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21 de fevereiro de 2018
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20:13

Intervenção no Rio de Janeiro vai terminar em tragédia, diz Pedro Serrano

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Sul 21
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Intervenção no Rio de Janeiro vai terminar em tragédia, diz Pedro Serrano
Intervenção no Rio de Janeiro vai terminar em tragédia, diz Pedro Serrano
“É uma medida de exceção que tira o direito das pessoas, e as pessoas viram números”, diz Pedro Serrano. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Eduardo Maretti – Rede Brasil Atual

“Estão trazendo o caos para o Estado brasileiro de forma irresponsável. Não tem jeito dessa farsa não terminar em tragédia. E nem de perto vai resolver o problema da segurança pública.” A opinião é de Pedro Serrano, jurista e professor de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sobre os mandados de busca e apreensão coletivos anunciados pelo governo Temer após a decretação de intervenção no Rio de Janeiro.

Para Serrano, como instrumento jurídico, o mandado coletivo é restritivo e absolutamente inconstitucional. “Não existe mandado de busca e apreensão coletivo no nosso sistema. Precisa haver individualização da conduta e da pessoa. Está-se criando uma realidade, uma fraude. Isso é Idade Média. É absolutamente contrário à Constituição Federal, aos direitos humanos. É uma medida de exceção que tira o direito das pessoas, e as pessoas viram números.”

Conforme vem defendendo nos últimos 10 anos, Serrano menciona a tendência de os Estados adotarem medidas de exceção suspensivas de direitos com fins políticos de combate ao inimigo. “É o regime jurídico da guerra externa trazida para o ambiente interno, pelo qual trata uma parte da população não como cidadãos, mas como inimigos. A figura do inimigo deixa de ser o comunista da década de 60 e passa a ser o bandido identificado com a pobreza”, explica. “Esses territórios ocupados pela pobreza passam a ser ocupados por forças militares, normalmente a PM, e agora passam a ser ocupados pelo Exército, numa intensificação da guerra.”

A advogada-geral da União, Grace Mendonça, disse ontem ao jornal O Globo que o instrumento é “controverso”, mas que, se preciso, irá defendê-lo no Supremo Tribunal Federal. O professor da PUC-SP acredita ser imprevisível a decisão que o STF vai adotar se a discussão dos mandados de busca e apreensão coletivos forem julgados pela Corte.

“A ideia da dúvida na interpretação da Constituição em casos claros como esse é um falseamento da realidade, porque não há dúvida de que isso é inconstitucional”, diz Serrano, sobre a declaração da advogada-geral da União. “Temos tido um poder desconstituinte: a título de interpretar a Constituição, estão acabando com ela. Estamos vendo decisões judiciais frontalmente contrárias à Constituição Federal a título de interpretá-la. Isso tem causado absoluta ausência de segurança jurídica, acabado com a democracia e esvaziado os direitos.”

Com o objetivo de amenizar as críticas, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Torquato Jardim, disse que os mandados nas ações terão nomes e endereços dos alvos, em respeito à Constituição. Porém, acrescentou, esses mandados deverão conter vários nomes e endereços.

Antes, o ministro havia admitido em entrevista ao Correio Brasiliense hoje (20) que “não há guerra que não seja letal” e que o inimigo não é claramente identificável em situações como a do Rio.

Além de ferir garantias individuais e princípios básicos de direitos humanos, a medida do governo Temer viola, entre outros dispositivos legais, o artigo 243 do Código do Processo Penal, que prevê: “O mandado de busca deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”.

Em nota divulgada ontem (19), O Conselho Nacional de Direitos Humanos afirma que a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro é uma “licença para matar”.

“O Decreto de 16 de fevereiro de 2018, do presidente Michel Temer, associado à Lei n° 13.481/2017, configuram (…) um regime de exceção em tempos de paz, concedendo uma espécie de ‘licença para matar’ aos militares e legitimando uma ‘ideologia de guerra’ como justificativa para eventuais mortes de civis”, diz o texto.

Também em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) avalia que a adoção de mandados de busca e apreensão coletivos fere “garantia individual de inviolabilidade do lar e intimidade – colocando sob ameaça ainda maior os direitos da parcela mais desassistida da população.” A OAB promete ir à Justiça contra a medida.

Dois governadores

Para Serrano, há outras inconstitucionalidades visíveis na situação. Ele destaca que, na prática, o Rio de Janeiro tem hoje dois governadores.

“Isso não existe no nosso sistema constitucional. Só uma pessoa pode governar: ou o governador ou, no caso de uma medida como essa, o interventor que ocupa o lugar do governador. Como ele vai exercer uma função subordinada ao governador se não deve obediência a ele? E não é só inconstitucional, é caótico em termos de estrutura de Estado. A título de estabelecer a ordem, estão estabelecendo o caos.”


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