‘Sou agricultor, não sou traidor’: Nas Missões, Lula recebe mensagens de apoio e novos protestos

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Sul 21
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Caravana de Lula pelo RS faz parada em São Miguel das Missões | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A primeira parada da Caravana de Lula pelo Rio Grande do Sul desta quinta-feira (22) foi para visitar o sítio arqueológico de São Miguel das Missões, as ruínas em que Sepé Tiaraju ousou criar uma sociedade diferente daquela do período colonial e onde viu seu povo ser massacrado.

Diferentemente das últimas paradas, a visita de Lula às ruínas ocorreu com tranquilidade e dentro do previsto. O ex-presidente visitou o museu local que reúne objetos históricos, símbolos religiosos e ícones da época. Das mãos de Olívio Dutra, recebeu o livro “Sepé Tiaraju, a Saga de um Herói”, que conta a história do indígena mais famoso do Rio Grande do Sul.

Indígenas receberam Lula nas missões | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Para nós é importante abraçar Lula pela primeira vez. Por quê? Para nós indígenas, Lula ajudou muito”, disse Tereza Fernandes, guarani de Erval Seco. “A gente espera que quando der Lula de novo ele ajude mais os indígenas”.

Diante das ruínas, o ex-presidente foi recebido por um grupo de guaranis, que o homenagearam cantando uma música em sua língua materna e entregaram uma cesta de presentes com produtos artesanais, um arco e flecha e instrumentos musicais. Lula perguntou como andava a vida dos indígenas de hoje em dia, ouviu seus relatos. Em seguida, visitou as ruínas acompanhado de Frei Sérgio, que lhe contou histórias de outrora. Após cerca de duas horas de visitação, deixou o local e embarcou no ônibus, sem pronunciamentos.

Professora viajou de Santo Ângelo para ver Lula | Foto: Guilherme Santos/Sul21

‘Sou agricultor e não traí Lula’

Antes e durante a visita, apoiadores e políticos petistas realizaram um ato do lado de fora das ruínas. Sem a garantia de que o ex-presidente iria fazer uma fala – o que acabou de fato não ocorrendo -, este foi o ato com menor público da caravana até agora. Ainda assim, mais de 100 pessoas compareceram ao local e cercaram Lula, tentando conseguir uma foto, um aperto de mão ou um abraço.

A professora Dânia Hannel, com 42 anos de sala de aula, viajou de Santo Ângelo para ter a chance de ver o ex-presidente, que diz considerar um ídolo. “Eu aprendi a ser um ser humano melhor quando eu aprendi que a gente tem que respeitar qualquer ser humano, qualquer animal, qualquer planta, qualquer forma de vida, e isso aprendi com as bandeiras do Lula. Ele é símbolo da nossa liberdade como cidadãos”, diz.

Dânia também torcia por conseguir a oportunidade de agradecer ao ex-presidente por suas duas filhas, que conseguiram terminar a universidade particular graças ao ProUni, programa criado no governo Lula. “Se você olhar na minha boca, vai ver que eu não tenho dentes. Esses dentes eu perdi porque eu preferi, em vez da minha saúde, aplicar na faculdade das minhas filhas. Como elas não tinham condições de fazer cursinho, elas foram fazer a faculdade particular. E eu me endividei até novembro deste ano para tentar manter elas na universidade particular. E eu não consegui. Chegou num ponto que eu tive que tirar elas da faculdade”, conta, sobre as dificuldades enfrentadas antes que as filhas ingressassem no programa do governo federal. “Hoje as duas estão formadas. Como? Pelo ProUni”, complementa Dânia, que ainda conta com orgulho que tem centenas de alunos que hoje são bombeiros, policiais, engenheiros que se formaram graças ao programa. Uma delas, formada em Medicina Veterinária, a acompanhou no ato.

Petista há 30 anos, a professora diz que lamenta os erros que o PT cometeu, diz até que se envergonha, mas não está convencida de que Lula cometeu os crimes dos quais é acusado. “O que eu tenho dito é mostrem para mim provas concretas. Eu quero uma mala, uma escritura, eu quero um número de conta, uma gravação, um vídeo. Eu vou pegar um megafone, vou subir no Cristo Redentor e vou pedir desculpas. Até não mostrarem isso, me desculpem, o Lula é inocente. Não quero que não julguem, mas eu quero uma justiça imparcial. Não essa justiça parcial”, diz. “Me arrependo, lastimo nossos erros, mas tenho orgulho de ser petista porque nós do PT temos uma visão de mundo diferente da que eles têm. Eu quero que todo ser humano tenha casa, tenha comida, tenha dignidade e tenha liberdade, que é o mais importante”.

Agricultou levou cartaz com uma mensagem para aqueles que chama de ‘traidores’ | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Também de Santo Ângelo, mas do campo, como frisa, Jair José Rochemback levou a esposa e as filhas para o ato para agradecer ao ex-presidente pelos programas voltados ao pequeno agricultor. “Ele me ajudou no Mais Alimentos a comprar o primeiro trator, que foi o meu começo, quando o Lula assumiu a presidência. Consegui trabalhar, adquirir. Dois anos depois, já consegui comprar outro. Fiz um armazém pelo Mais Alimentos, a semeadeira pelo Mais Alimentos, um pulverizador, sala de ordenha, carretão, muitas coisas que já estão quitadas. Há um ano e meio, consegui comprar o terceiro trator”, conta Rochembak.

Jair se destacou no ato ao carregar uma faixa em que se lia: “Sou agricultor, não sou traidor. PT, Lula 2018”. Perguntando por que achava que muitos agricultores traíram o ex-presidente, respondeu: “Eu acho que quem pegou dinheiro do Mais Alimentos e comprou maquinário, a 2% de juros, há 10 anos, eu acho que está traindo. Dizem que Lula roubou? Eu não tava junto. Os outros também roubaram. Eu não vim por isso, eu vim para agradecer. Se não fosse ele, de repente eu não tinha trator e os meus dois filhos estavam na cidade. Assim eu consegui segurá-los”.

Mais protesto de ruralistas

A visita a São Miguel das Missões transcorreu com tranquilidade e sem confrontos, como em paradas anteriores, mas também houve protesto. Pela primeira vez, os contrários estavam em número consideravelmente maior, mas mantiveram-se para além do cordão de isolamento feito pela Brigada Militar.

Manifestantes contrários ao ex-presidente ficaram isolados pela BM | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Claudio Duarte, presidente do Sindicato Rural de Santo Ângelo, diz que o ato foi organizado em conjunto com outros sindicatos rurais de Bossoroca, São Luiz Gonzaga, São Nicolau, São Borja, Entre-Ijuís, Giruá e outras localidades, além de entidades empresarias ligadas ao comércio e à indústria. Lá estavam com tratores, caminhões e um guindaste, com faixas que era possível reconhecer das outras paradas da caravana.

Ele explica que os produtores estavam ali para repudiar as falas que Lula tem feito em todas as paradas, sempre destacando que os agricultores pegaram muito dinheiro de financiamentos federais para modernizar a produção. “Os produtores rurais do município, de São Miguel e da região resolveram apoiar o ato para repudiar as atitudes que esse ex-presidente tem colocado por onde tem passado. Ele citou em alguns lugares que produtor rural é sem vergonha, que não paga as contas, que é caloteiro, não pagou as máquinas, mas se tu não pagar a prestação de um trator, a tua terra que está garantindo o financiamento vai pro pau. Nós estamos fazendo o nosso papel, produzindo da porteira para dentro”.

Ao contrário da professora Dânia, Cláudio tem certeza de que Lula é culpado. “Esse homem ladrão, a gente está consciente que ele tem a culpa dele e tem que cumprir a condenação dele, assim como em outros casos já foi feito”, disse.

Questionado sobre quem é o candidato preferido dos produtores, em primeiro momento disse que não havia ninguém, mas depois admitiu que Jair Bolsonaro tem muito apoio na região. “Se você pegar o resto, quem é que nós temos?”.

Outra figura a participar do protesto foi o prefeito de São Miguel das Missões, Hilário Casarin, que fez um discurso inflamado contra o ex-presidente e o PT, bem como tinha feito para uma rádio de Santo Ângelo, o que levou o deputado federal Dioniso Marcon (PT) a cobrar dele quem seriam “os ladrões” de quem falava e por que não dizia isso quando pedia apoio para a região.

Em conversa com a reportagem, Hilário adotou um tom apaziguador, defendeu o direito de dois lados se manifestarem, salientou que a cidade conta com cinco assentamentos de pequenos agricultores rurais – que compõem a base de apoiadores locais do ex-presidente – e que até já esteve coligado com o PT no passado, antes de dizer esperar que tudo terminasse em paz.

“Eu como prefeito hoje represento as 8 mil pessoas que moram no município. Nós temos que olhar os dois lados, a gente tem que receber bem as pessoas que vêm aqui, mesmo sendo o ex-presidente. Essa questão jurídica não nos diz respeito, acho que é questão da Justiça decidir. Todas as pessoas do Brasil, do mundo, tem direito a fazer a visita ao sítio, que é um patrimônio mundial, o que nós não concordamos é com o ato político dentro do patrimônio, acho que isso é um desrespeito à própria comunidade e à sociedade. Uma pena que o presidente não veio aqui em São Miguel na época do governo”.

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Guilherme Santos/Sul21
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