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16 de março de 2018
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21:17

Para MPF, fim da prisão em segunda instância é ‘maior ameaça’ à Operação Lava Jato

Por
Sul 21
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Coletiva sobre os 4 anos da Lava Jato, com os procuradores do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol, Francisco Sanseverino, Maria Emília da Costa Dick, Carlos Aguiar e Eduardo El-Hage | Fotos: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

O encontro entre as três instâncias do Ministério Público Federal (MPF), que têm nas mãos a Operação Lava Jato, serviu especialmente para reforçar o pedido da instituição para que se mantenha a prisão de réus depois de mantida a condenação em segunda instância. A reunião da Força-Tarefa, com procuradores atuando em Curitiba, Porto Alegre e Rio de Janeiro aconteceu entre os dias 15 e 16, na capital gaúcha. Às vésperas de completar quatro anos da primeira ação deflagrada pela operação de combate à corrupção.

O apelo para que o Supremo Tribunal Federal mantenha o entendimento de que permite prisão depois de esgotados recursos dos réus no segundo grau, antes de se chegar a avaliações nos tribunais superiores, foi a tônica.

Dallagnol qualificou fim de prisões em segunda instância como “ameaça” à Operação | Fotos: Guilherme Santos/Sul21

O procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da Operação no Paraná, disse que o fim da determinação é hoje a “maior ameaça” à Lava Jato. “Se o Supremo Tribunal Federal rever a prisão após julgamento em segunda instância, significaria hoje enterrar o combate à corrupção e impunidade no Brasil. Esse é o tema que escolhemos para chamar a atenção nesta data. Vai muito além da discussão de qualquer caso concreto”, afirmou.

Dallagnol defendeu que a discussão impacta a justiça, pois tiraria a possibilidade de resposta do Estado “dentro de um prazo razoável” e afeta a condução das delações premiadas, “instrumentos essenciais para investigação de crimes”.

A mesma linha que foi defendida pelo coordenador no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Sanseverino. “Respeitado o direito à defesa, o grau de jurisdição, que se faça a execução a partir do momento em que a matéria de fato não é mais discutida. A gente já sabe quem é o autor do crime, já sabe que o crime existiu e, a partir daí, não se discute mais isso, se discute apenas matéria de Direito. Que se faça a execução da pena a partir desse momento”.

A decisão que suspendeu esse tipo de prisão, entre os anos de 2009 e 2016, para a coordenadora da Operação no Rio Grande do Sul, Maria Emília da Costa Dick, foi “um hiato” que não deve retornar. “Entendemos que a partir daí deve haver a prisão, em qualquer caso. Esse é um precedente que vale para a sociedade como um todo. Para qualquer situação, qualquer tipo de crime”.

O balanço de quatro anos acontece poucos dias antes da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Rio Grande do Sul. Em janeiro, quando Lula teve a condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a pena aumentada, os juízes reforçaram que, depois de esgotados os recursos em segunda instância, o juiz de 1º grau, Sérgio Moro, já poderia expedir sua ordem de prisão para início da pena.

Maria Emília da Costa Dick, coordenadora da força-tarefa no RS | Fotos: Guilherme Santos/Sul21

Na região sul, penas somadas ultrapassam 939 anos

Pela manhã os coordenadores das forças-tarefa estiveram reunidos com a procuradora geral da República, Raquel Dodge, numa passagem que Dick qualificou como “rápida, mas muito importante”. Segundo Maria Emília, a reunião com a presença de Dodge, serviu para “reafirmar e manter ações da Lava Jato, mostrando que pretendem ampliar as frentes de investigação dentro daquilo que é possível”.

“Se acreditamos, eu efetivamente acredito, que estamos vivendo hoje no nosso país uma maturidade democrática, tudo já está previsto na Constituição Federal. Isso nos dá uma estabilidade, a nós, ao Judiciário, nos órgãos que atuam no combate à corrupção, para poder trabalhar segundo os ditames da Constituição e da lei”, declarou a procuradora.

Antes, a procuradora havia dito que o momento atual do país “não permite retrocessos”. Ela ainda reconheceu a redução no número de agentes e delegados da Polícia Federal trabalhando diretamente com a Operação, que vem acontecendo desde a saída de Dilma Rousseff (PT). Ainda que sem citar o nome de Michel Temer (MDB).

Maria Emília reconheceu que há redução perceptível do número de agentes e delegados da Polícia Federal trabalhando com a Lava Jato. “Agora, com a mudança na direção da PF é possível que isso se modifique. (…) Quero crer que, nesse momento, nossa esperança é da retomada da atuação mais numerosa em agentes e delegados”.

Pelos números apresentados pelo MPF, em quatro anos, a Lava Jato teve 187 acordos de delação premiada, sendo que em 84% dos casos os delatores estavam em liberdade no momento em que fecharam acordo. 160 réus foram condenados em primeira instância, enquanto 77 tiveram a condenação confirmada em segundo grau. Dos cerca de R$ 12 bilhões que empresas e delatores se comprometeram a devolver aos cofres públicos, apenas R$ 1,9 bilhão já voltou. O mesmo ocorre com valores repatriados do exterior: de R$ 1,3 bilhão estimados em retornar, R$ 149,5 milhões foram devolvidos até o momento.

Com a Força-Tarefa da Procuradoria Regional da 4ª Região, que envolve os três estados da região sul do país, a Lava Jato teve 77 réus condenados, em penas somadas que chegam a 939 anos e cinco meses de reclusão. Em 33 casos, as penas foram aumentadas, 18 diminuídas, 6 com reversão da sentença da primeira instância para absolvição e apenas em um houve extinção da punibilidade.

Na Procuradoria da República do Rio de Janeiro, com 33 denúncias, 153 pessoas acabaram denunciadas em processos – 37 delas já foram condenadas a um total de 523 anos e 8 meses de reclusão.

Francisco Sanseverino, da força-tarefa no STJ, afirmou que material de delações ainda estende operação por tempo indeterminado | Fotos: Guilherme Santos/Sul21

Operação não teria prazo para fim

Os procuradores afirmaram ainda que com o material levantado com as delações, a Lava Jato não teria prazo ou perspectiva para concluir seus trabalhos. Além da região sul e do Rio de Janeiro, a Lava Jato inicia este ano uma nova força-tarefa em São Paulo.

“A gente tem muito trabalho pela frente. No Rio, especialmente, estamos em fase acelerada de novas operações. Até o final do ano teremos algumas grandes operações a serem deflagradas. Não tem como fazer uma previsão sobre o fim da Lava Jato”, disse Eduardo El-Hage, procurador da 2ª Região.

“Não somos nós que determinamos esse cronograma. Na verdade, os fatos é que impõem a nossa reação. Se inicia um trabalho de investigação, propõe a ação penal, no curso dessas investigações, você colhe novos elementos, com eles passa a ter que ampliar as investigações. Cada operação que se inicia traz perspectiva de abrirem novas frentes de trabalho”, acrescentou Carlos Aguiar, colega dele, também do Rio de Janeiro.

Os procuradores ainda defenderam métodos que vêm sendo usados pelos investigadores e que causaram controvérsia no decorrer dos quatro anos. Sobre as conduções coercitivas, por exemplo, Sanseverino reforçou o que já está posto no pedido de Dodge para que o STF reconheça a legalidade delas: “Existe condução coercitiva e ela é um instrumento adequado, previsto na Constituição e é constitucional sim”.

Já quanto às delações, que a procuradora geral reforçou pela manhã que devem vir acompanhadas de provas, Dallagnol disse que elas ainda são “instrumento de investigação em construção”. O procurador lembrou que o Ministério Público Federal começou a utilizá-las no caso de investigação do Banestado, “em um ambiente como uma estufa” de testes, que terminou com 17 acordos. A razão porque elas não vinham sendo utilizadas, em outros casos, segundo ele, seria “falta de funcionamento do sistema”.

“A situação hoje no Brasil é que a Lava Jato tira água de pedra. Ela é um caso excepcional, que tem oferecido uma resposta para a sociedade, mas a regra no Brasil é a impunidade dos crimes de colarinho branco. Se queremos mudar essa situação, precisamos de uma resposta sistêmica”, declarou.


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