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17 de março de 2018
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21:12

Carlos Ominami: “Não vamos construir o socialismo em um horizonte previsível”

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Sul 21
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Carlos Ominami participou de um debate sobre a identidade da esquerda, promovido pelo Instituto Novos Paradigmas. (Foto: Sandra Bitencourt/Divulgação)

Sandra Bitencourt (*)

“Estamos obrigados a uma reflexão estratégica”, resumiu Carlos Ominami durante a palestra “Quem somos: a esquerda, a social democracia reinventada e o progressismo ?”, promovida neste sábado (17), em Porto Alegre, pelo Instituto Novos Paradigmas (INP). Doutor em Economia, ex-ministro da Economia do Chile, senador por dois mandatos e histórico militante pela “concertação” no seu país, Ominami foi anunciado formalmente pelo Presidente do Conselho Deliberativo do INP, ex-governador Tarso Genro, como o mais novo integrante do Conselho do Instituto. Ominami debateu com uma plateia formada por intelectuais, autoridades, parlamentares, professores e estudantes.

Para o político chileno, estamos vivendo tempos muito difíceis e, particularmente no Brasil, foi onde provavelmente ocorreu o fato mais grave das últimas décadas na América Latina. Ele referiu um acúmulo de más notícias para a esquerda, a partir de 2010, com a direita voltando ao poder no Chile pela primeira vez depois de 20 anos de concertação, a destituição de Lugo (ex-presidente paraguaio Fernando Lugo deposto em 2012), o triunfo imprevisível de Macri na Argentina em 2015, a derrota de Evo Morales no referendo em 2016, o golpe contra Dilma, a crise política na Venezuela e o processo de decomposição da revolução cidadã no Equador. “Não éramos a revolução, mas éramos a nova esquerda fazendo coisas importantes. Vivemos a melhor década da América Latina. Democracia, crescimento, inflação controlada e diminuição da pobreza, isso tudo no continente das grandes ditaduras, da pobreza, da desigualdade”, recordou. E advertiu:

“É bom ter os pés na terra para saber onde estamos pisando. Dois pequenos países resistem e fazem um contraponto hoje, Uruguai e Portugal, mas são países pequenos, são a exceção que confirma a regra”. Por isso, a obrigação de fazer uma reflexão estratégica. “Pode ser que o que eu fale agora soe muito forte, mas não vamos construir o socialismo em um horizonte previsível. Sendo assim precisamos enfrentar três questões estruturantes: a democracia como sistema político, a economia de mercado e a globalização. Nesse espaço se deve desenvolver uma ação transformadora de esquerda”, defendeu.

Ominami assinalou ainda que, nos anos 70, houve a possibilidade de uma globalização socialdemocrata, com uma ideia de governança mundial, que pudesse gerar transferências massivas de recursos de países ricos a pobres, enfim, uma nova ordem econômica. “Mas se impôs uma globalização baseada no capital, o que restringe a autonomia, a possibilidade de manobra dos países nacionais. A expressão mais direta disso são as agências de classificação de risco, que ameaçam e interferem qualquer tentativa de política fiscal. São instrumentos da globalização neoliberal para frear os progressos dos países sobre níveis de pobreza e igualdade”, apontou.

Foto: Sandra Bitencourt/Divulgação)

Para o economista, a interrogação que devemos fazer já que a revolução está fora da agenda é se são possíveis reformas econômicas profundas em só um país. Ominami vê a Europa também em dificuldades, com integração monetária sem integração fiscal e com redução do espaço social integral.

“Se perdeu a ocasião de ter um ponto de referência importante no mundo. O grande drama é que a socialdemocracia não foi capaz de se impor à globalização. Embora seja de direita, o novo presidente francês tem uma tentativa de propor algo para a Europa, recompondo o motor franco-alemão. Mas hoje, de realmente distinto no mundo temos a China. Daqui a 10 anos, é provável que seja a grande potência. Entretanto, o que se tem lá é basicamente um capitalismo de Estado, muito dinâmico, muito autoritário e muito desigual. Há, portanto, a necessidade de gerar uma força política capaz de fazer surgir novos processos”, reflete. Para Ominami, os processos políticos da esquerda não podem mais ser construídos sob a liderança de um único líder, algo que tem ocorrido em todos os países e invariavelmente acaba mal. “Outro fator é ser intransigente com as práticas políticas ruins. Não dá para contemporizar, ser tolerante com sistemas podres. Se paga muito caro por isso. Já no campo econômico, é necessário urgentemente libertar-se da dependência da produção primária”, defendeu.

Finalmente, Ominami elencou interrogações que possam ampliar a sugestão do tema da palestra, ou seja, compreender qual a identidade da esquerda. “Saber quem somos, a esquerda, o progressismo, não é uma questão puramente semântica. Precisamos saber de que lugar, de que modo, vamos vencer o desafio das desigualdades, que faz parte do DNA da esquerda. Mas junto ao desafio da desigualdade há outras questões igualmente urgentes e importantes. A democracia é uma delas. A cultura da esquerda na questão democrática é complexa. Temos o desafio ecológico, há um desafio ambiental, de sustentabilidade, que precisa ser enfrentado. Temos ainda o desafio de gênero, porque ainda há uma esquerda com tendências machistas. E temos uma esquerda muito vinculada à cultura estatal, pouco aberta à inovação”, opinou.

Ominami tende a pensar que, apesar de ser ambíguo, o progressismo é um terreno favorável para responder a todos esses desafios. “A ideia que defendo é a de um progressismo não como uma esquerda light, mas que recupera espaço. Precisamos definir se estaremos na vanguarda ou na retaguarda, em que posição vamos enfrentar as coisas”. Sobre o processo de alianças, Ominami lembrou que, na tradição da esquerda, a principal aliança social se dá com a classe trabalhadora, historicamente na superação do capitalismo. Contudo, há uma problemática antiga das relações da esquerda com os setores médios que precisa ser analisada. “Por que não somos capazes de sintonizar com essas camadas médias?”, questionou: como esses novos processos políticos devem se organizar? As forças partidárias que são originárias do século XIX vão sobreviver e serão a forma de organização no século XXI?

Ominami propôs uma espécie de decálogo para pensar essa nova identidade da esquerda no século XXI: 1) radicalmente democrática; 2)laica; 3) solidária socialmente; 4) vinculada à sociedade; 5) verde; 6) feminista; 7) meritocrática; 8) aberta ao mundo; 9) inovadora e 10) transparente.

O INP é uma instituição social, sem fins lucrativos, que busca contribuir com o aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras através da abertura e promoção de espaços públicos de reflexão e debates e do incentivo à produção intelectual de sua rede de colaboradores (www.novosparadigmas.org).

(*) Diretora de Comunicação do INP.

 

 


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