porque tem filho e não tem creche. Então, assim, eu acho que nós temos, embora o período seja muito adverso mesmo, condições de vencer a eleição, porque eles não ganham eleição há muito tempo. O Marchezan é prefeito não disse o que ia fazer. O Sartori não apresentou programa de governo, não defendeu o que ele faz. Não abstraiam isso. O Marchezan foi nas quadras das escolas de samba, ele falou lá que ia acabar com o Carnaval?


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