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17 de setembro de 2017
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19:59

Para sobreviver, Temer aposta na ‘retomada’ da economia. Mas… que retomada?

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Sul 21
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Para sobreviver, Temer aposta na ‘retomada’ da economia. Mas… que retomada?
Para sobreviver, Temer aposta na ‘retomada’ da economia. Mas… que retomada?
Acossado por escândalos de corrupção, Temer quer se manter com base na economia, que patina.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Tiago Pereira
Da RBA

Com a popularidade em baixíssimos níveis, o governo de Michel Temer aposta em parcos sinais de recuperação da economia, que apontariam para a superação do atual quadro de recessão, para assim se manter no poder. No mercado financeiro, o cenário é de aparente euforia, com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), registrando sucessivos recordes nesta semana. Apenas na quinta-feira (14), já sob impacto da nova denúncia apresentada contra o presidente, o índice fechou com leve queda.

A elevação de 0,2% no PIB no segundo trimestre, em relação aos três meses anteriores, a queda na inflação e a redução da taxa de juros são alardeadas pela equipe econômica, bem como a leve queda no desemprego, como conquistas do atual governo, a ponto de a candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à presidência ter sido anunciada pelo seu partido, o PSD.

Contudo, os números comemorados pelo mercado e pelo governo parecem distantes do dia a dia das pessoas e tendem a se chocar com a realidade. Outros indicadores apresentados por economistas ouvidos pela RBA apontam para um longo caminho até uma retomada sustentável da economia, e confirmam que o atual projeto de desenvolvimento é concentrador e excludente, o que explica a comemoração por parte de alguns segmentos.

Para a coordenadora de Pesquisas e Tecnologia do Dieese, Patrícia Pelatieri, após uma sequência de quedas desde o final de 2014, a alta no PIB se relaciona com “fatores não recorrentes”, como a a liberação das contas inativas do FGTS, que impactaram positivamente no consumo das famílias no último trimestre, mas tendem a não se repetir nos próximos períodos, o que impossibilita falar em uma retomada consistente.

“Não conseguimos ver nesses indicadores indícios de uma retomada. Quando se olha nos últimos 12 meses, o PIB está em queda (-1,4%). É verdade que houve um arrefecimento dessa queda. Podemos dizer que, estatisticamente, tem ocorrido uma diminuição no ritmo de deterioração da economia brasileira, mas isso é muito diferente de dizer que estamos retomando o crescimento”, afirma Pelatieri.

Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Guilherme Mello, não existem elementos que possibilitem falar em tendência sustentada da retomada de crescimento. Segundo ele, o  cenário atual é de “semi-estagnação”.

“Essa euforia está muito mais na televisão do que na população, que continua desconfiada, continua contra as reformas do governo, contra o governo, e, em sua maioria, continua apoiando um candidato da oposição, mesmo com todo o massacre”, afirma Mello.

Além dos “fatores não recorrentes”, Mello destaca o cenário externo favorável, com excesso de oferta de crédito na economia mundial e uma série de países adotando taxas de juros muito baixas ou até negativas em alguns casos. “Esses capitais internacionais vão procurar lugares onde a rentabilidade é maior. O Brasil oferece rentabilidade altíssima, porque ainda tem juros muito elevados na comparação internacional”, diz o economista.

Para poucos

Ambos os economistas destacaram que esse modelo adotado pelo governo Temer já vem produzindo consequências como o crescimento da concentração de renda. Levantamento realizado por uma consultoria de mercado, publicado pelo jornal Valor Econômico, nesta semana, revelou que a renda dos mais ricos registrou crescimento de dois dígitos, enquanto a classe média ainda patina, e os mais pobres ainda seguem com perdas, durante o primeiro semestre de 2017.

Enquanto a massa salarial da classe A cresceu 10,3%, a renda das classes B (+0,69%) e C (+1,06%) cresceu menos. Já as classes D e E apresentaram perdas de 3,5%, no período. “É o projeto neoliberal da década de 1990, em sua forma mais pura e radical. Essa pequeníssima retomada, quem mais ganhou foram as classes mais altas. Não é acidental”, diz o professor.

“O mercado financeiro nunca esteve colado ao mundo real. Pelo contrário, ele especula. O mercado não está preocupado com o que será do país no futuro, mas apenas em se reproduzir e concentrar ainda mais a riqueza. Não está preocupado com o futuro do país, inclusive porque o capital financeiro não tem nacionalidade, não pensa em um projeto de nação”, opina a economista do Dieese.

Euforia na Bolsa

É a atração desse capital especulativo que explica, em parte, a excitação que toma conta do mercado financeiro. Segundo os economistas, outro componente importante é o amplo projeto de privatização anunciado pelo governo, que garantiria oportunidades de “ganhos extraordinários” para o capital privado ao se apropriar do patrimônio público.

Segundo Mello, a arrancada da Bolsa na segunda-feira, após a prisão Joesley Batista, um dos donos da JBS, faz parte de uma visão simplista por parte dos operadores do mercado, que acreditam que dessa maneira o governo sairia fortalecido para levar adiante a sua agenda privatista e liberalizante.

“É apenas uma mera ilusão acreditar que o Brasil do Ibovespa tem a ver com o Brasil real. Na verdade, o Ibovespa reflete expectativa de ganhos financeiros que, em muitas vezes, não tem a ver diretamente com a expectativa de lucratividade da empresa, mas sim com a valorização dos papeis”, diz Mello.

“Temos, por exemplo, a Petrobras diminuindo de tamanho, reduzindo a produção, cortando empregos, mas se valorizando muito na Bolsa, porque está vendendo ativos, se capitalizando e, portanto, as ações se valorizam. Enquanto isso, o impacto na economia real é desemprego, queda na produção”, explica.

O economista da Unicamp sustenta ainda que, como não bastasse o enorme pacote de ativos posto à venda pelo governo, há uma briga para ver quem agrada mais ao mercado. “Se Meirelles prometeu vender a Casa da Moeda, Doria promete vender a Petrobras. Isso atrai as atenções do mercado.”

Juros

Mesmo com o último corte de um ponto percentual na taxa básica de juros (Selic), atualmente fixada em 8,25% ao ano, a taxa de juros real, quando descontada a inflação do período – 2,46% de acordo com o IPCA –, alcança o patamar de 6% ao ano, e segue como uma das maiores do mundo. Com uma queda ainda insuficiente, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já anuncia redução na velocidade dos cortes, de modo a não comprometer a lucratividade do setor financeiro.

“O governo tem compromissos com o ganho do capital. A política monetária está muito casada com o projeto de desenvolvimento. O que nós vemos é um projeto de desnacionalização, venda de patrimônio, de entrega de todos os instrumentos básicos para o desenvolvimento, e a manutenção dos ganhos do capital. Tudo isso serve a um projeto que, certamente, não é um projeto nacional, mas sim absolutamente excludente e concentrador. É um projeto em que não cabem todos os brasileiros”, analisa a pesquisadora do Dieese.

Desemprego

A queda no desemprego também é relativizada pela economista. Patrícia destaca que a redução de 13,6% para 12,8%, segundo o IBGE, se deu em função do crescimento da informalidade, e que habitualmente, a taxa de desocupação apresenta recuo no segundo trimestre do ano. Os empregos com carteira ficaram estáveis, e a redução se deveu ao aumento das contratações sem registro e dos trabalhadores autônomos.

“O que estamos vendo é que esse desemprego é persistente e de longa duração”, diz a economista. Estudo realizado em parceria entre a Fundação Seade e o Dieese revelou que a busca por emprego, em São Paulo, dura em média 43 semanas. Em Salvador, a procura por recolocação pode levar mais de um ano. Patrícia destaca que, por conta dessa longa duração, muitas pessoas desistem de buscar uma ocupação, o que pode ter reflexos no índice de desemprego.

Para que exista uma reação mais robusta do emprego, é necessário investimento, o que não vem ocorrendo, frisam os economistas. No mesmo índice do IBGE que registrou o avanço do PIB, a formação bruta de capital fixo (investimento das empresas) registrou queda de 0,7.

“O emprego e a renda sempre reagem depois, pois tem um tempo de maturação dos investimentos. Mas se nós não conseguimos enxergar uma retomada dos investimentos, então, a do emprego fica ainda mais distante. Não tem como melhorar o mercado de trabalho e a renda se não tiver crescimento substancial. Pode até ter crescimento econômico sem emprego, mas não o contrário”, conclui Patrícia.


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