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20 de abril de 2018
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22:39

Boulos: ‘Num momento de crise, é preciso fazer com que a voz de indignação chegue à política’

Por
Sul 21
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Em Porto Alegre, Guilherme Boulos visitou a ocupação Povo Sem Medo, ligada ao seu movimento, o MTST | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Na sexta-feira (20), Guilherme Boulos chegou a Porto Alegre às 10h. Vinha de um evento em Belo Horizonte, precisou fazer conexão de manhã cedo em São Paulo, mas quando desembarcou no Aeroporto Salgado Filho, parecia com bateria carregada para os dois dias de agenda e para saudar os manifestantes que o esperavam. “Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar”, cantavam com punho erguido. No estacionamento, à espera do carro que o levaria para visitar a ocupação Povo Sem Medo, ele checava mensagens, atendia telefonemas. “Essa semana nos desencontramos várias vezes, está difícil de conciliar”, diz para a pessoa do outro lado da linha.

Pergunto se foi sempre assim ou se o ritmo acelerou desde que foi indicado como pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL, no dia 10 de março. “Já era, mas piorou”, responde rindo.

Líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que conta com 55 mil famílias em 14 estados, aos 36 anos, Boulos é o candidato mais jovem da história a presidente do Brasil. Formado psicanalista, filho de um casal de médicos professores da USP, criado na classe média brasileira, aos 20 anos ele se mudou para dentro de uma ocupação na região metropolitana de São Paulo e encontrou a causa da sua vida: a luta por moradia urbana.

Na Ocupação Povo Sem Medo, na Zona Norte de Porto Alegre, parte do grupo de 300 famílias que ocupa um terreno pendurado na Justiça por anos de atraso de IPTU, desde setembro do ano passado, o aguarda. Um companheiro, com a camiseta vermelha e a logo do movimento, o aborda e comenta algo sobre falta de dinheiro. “O problema do Brasil não é falta de dinheiro, é que ele está muito mal distribuído”, responde Boulos.

Na sua fala, antes de aceitar um chimarrão, ele defende o que devem ser os principais pontos do programa de governo defendido por ele e por Sonia Guajajara, a primeira indígena numa candidatura presidencial. Boulos diz que a perspectiva é chegar ao segundo turno e discutir um projeto de Brasil para os próximos 10, 20 anos.

No final, uma fila se forma para tirar fotos, jornalistas esperam por entrevistas. Uma militante diz: “Todo mundo quer falar contigo, porque você é a única novidade desta eleição”.

Entre um compromisso e outro da agenda disputada, Boulos conversou com o Sul21 sobre Lula, ocupações, propostas e o momento de ódio do Brasil:

Famílias da ocupação Povo Sem Medo participaram de atividade com candidato do Psol | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: O que te levou a se candidatar à Presidência?

Guilherme Boulos: O Brasil está numa crise profunda. Uma crise econômica, política, ética, de representação, em que as pessoas estão completamente desesperançosas das saídas políticas. Há um verdadeiro abismo entre Brasília e o Brasil. Num momento como esse, é preciso fazer com que a nossa voz de indignação chegue à política. É preciso ocupar a política com uma voz que o sistema político, em geral, finge que não ouve. A nossa candidatura, minha e da Sonia Guajajara, numa aliança de movimentos sociais, com o PSOL, com o PCB, expressa um processo que vem debaixo, que vem da sociedade, que vem de lutas de resistência, com setores do movimento feminista, negro, LGBT, Mídia Ninja. O PSOL e o PCB, que também se somou a essa aliança, tiveram a ousadia de acolher, de se abrir para um processo mais amplo, em que vamos apresentar ao Brasil um processo de mudanças mais profundas.

Sul21: Logo que teu nome foi anunciado como pré-candidato, houve críticas dizendo que tu eras o candidato do “lulismo”. Inclusive dentro do próprio PSOL. Como tu responde a isso?

Boulos: É importante que em todos os partidos tenha pluralidade de opiniões, e no PSOL tem. No dia 10 de março, o PSOL fez sua conferência eleitoral e nossa candidatura foi apoiada por 70% do partido. Essa é uma página virada. Hoje o partido todo está unido na construção dessa campanha.

Sul21: Mas o que achas de ser apontado como “candidato do Lula”?

Boulos: Se eu fosse candidato do Lula, seria candidato do PT, não do PSOL. Lula é do Partido dos Trabalhadores e, aliás, candidato a presidente da República, apesar da tentativa atroz do Judiciário de retirá-lo do processo eleitoral. Inclusive com a prisão injusta, uma prisão política, uma condenação política. Nós temos diferenças, que são públicas, em relação às posições do PT, críticas aos limites dos governos do PT, agora, diferenças não vão nos fazer ser coniventes com injustiças. O que está acontecendo com o Lula é evidentemente uma perseguição e um ataque, que não para nele e no PT. É um ataque à democracia brasileira. Nisso vamos seguir solidários.

“O Judiciário, frequentemente, opera por outras razões que não a Lei. Isso é grave, precisa ser denunciado” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Tu foste o primeiro a pedir que as pessoas fossem prestar apoio a ele, no Sindicato dos Metalúrgicos, logo que a prisão foi decretada pelo juiz Sérgio Moro. Como avalias a celeridade do processo? E o que achaste do apoio popular mobilizado nestes dias?

Boulos: O Moro e o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) não tiveram nenhuma preocupação, sequer, em preservar as aparências. O processo do Lula não respeitou o amplo direito de defesa, garantias básicas. E o Supremo Tribunal Federal (STF), naquela noite lamentável, após ser pressionado pelo Comandante do Exército (General Eduardo Villas-Bôas) um dia antes pelo Twitter, passou por cima da Constituição. A Constituição é muito clara: ela diz que não pode haver prisão sem trânsito em julgado. Prisão após condenação em segunda instância é algo que viola a CF. Evidente que o caso do Lula não é único. Temos boa parte da população carcerária do Brasil presa sem julgamento. O Judiciário, frequentemente, opera por outras razões que não a Lei. Isso é grave, precisa ser denunciado. Na medida que todo o processo, desde o princípio, foi marcado pelo viés político, uma condenação sem qualquer prova, contrastando com uma série de figuras da República que tem provas abundantes e não tiveram condenação ou prisão, achamos que a resistência era legítima e importante. Por isso, estivemos com Lula no Sindicato dos Metalúrgicos.

Sul21: Em 2016, em uma entrevista para a Agência Pública, tu disseste que “o cerco a Lula era ingratidão das elites”. No mesmo ano, porém, as eleições municipais mostraram que a periferia também colocaborou para a derrota da esquerda. Onde ela tem errado? Falta de trabalho de base?

Boulos: O cenário é bastante complexo. Temos que separar essas duas coisas. Uma delas é como se comporta a elite brasileira, setores da classe média alta, em especial, o 1% que sempre mandou por aqui. É uma elite que pensa ainda com a cabeça da escravidão, que reproduz o capitalismo da Casa Grande. Não admite qualquer tipo de concessão, por menor que seja, para o andar debaixo da sociedade. É uma elite segregadora, do elevador de serviço, do quarto de empregada, rançosa, que não admite conviver com o povo. Ela tem povofobia. Esse é um comportamento de setores que se expressaram de maneira clara, no último período, na forma do debate político e até na presença nas ruas.

Outra coisa é o nosso povo. O povo que vive nas periferias, maltratado por esse sistema. Nós vivemos uma crise muito profunda, que pega a representação política, que tem a modulação da opinião social por um trabalho ostensivo de setores da mídia. Não podemos ignorar isso e reduzir a erros da esquerda. Temos uma mídia monopolista no Brasil, que propaga um pensamento único, que fez um trabalho, nos últimos anos, escancarado para sustentar o golpe parlamentar que colocou o Temer no poder, para sustentar a agenda de retrocessos que ele representa, a perseguição política ao Lula. Isso tem impacto, chega todos os dias aos ouvidos, olhos, à cabeça das pessoas. Não se pode subestimar o impacto que esse discurso tem. Ao mesmo tempo, a esquerda também deixou de fazer a lição de casa. Quando a esquerda adota uma tática que se reduz à institucionalidade, à disputa de pedaços do Estado e perde sua pactuação e sua aliança com a maioria do povo,  paga-se um preço com isso. Deixa-se um vazio. A esquerda foi menos presente nas periferias nas últimas duas décadas. Trabalho de base apenas a cada quatro anos, para ganhar voto, não resolve nossos problemas. Mais que isso, expressa uma ilusão que o golpe mostrou de maneira clara: não basta ganhar eleição. A Dilma ganhou e não governou. Disputar a eleição é fundamental – não é à toa que nós nos propusemos a fazer isso – é um momento para debater projeto político na sociedade, para chegar em mais gente, para tentar contrapor o discurso hegemônico. Mas, isso precisa estar lastreado e sustentado num trabalho de mobilização permanente da sociedade.

“Não se pode subestimar o impacto que esse discurso [da mídia] tem. Ao mesmo tempo, a esquerda também deixou de fazer a lição de casa” | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21: Em compensação, apesar da chamada “crise das esquerdas”, o MTST tem tido crescimento nos últimos anos. A que tu atribui isso?

Boulos: Podemos falar de dois motivos fundamentais para o crescimento do MTST. Primeiro, a própria crise urbana. Tivemos um agravamento dela, que é um esgotamento de um modelo de desenvolvimento. Nos 13 anos de governo do PT você teve um nível de investimento inédito em políticas nas cidades – infraestrutura, Minha Casa, Minha Vida, PAC, saneamento e tal. Isso é muito bom. O problema é que investimento público sem regulação, acaba sendo apropriado pela lógica do setor imobiliário e do capital urbano. Qual foi o efeito colateral disso? Foi gerar um processo de especulação imobiliária, também inédito no Brasil. Tivemos uma valorização do preço da terra em mais de 200%, em várias capitais brasileiras, entre 2008 e 2014. É a terra se tornando um ativo financeiro. Isso fortalece uma lógica de expulsão. Valorização urbana está muito ligada à expulsão. Quando se valoriza uma região, se segrega. Quem mora de aluguel, não consegue mais pagar porque inflaciona, vai para periferias ainda mais distantes. O custo de vida também inflaciona e os trabalhadores mais pobres não conseguem ficar. Esse processo impulsionou a luta por moradia, gerou novas ocupações, acabou criando novos sem-teto nas cidades brasileiras. O MTST cresce como resposta a isso. Ao mesmo tempo, o que permitiu que o movimento cumprisse esse papel foi o fato de que já estava em importantes cidades fazendo papel de base, há muito tempo. Estava presente nas periferias, nas lutas das pessoas, com núcleos comunitários, com ocupações. Isso levou o movimento a mais que duplicar de tamanho de 2014 para cá, hoje estando presente em 14 estados do Brasil, com mais de 55 mil famílias.

“A ocupação permite um enraizamento comunitário que foi perdido” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Tu já falaste em trabalho acadêmico sobre os vínculos que as pessoas criam em ocupações e a importância que isso tem para indivíduos. Como a luta por moradia traduz o sentimento de solidão atual?

Boulos: A ocupação não é apenas um amontoado de barracos, com pessoas desesperadas por uma casa. Ela é muito mais que isso. Ela permite um enraizamento comunitário que foi perdido. As cidades se tornaram ambiente expulsivo para as pessoas, que apaga as relações sociais, que gera isolamento, muito marcado pela humilhação social, pela invisibilidade. E a ocupação restitui relações de solidariedade, pela sua própria dinâmica. As pessoas estão juntas e precisam umas das outras para que aquilo dê certo. A organização da cozinha coletiva, uma coisa tão simples, mas que se torna um centro onde as pessoas trabalham juntas, vivem juntas, conversam. Num tempo em que a relação social está mediada pelas redes, está um do lado do outro conversando por WhatsApp, ter esse espaço de relação direta, de vínculo, de ter contato com a dor do outro, com as dificuldades, se solidarizar, impulsiona coisas extraordinárias. Isso recobra sentido, dá perspectiva para as pessoas, cura patologias sociais.

Sul21: Em uma entrevista do ator e escritor Gregorio Duvivier, este ano, a entrevistadora perguntou por que ele iria votar em ti, já que tu eras uma pessoa “super perigosa”. Como tu pretende desconstruir essa imagem junto ao eleitorado?

Boulos: Essa campanha é uma oportunidade para quebrar preconceitos. Eu não vou, em nenhum momento, relativizar as minhas convicções com relação ao MTST, às ocupações de terra e à minha história no movimento. Eu tenho muito orgulho disso. Essa é a trajetória que eu ajudei a construir com muita gente. A campanha vai nos permitir fazer alguns questionamentos a essas questões preconceituosas, de pessoas que acham que quem ocupa é vagabundo, quem faz manifestação é terrorista, que quer levar vantagem, que é oportunista, mas que não se preocupam em ver ou questionar, quem está por trás da lona e por que foi para lá. Por que uma mulher, com dois filhos, foi pisar no barro e ficar debaixo de lona, nas piores condições, sem saneamento, sem infraestrutura nenhuma? Não é razoável supor que ela está levando vantagem com isso. Não é nada fácil. As pessoas que vão para a ocupação enfrentam o drama, todo final do mês, de ter que escolher entre pagar aluguel ou botar comida na mesa. Sofrer humilhações porque estão morando no fundo do quintal, num puxadinho, de favor na casa de alguém. É isso que faz as pessoas ocuparem, com ausência de políticas públicas mais eficientes do Estado, para garantir moradia popular.

Sul21: Como tu achas que vai conseguir pautar essas questões e desmilitarização das polícias, descriminalização das drogas, que já tinham dificuldade antes para avançar?

Boulos: Acredito que temos que ter ousadia de colocar essas pautas. Quem deveria ficar na defensiva, no tema da segurança pública, não somos nós, é quem defende manter ou aprofundar um modelo que é caro, ineficiente e violento, como é o modelo atual. Temos, no Brasil, a polícia que mais mata e a que mais morre no mundo. Algo está errado. Manter esse modelo, defender esse modelo é que deveria ser um constrangimento. O debate da desmilitarização das polícias tem que ser tratado a sério, não de uma maneira panfletária. Temos que debater o ciclo completo de segurança pública. Você ter uma polícia preventiva e repressiva e ter outra investigativa e judiciária, a diferenciação entre polícia militar e civil, é uma jaboticaba. Não existe em parte alguma e não funciona aqui. Você ter uma unificação das polícias, um ciclo completo, um investimento muito mais em inteligência do que em repressão, com integração comunitária, é muito mais importante. Isso não cai naquela tentativa de desqualificar o argumento, que diz ‘ah, você vai dar uma flor para quem está matando’, não é isso. Tem que ter polícia na sociedade, só que esse modelo simplesmente não funciona. O Estado não consegue combater a violência, acaba sendo um promotor dela, ao tomar como alvo a juventude pobre e negra das periferias. Isso também passa por um debate sobre o encarceramento em massa. A população carcerária dobrou nos últimos dez anos. Boa parte dessas prisões, por tráfico de drogas. Nós não podemos ter medo de enfrentar a questão da legalização. Aliás, o enfrentamento ao tabagismo no Brasil é um caso de referência. Não se proibiu o cigarro, vende-se em qualquer padaria. O que se fez foi uma campanha forte de esclarecimento e prevenção, uma restrição ao fumo em determinados lugares, a proibição de propaganda e você teve uma redução considerável do índice de consumo. A proibição das drogas não impede ninguém que queira usar de usar.

“A psicanálise nos mostra, inclusive, que a agressividade e o ódio são uma formação reativa ao medo. Quando as pessoas temem, elas estão mais suscetíveis a reagir com ódio” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Tu és psicanalista. Como tu analisas esse ódio formado em torno da figura do Lula, com grupos que conseguem se construir exclusivamente em cima disso?

Boulos: O momento é de muito ódio, em relação ao Lula, mas não só. O ódio tem envenenado as relações sociais e o debate político no Brasil. Vivemos um monte de insegurança, de falta de perspectivas sobre o futuro. Isso está calcado numa crise real da sociedade. Temos 30% de desemprego entre os jovens, uma crise das instituições, talvez sem precedente na História recente, o futuro é algo muito nebuloso e distante para as pessoas. A psicanálise nos mostra, inclusive, que a agressividade e o ódio são uma formação reativa ao medo. Quando as pessoas temem, elas estão mais suscetíveis a reagir com ódio. Estamos vendo isso no mundo todo, não só no Brasil. Trump se ergue nos EUA com um discurso de ódio contra imigrantes. A extrema-direita que se fortalece na Europa, também é com discurso de apontar culpados, em torno da xenofobia. O Bolsonaro se ergue em cima desse discurso de ódio. Porém, a insegurança pode levar ao medo e ao ódio, mas também pode levar à esperança. Esse é o caminho que precisamos trilhar no Brasil. Não vamos vencer o ódio deles contrapondo com outro ainda maior. Vamos vencer trilhando um caminho de esperança.

Sul21: Este mês, Porto Alegre recebeu o Fórum da Liberdade, reunindo o maior número de candidatos presidenciáveis até o momento. A maioria deles representando o mesmo setor e defendendo parcerias público-privadas. Qual a tua posição?

Boulos: Privatização não é a solução. É subordinar os serviços públicos à ganância e à lógica do lucro. Uma empresa vai querer gerir um serviço do Estado por qual razão, a não ser para ter lucro? Para poder gerar lucro para os empresários nesses serviços, as tarifas aumentam, taxas aumentam. Se vende a ideia de uma ineficiência do Estado, em que o setor privado seria o contraponto de eficiência. Não é uma ideia verdadeira. Não há nenhum país capitalista do mundo, começando pelos Estados Unidos, sem ter papel chave do Estado no desenvolvimento. Se você pega o Vale do Silício, houve investimento pesado do governo norte-americano. Não dá para prevalecer a lógica de privatizar o lucro e socializar o prejuízo. Você pega as privatizações que já ocorreram no Brasil. Hoje, boa parte dos serviços, não cumpriram sequer com o que estava estipulado no contrato de melhoria de serviços. Maior exemplo disso é a própria telefonia. Temos um dos serviços mais caros de telefone celular, internet banda larga e um dos menos eficientes. Isso não é por acaso. Para as empresas interessa embolsar cada vez mais, em geral, levam esse lucro para o exterior e não investem em serviços ou cumprem os contratos.

A nossa proposta é, primeiro, suspender qualquer privatização. Começar pela da Eletrobrás, que querem privatizar agora e é um escândalo. Entregar o setor elétrico de um país para fora é um atentado à soberania. Recentemente, Estados Unidos e Alemanha aprovaram leis proibindo a venda do setor elétrico, em especial de empresas chinesas. Estatal não vale aqui, mas quem comprou os campos do pré-sal? Uma estatal chinesa e uma norueguesa. Se fosse tão ruim, por que elas estariam fazendo? Essa é uma lógica que, sobre um falso discurso de eficiência, esconde uma verdadeira espoliação. Nossa proposta é suspender as privatizações e exigir que todas as concessões que foram feitas cumpram a cláusula de contrato, em relação à prestação de serviços, e que agências reguladores fiscalizem. Se não cumprirem, que essas empresas voltem a ser públicas.

“A Constituição brasileira diz que não pode ter monopólio em relação à comunicação, mas hoje nós temos” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Como tu vês a questão da regulamentação da mídia?

Boulos: Minha posição é que se cumpra a Constituição. A Constituição brasileira diz que não pode ter monopólio em relação à comunicação, mas hoje nós temos. Poucas famílias empresariais detêm o controle do que se fala para o povo brasileiro, desrespeitando a diversidade, a ampla gama de posições políticas e representações sociais que há no Brasil. Também diz que não pode haver propriedade cruzada, a mesma empresa controlar vários ramos da comunicação, e nem pode haver concessões para políticos, sendo que é o que mais temos. As difusoras de televisão e rádio nos estados estão nas mãos de oligarquias locais como instrumentos de propaganda política. A CF também estabelece que a comunicação privada, empresarial é apenas um dos ramos da comunicação. Deve haver também a comunicação pública e estatal. A EBC, que foi uma experiência nesse sentido, está sendo desmontada. Do ponto de vista de comunicação pública, há pouquíssimos espaços no Brasil, quase todos eles sucateados. As rádios comunitárias são perseguidas pela Polícia Federal. Democratizar a comunicação no Brasil é algo imperioso, querer confundir isso com censura é um disparate. Censura é o que temos hoje, de inúmeras vozes que não podem se expressar pelos meios de comunicação.

Sul21: 2018 é um ano decisivo, temos 18 pré-candidatos confirmados até o momento. O que não pode acontecer este ano?

Boulos: O que não pode acontecer é a esquerda não se juntar quando se trata de defender a democracia. Nós temos projetos diferentes no campo da esquerda, é natural, é legítimo, digo até que é saudável. Pensamento único não é bom em lugar nenhum. Mas, ao mesmo tempo, temos que ter unidade quando estão em risco princípios fundamentais. As candidaturas apresentam projetos de país e debatem isso. Ao mesmo tempo, temos que ter uma frente democrática que seja capaz de bloquear a escalada de violência política, como a que levou ao assassinato brutal da Marielle Franco (vereadora do Rio de Janeiro), enfrentar a politização da Justiça, quando juiz ao invés de julgar de forma isenta, faz política, enfrentar o aumento da influência dos militares na política, que se expressa na intervenção do Rio e nas declarações do General Villas Bôas. Essa semana foi lançada uma frente de partidos do campo progressista, que vai ser lançada no Rio Grande do Sul dia 26, mas não é a única iniciativa. Queremos construir algo mais amplo com os partidos e candidaturas desse campo, mas também com a sociedade civil, com os movimentos, com os intelectuais. A crise democrática é muito grave e há um risco grande de retrocessos ainda maiores. Temos que estar juntos.

“Pensamento único não é bom em lugar nenhum. Mas, ao mesmo tempo, temos que ter unidade quando estão em risco princípios fundamentais” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

 


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