Lucas Vasques – Revista Fórum
Desde o dia 7 de abril o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra preso na sede da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, mesmo que ainda não tenham sido esgotados todos os recursos jurídicos. A equipe de advogados responsável por sua defesa tenta, diariamente, encontrar mecanismos que viabilizem colocá-lo novamente em liberdade. A Fórum entrevistou juristas renomados com a seguinte questão: Agora, diante do cenário atual, quais as chances de Lula sair da prisão pela via judicial? A opinião unânime é que o processo contra ele é repleto de falhas.
Marco Aurélio de Carvalho, especialista em Direito Público, sócio-fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e sócio-integrante do Grupo Prerrogativas, é um dos que acreditam que Lula pode deixar a prisão: “Eu creio que, pela via judicial, é possível e provável que o Lula saia. Se a Constituição Federal for aplicada como deveria ser, ele nem preso deveria estar. Para situações equivocadas, como a presente, existem os chamados remédios, que o próprio ordenamento jurídico apresenta. Então, ele cria determinados problemas, mas no bojo dele próprio apresenta soluções. Foram manejadas algumas ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade), que receberam os números 43 e 44, mas que acabaram contaminadas. Uma delas foi patrocinada pelo PEN, que, por conta de uma disputa político-eleitoral, acabou sendo prejudicada pela destituição do até então advogado, dr. Antônio Carlos de Almeida Castro. E a outra, manejada pela OAB, que, em função da falta de energia e de vigor com que o presidente da Ordem tem tratado a matéria, ainda nem sequer foi pautada”, afirma.
Apesar disso, Carvalho ressalta que uma iniciativa recente pode mudar o quadro. “Tivemos a grata surpresa de ver que três grandes juristas, a professora Weida Zancaner, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o maior administrativista do país e um dos principais do mundo, e o professor Geraldo Prado, referência mundial na área de processo penal, em nome do PCdoB, entraram com uma nova ADC. Essa nova ação pode, eventualmente, ajudar na tramitação dessa discussão no Supremo, uma vez que as anteriores estão sendo manejadas com objetivos políticos-eleitorais, conforme adiantei.”
A avaliação de Cláudio José Langroiva Pereira, advogado criminal e doutor em Direito Processual Penal da PUC-SP, é semelhante. “Existe a possibilidade de o ex-presidente Lula sair pela via judicial, caso os recursos extraordinários que devem ser apresentados por seus advogados sejam acolhidos e providos. Evidentemente que nós estamos falando de uma saída em razão de um acórdão de uma decisão final, que, efetivamente, daria condição de liberdade. Essa decisão final poderia ser de duas formas: ou o absolvendo das imputações a ele apresentadas ou, eventualmente, reconhecendo alguma nulidade, o que poderia levar à anulação de todo o processo. Nesses casos ele poderia ser solto”.
No entanto, faz um alerta: “Fora desses casos, é impossível prever uma possibilidade de soltura, a não ser no julgamento das ADCs. No mais, o entendimento vigente do Supremo Tribunal Federal (STF), embora eu repute como inconstitucional e ilegal, está valendo. Então, dentro desse contexto, são as duas possibilidades que eu acredito que existam”, destaca Pereira.
Cláudio Pereira ressalta, ainda, que o julgamento das ADCs é, de fato, uma saída viável. “Mas não porque é uma alternativa para o ex-presidente Lula, mas, sim, para a sociedade. O ex-presidente Lula vai estar sujeito à eventual decisão positiva nesse sentido, reconhecendo que o posicionamento do Supremo é inconstitucional, ilegal, ou seja, reconhecendo que a Constituição realmente veda o início de cumprimento de pena antes do final de todos os recursos. Essa decisão vai não só beneficiar o ex-presidente, mas uma série de pessoas que, na minha opinião, de forma ilegal e inconstitucional, se mantêm presas por decisões de segunda instância, mas que ainda podem ser anuladas ou revertidas. O ressarcimento moral, social e até mesmo físico jamais poderá ser feito de forma adequada, se é que vai ser feito”, acrescenta.
Reclamação constitucional
Marco Aurélio de Carvalho lembra que, a partir das ADCs, a defesa de Lula apresentou uma reclamação constitucional. “Há medidas pendentes nos tribunais superiores, não só no Supremo, mas no próprio STJ. Além disso, ainda tem um último dispositivo que é a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, as chamadas ADPFs. Esse instrumento poderia ser manejado levando em consideração o desrespeito a dois princípios constitucionais: a impessoalidade e a isonomia. Vários HCs que estavam sendo julgados pelo Fachin foram submetidos à apreciação da Turma, onde tinha maioria no sentido de aplicar o comando constitucional na sua interpretação literal e rasa: presunção de inocência plena. O Fachin, percebendo que ia perder na Turma, levou o HC do Lula ao plenário, sem nenhuma justificativa. Isso fere o princípio da isonomia e promove a chamada justiça lotérica, ou seja, para algumas pessoas a liberdade, para outras a prisão, em situações absolutamente parecidas. Por fim, afeta também o princípio da impessoalidade. O magistrado tem que julgar com a venda nos olhos. Por que ele levou esse caso para o pleno, com o objetivo de derrotar o ex-presidente Lula? Essa é a questão. Por que a ministra Cármen Lúcia, ao perceber que o Supremo tem sediado a loteria jurídica, não devolveu o HC para ser julgado na Turma? E mais uma coisa: por que ela não pauta as ADCs? Só existe uma justificativa: atender aos apelos midiáticos”, denuncia Carvalho.
Fragilidade
Em relação à forma pela qual o processo que envolve o ex-presidente foi conduzido, Carvalho avalia que a culpa foi formada com muita superficialidade, com muita fragilidade. “Não existe nenhum jurista que defenda a higidez da sentença. Na comunidade jurídica, nós tivemos um isolamento daqueles que defenderam a postura do Sergio Moro. Do ponto de vista jurídico, nem os juristas conservadores tiveram coragem de dar sustentação à tese colocada por ele”.
Para Cláudio Pereira, o processo foi muito difícil, em especial pelo que se viu na mídia. “Não tive acesso pleno aos autos, mas, de acordo com o que foi divulgado, o que se observa é uma série de indícios da ocorrência de alguns fatos, que podem ser considerados como ilícitos, mas, evidentemente, o que se presta também a identificar é a ausência de provas contundentes. Eu acredito que a incerteza probatória nunca deve prevalecer. Creio, também, que uma condenação nesse sentido e, em especial, atribuindo situações de caráter político, é muito prejudicial ao estado democrático de direito. Não vejo esse processo como um exemplo a ser seguido, nem como modelo de ideal. Ao contrário, vejo com muitas falhas de natureza decisional, falhas no tocante à segregação das garantias de direitos fundamentais e, principalmente, falhas no que se refere à presunção de culpa, quando, na verdade, o que vige no estado democrático de direito brasileiro é a presunção de inocência. Não acredito que a matéria probatória, ao menos àquela que eu tive acesso, seja suficiente para uma condenação. A visão que me sobra nesse processo é muito triste: a manutenção de um modelo processual que foi submetido ao sistema político, o que põe em dúvida todo esse processo no tocante à legalidade”, destaca.
Combater o “inimigo”
Fernando Hideo, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal na Escola Paulista de Direito, concorda com as irregularidades do processo, mas faz uma avaliação diferente quanto à possível saída do ex-presidente da prisão. “Lula é um prisioneiro político. Dizemos isso, basicamente, por duas razões: primeiro, o processo foi repleto de ilegalidades desde o início. Em segundo, porque essa injustiça não é uma coisa generalizada. É específica para o caso dele, uma medida específica para combater um ‘inimigo’, tudo que ele representa, o que ele simboliza. Isso politiza o processo penal, transformando a natureza da aplicação da lei em uma perseguição política. É óbvio quer isso não é um movimento isolado. É concatenado com o sistema de Justiça, com o poder econômico e com a mídia”, analisa.