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4 de março de 2018
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11:02

Esquerda latino-americana precisa decidir qual será sua identidade, diz Carlos Ominami

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Sul 21
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Esquerda latino-americana precisa decidir qual será sua identidade, diz Carlos Ominami
Esquerda latino-americana precisa decidir qual será sua identidade, diz Carlos Ominami
“Precisamos criar uma identidade progressista que não seja uma versão light da esquerda”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Por Sandra Bitencourt (*) 

“A Social-Democracia é o passado da Europa e precisamos de um futuro para a América Latina, devemos decidir como devemos chamar e como caracterizar o novo progressismo”, assevera Carlos Ominami, Doutor em Economia, ex-ministro da Economia do Chile, senador por dois mandatos e histórico militante pela concertação no seu país. Ominami estará em Porto Alegre, em 17 de março, a convite do Instituto Novos Paradigmas, para discutir: “Quem somos: a esquerda, a social democracia reinventada e o progressismo ?”

Ominami começou sua trajetória política em 1968, aos 18 anos, no Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). De 1978 a 1983, militou na Convergencia Socialista. Depois do golpe de Estado de 1973, se asilou em Bruxelas e Paris. Foi militante do Partido Socialista do Chile, trabalhando ativamente por sua reconstrução. Entre 1989 e 1990, foi vice-presidente do Partido Por la Democracia e coordenou a área de economia do Programa de Governo da Concertação de Partidos pela Democracia, uma das alianças políticas e eleitorais mais estáveis da história chilena, que se manteve no poder por quatro períodos presidenciais consecutivos, de 1990 a 2010. O economista e militante continua acreditando na necessidade de construir alianças, mas com pressupostos distintos. Nesta entrevista concedida ao Instituto Novos Paradigmas (INP) conversa ele reflete sobre a experiência chilena e a relevância do Brasil para demarcar as tendências- democráticas ou não-, na América Latina.

INP: Como o senhor descreve os posicionamentos e os resultados da nova esquerda chilena?

Carlos Ominami: Primeiro, é necessário dizer que a direita ganhou no Chile. E ganhou bem. Com uma diferença significativa (o  ex-presidente conservador chileno Sebastián Piñera conseguiu uma vitória por nove pontos de diferença sobre Alejandro Guillier, com 54,5% dos votos, ante 45,5% de Guillier, o que indica que a esquerda não conseguiu atrair os 20 % de chilenos que votaram na Frente Ampla no 1º turno). A aliança entre centro e esquerda se desgastou, principalmente pelo centro. A direita foi capaz de conquistar esse centro. Ainda não sabemos como a nova esquerda representada pela jornalista e candidata à presidência Beatriz Sanchez, da Frente Ampla, vai se comportar. Ainda não está claro se pretende fazer a direita como seu oponente ou se vai mirar na esquerda. Eles obtiveram um resultado extraordinário nas eleições, conquistando 20 deputados das 155 cadeiras. Mas parece que ocorre o mesmo que com o Podemos na Espanha, ou seja, eles disparam mais para o lado do que para a frente, combatem mais a esquerda do que os conservadores. Veremos, trata-se de uma força política nova, composta por vários movimentos e quase uma dúzia de partidos. É um momento complexo, mas é um momento complexo não apenas no Chile.

INP:  há poucos anos a América do Sul vivia uma onda de governos progressistas em vários países. Agora vemos uma modificação desse quadro. Há uma ofensiva conservadora em vários países que pode garantir uma guinada à direita?

Carlos Ominami: O resultado das eleições no Chile foi interpretado pelos Estados Unidos e pela Europa como uma guinada à direita. Mas eu não concordo. Na verdade, ainda não sabemos. Apostaria que não ocorrerá esse movimento no Chile. Ainda precisamos esperar o resultado das eleições na Colômbia, México, Paraguai, Costa Rica e claro, no Brasil, que é o cenário mais importante. Pode acontecer de a esquerda vencer. Ainda é uma ideia aberta. Está claro que existe uma ofensiva conservadora, e a principal vítima foi o Brasil. Isso complica o contexto. O Brasil precisa fazer algo que lhe é muito, muito difícil: se comportar como parte do mundo e não como se fosse o mundo. Olhando de fora, nós assistimos com grande surpresa, estupefação, como a presidenta eleita Dilma Rousseff caiu sem muita resistência.

Quando havia a ameaça do golpe, dizíamos: “não, não é possível retirar uma presidenta eleita com 54 milhões de votos, isso não vai ocorrer, vão incendiar o país”. Na verdade, o que vimos foi que ela caiu sob reações pequenas, sem ameaças para os golpistas. Nos surpreendeu muito. Precisamos levar em conta que no Brasil os temas morais relativos ao financiamento político e à corrupção são mais agudos e dominaram o cenário. Isso no preocupa porque a ofensiva conservadora no Brasil marca muito o que acontecerá na América Latina. Se acontecer maior retrocesso pode influenciar as coordenadas políticas latino-americanas, por isso é tão importante discutir o Brasil.

Carlos Ominami: “Será mais difícil vencer uma direita inteligente, que se refunde democraticamente”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

INP: O cenário brasileiro, para quem o vivencia, é realmente preocupante. Há o temor da escalada crescente de aspectos que nos remetem aos regimes de exceção, sensação intensificada com a intervenção militar na área de segurança no Rio de Janeiro. No Chile essa questão ainda preocupa?

Carlos Ominami: Não. No Chile, essa é uma questão superada. Talvez nossa maior dificuldade seja como combater uma direita que está buscando refundar-se. Nós não temos dificuldades de vencer a direita golpista, truculenta, “Pinochetista”. Será mais difícil vencer uma direita inteligente, que se refunde democraticamente. Aqui o novo governo de centro-direita não é como um governo Temer que desesperadamente busca cassar direitos. É diferente.

INP: Do ponto de vista econômico, sabemos que um dos problemas comuns nos países latino americanos são as consequências das reversões dos fluxos de capitais que podem gerar processos de valorização e desvalorização cambial muito bruscos. Na sua passagem como ministro da Economia do Chile foram implantados controles de capitais para minorar os efeitos desse processo. Essa experiência poderia ser incorporada permanentemente no arsenal de ferramentas macroeconômicas dos países em desenvolvimento?

Carlos Ominami: O processo experimentado no Chile se chamou “Encaje”. Trata-se de uma ferramenta importante para gerar estabilidade, previsibilidade e câmbio competitivo, compatível com o desenvolvimento e o perfil exportador que suporte esse desenvolvimento. Quando entra muito capital, tal qual um bando de andorinhas, fica claro que não vão se estabelecer, não estão para produzir, mas sim para especular. Como enfrentar isso? Criamos um tipo de imposto. Aquele que queria entrar com 100 dólares precisava deixar 30 no país. Até mesmo o FMI avaliou como uma política positiva para gerar desenvolvimento. Mas os Estados Unidos se opuseram. No Acordo de Livre Comércio que firmamos com os EUA esta medida está severamente limitada, só pode ser usada em condições extremas de crise e por um prazo limite de um ano. Então não é uma medida que seja entendida como ferramenta permanente. Em países como o Chile e o Brasil o que precisamos pensar é em novas políticas industriais, em medidas que garantam crescimento e autonomia sob condições de inovação.

Os governos de esquerda avançaram muito em conquistas sociais e materiais. Isso é inegável. Mas de certo modo, aprofundaram um ponto débil, uma fraqueza, que é nossa dependência de uma pauta exportadora primária. Creio, portanto, que nosso grande tema é gerar estratégias econômicas e produtivas que superem a venda de commodities. Então nosso problema não é o câmbio, mas que tipo de câmbio vai ajudar a retornar valor na nossa produção. Vejam que o Chile é grande produtor de cobre, de energias limpas, de lítio. Ora, faria sentido, se é um grande produtor de lítio, não exportar lítio, mas produzir baterias que vão alimentar a nova indústria automotiva. Isso o mercado não faz sozinho. E o Estado não pode voltar aos anos 60 e tentar suprir tudo. O Estado deve criar o ambiente para novas políticas industriais que deem essas condições. É importante concertar com as forças políticas e produtivas nesse sentido, nessa direção.

INP: O senhor, o professor Mangabeira Junior e outros intelectuais latinos escreveram há alguns anos um manifesto em defesa de uma ampla aliança entre setores progressistas e os empresários produtivos contra a dominância das atividades financeiras em nossas economias. Aqui no Brasil vivemos a experiência de governos progressistas que concederam diversos incentivos aos setores produtivos em detrimento ao financeiro e, apesar disso, os empresários industriais se aliaram aos banqueiros para derrubá-lo. Na sua visão esse segue sendo o caminho?

Carlos Ominami: Eu diria que faria muito bem reler esse manifesto, porque resiste bem ao passar do tempo. É uma senhorita que não envelheceu. Esse texto trabalha sobre duas questões básicas: 1) a aliança de centro-esquerda e 2) uma política pós-liberal. Sobre a primeira questão: tem que ser uma aliança, não uma fusão. Há necessidade de gerar um tipo de força de centro-esquerda que não desfigure seus componentes. No Chile, a aliança entre centro-esquerda para uma maioria progressista teve um papel muito importante, por 24 anos (20 consecutivos e o recente mandato de Bachelet). Mas o centro se desgastou e a esquerda também. Para manter a unidade ou a fusão, ambos foram se descaracterizando, abrindo mão de suas identidades. A emergência de temas morais, por exemplo, foi expondo essas incoerências. Temas como a descriminalização do aborto foram deixados de lado pela esquerda para não ameaçar a posição do centro. Uma necessária reforma trabalhista não foi discutida pelo centro para não provocar a esquerda.

Funcionava como um mínimo denominador comum, cada vez mais pequeno, cada vez mais baixo, até que ambos, centro e esquerda, deixaram suas bandeiras de lado de tal modo que se descaracterizaram. Havia um ambiente de vetos cruzados, cada qual vetava o outro. Sobrava pouco. Para mim, a única possibilidade é uma aliança a partir de relações de força. Ou seja, manda quem tem mais força, quem obteve melhor resultado. Já com relação à segunda questão, é importante definir e inclusive nomear qual deve ser a alternativa para a América Latina como política pós-liberal. Precisamos saber se o progressismo vai se situar na vanguarda, ou seja, apostar na inovação tecnológica ou vai se colocar na retaguarda, quer dizer, vai proteger setores que são mais débeis, mas fará isso de modo conservador. Precisamos dessa primeira definição.

INP: O senhor entende, portanto, que há uma crise de identidade da esquerda? Há urgência para responder quem são a esquerda, a social democracia reinventada e o progressismo? 

Carlos Ominami: Sim, nossa primeira tarefa é saber como vamos chamar a esquerda. Será de democracia reinventada? A Social Democracia é o passado da Europa. Tem todas as suas virtudes na proteção de direitos, mas eu pessoalmente não quero o passado da Europa para o futuro da América Latina. Entendo que a esquerda deva preservar sua força como defensora da igualdade social. Há um componente de heroísmo, de lutas, de conquistas de direitos. Mas a esquerda também tem suas fraquezas e são essas dificuldades que precisamos superar. A esquerda não é forte em democracia, em sustentabilidade, em gênero, em inovação. E essas são demandas, são desafios. Precisamos criar uma identidade progressista que não seja uma versão light da esquerda. Tomemos a luta por igualdade social, mas abrindo novas possibilidades e identidades. Isso é o que o momento nos pede.

Carlos Ominami fará a palestra “Quem somos: a esquerda, a social democracia reinventada e o progressismo ?”, a convite do Instituto Novos Paradigmas (http://www.novosparadigmas.org) , em Porto Alegre, em 17 de março, no Hotel Intercity (Av. Borges de Medeiros, 2145 – Praia de Belas), às 10 horas.

(*) Jornalista e Diretora de Comunicação do Instituto Novos Paradigmas


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