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30 de janeiro de 2018
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21:58

Em dois dias, governo só consegue aprovar autorização para discutir seus projetos

Por
Luís Gomes
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Deputado Gabriel Souza, do MDB,tenta culpar oposição, mas governo cometeu sucessão de trapalhadas nos últimos dias | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes 

Ao final do ano passado, sem conseguir aprovar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e os projetos que autorizam a privatização ou federalização das estatais Sulgás, CRM e CEEE sem a necessidade de realização de plebiscito, o governo de José Ivo Sartori fez um pedido de convocação extraordinária para que a Assembleia Legislativa deliberasse essas matérias por três sessões de quatro horas cada, entre os dias 29 e 31 de janeiro. Passados os dois primeiros dias, o governo só conseguiu aprovar, já no final da sessão desta quarta-feira (30), o requerimento que autoriza a própria convocação extraordinária (RDI 1/2018), por 30 votos a favor e 19 contrários. Ele terá apenas uma sessão para votar as quatro matérias, o que muito dificilmente ocorrerá, uma vez que cada bancada e cada deputado individualmente podem se manifestar sobre cada matéria. Como somente a oposição consegue prorrogar suas falas por mais de quatro horas, as votações deverão ficar para a semana que vem.

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O governo começou a convocação extraordinária sabendo que cada minuto era importante para que conseguisse colocar em votação os projetos de seu interesse. Mas, na segunda-feira, quando transcorria apenas pouco mais de 1h30 de sessão, sequer conseguiu garantir o quórum para a continuidade das deliberações. A discussão foi retomada nesta terça, mas ao longo da tarde todos os deputados da oposição PT, PCdoB e Psol se revezaram na tribuna para se pronunciar contrariamente à discussão em caráter extraordinário, o que levou o líder do governo, Gabriel Souza (MDB), a acusar a oposição de estar obstruindo a pauta. No entanto, deputados da base aliada e o próprio Souza fizeram diversas intervenções ao longo do dia, seja na tribuna ou com pedidos de ordem a respeito, por exemplo, do comportamento das galerias, atrasando ainda mais a realização das votações.

Uma das falas que mais atrasou a sessão foi a do deputado Marcel Van Hattem (PP), da base aliada, que fez uma série de acusações contra deputados da oposição e chegou a culpar o ex-governador Leonel Brizola – que governou o RS há mais de 50 anos -, pela crise nas finanças do Estado, gerando assim pedidos de questão de ordem e falas calorosas da oposição. Ao final do dia, por volta das 17h30, com o esgotamento das oportunidades de fala da oposição, foi colocada em votação o RDI 1/2018, sendo aprovado por 30 votos a 1. A votação pode ser um indicativo da votação dos projetos, o que significaria que o governo tem votos para a adesão ao RRF – necessita de 28 votos -, mas não possui o contingente necessário para aprovar as proposta de emenda à Constituição (PECs) das privatizações – exigem um mínimo de 33 votos favoráveis -, que são consideradas pelo governo  federal como necessárias para que permita ao RS a suspensão do pagamento da dívida com a União por três anos – a medida principal do RRF.

Servidores protestam do lado de fora da AL contra projetos que autorizam privatizações  | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Nos corredores da Assembleia durante a votação, tanto deputados da oposição como da situação e independentes afirmavam em conversas com jornalistas que não haveria a possibilidade de nenhum projeto ser votado nessa convocação extraordinária, que acabaria transformada em mera perda de tempo. Contudo, após convocar a imprensa para um pronunciamento, diante das câmeras, Gabriel Souza disse que o governo estava apresentando um requerimento assinado pela liderança de partidos que representam 31 deputados pedindo a ampliação da convocação extraordinária por mais duas sessões, uma ainda esta noite e outra na manhã de quarta-feira. A prerrogativa de decisão sobre a questão, porém, é do presidente da AL, até amanhã o deputado Edegar Pretto (PT), que na véspera já havido informado que não acataria o requerimento, decisão que proferiu em plenário nesta quarta.

Ainda houve tempo para mais uma trapalhada do governo. Ainda que provavelmente não tenha tempo para votar nada, a intenção da base aliada era votar inicialmente o PLC que autoriza a adesão ao RRF, justamente por precisar de menos votos para ser aprovado. Mas, valendo-se do artigo 175 do regimento interno da Casa, Edegar Pretto determinou que fossem votadas primeiramente as propostas de emenda à Constituição estadual. Ele ainda abriu a possibilidade de, por decisão de líderes que representem 37 deputados, a pauta fosse invertida, mas a sessão expirou antes que fosse concluída a votação. De qualquer forma, já haviam se posicionado contra a inversão da pauta os líderes das bancadas do PT, PDT, PCdoB e Psol, que somam 21 deputados, portanto inviabilizando que fosse atingido o mínimo necessário para a medida – a AL tem 55 cadeiras no total.

Ao final da sessão, Souza mais uma vez tentou responsabilizar a oposição e o presidente Pretto pela incapacidade do governo de conseguir a aprovação dos projetos na convocação extraordinária, reclamando de sua posição a respeito da ordem das votações. “O governo lamenta a posição parcial, partidarizada e incorreta do presidente da Assembleia Legislativa”, disse.

Souza queria que as votações de quarta começassem pela votação do PLC e argumentou que o plenário decidira pela aprovação da ordem definida pelo governo quando aprovou o RDI 1. “O que aconteceu foi que, de ofício, o presidente da Assembleia desconsiderou uma decisão soberana do plenário, solicitando um acordo de líderes completamente desnecessário para que pudéssemos retomar a pauta que fora aprovada minutos antes por 30 deputados. Em qualquer parlamento do mundo, o plenário é soberano. A Assembleia Legislativa hoje teve um episódio que macula uma biografia de 180 anos da Casa de respeitar o regime interno, a Constituição e as legislações”.

Souza (dir.) tentou argumentar com Pretto a possibilidade de ampliação das sessões e a manutenção da ordem do dia, enviada de forma equivocada pelo governo, segundo o presidente da AL | Foto: Vinicius Reis | Agência ALRS

Por sua vez, Pretto destacou que apenas estava seguindo o regimento e que seguiu a orientação da assessoria técnica da Casa. “Aqui não tem manobra política, aqui tem um regimento, tem normas, tem procedimentos que são muito claros aqui na Casa”, disse, sustentando que é o regimento que impõe que as PECs sejam votadas antes. “Como vocês sabem, a base do governo não conseguiu [ontem] garantir quórum no plenário. Perderam, portanto, tempo precioso, segundo o governador”, disse. “Me parece que a base do governo não tem apoio suficiente aqui nessa Casa, porque as matérias que nós estamos debatendo aqui não são matérias novas, são antigas. Aliás, essa que o governo pretender privatizar Sulgás, CRM e CEEE são matérias protocoladas nessa casa no final de 2016. Todos conhecem, só não foram para o plenário porque o governo não teve voto, não teve apoio suficiente até aqui”, completou.

A assessoria técnica da Casa ainda esclareceu que estava incorreta outra argumentação do líder do governo, a de que projetos com urgência teriam prioridade sobre as PECs, como é o caso do PLC da adesão ao RRF, porque, em convocação extraordinária, não haveria regime de urgência.

Em sua entrevista ao final da sessão, Gabriel Souza disse que o governo irá apresentar um novo requerimento no início da sessão de quarta pedindo a inversão da pauta, e que só precisaria de maioria simples para ser aprovado. No entanto, este requerimento também poderá ser discutido pelas lideranças partidárias e por cada deputado individualmente. Com isso, a não ser que a oposição mude de estratégia, muito provavelmente o governo Sartori sequer conseguirá iniciar o debate sobre os projetos, deixando isso para a próxima semana, quando inicia oficialmente um novo ano legislativo e a oposição poderá adotar outras estratégias para obstruir a votação dos projetos.


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