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31 de agosto de 2017
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19:21

Para privatizar a CEEE, governo desconsidera plano de recuperação feito por técnicos, dizem engenheiros

Por
Luís Gomes
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Diego Oliz (esq.) e Luiz Alberto Schreiner questionam declarações do presidente da CEEE sobre situação da empresa. | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em entrevista ao jornal Zero Hora, publicada nesta quinta-feira na coluna de Marta Sfredo, o presidente da Companhia Estadual de Energia Elétrica, Paulo de Tarso Pinheiro Machado, afirmou que a divisão de distribuição de energia da companhia, a CEEE-D, passa por uma grave crise e reconheceu que deve atrasar salários de seus funcionários em um futuro próximo. A entrevista sucedeu uma série de matérias publicadas pelo jornal apontando a crise da companhia e sinalizando sua privatização como solução. Em conversa com o Sul21, os diretores do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS) e engenheiros eletricistas da CEEE-GT – braço de geração e transmissão de energia do grupo -, Luiz Alberto Schreiner e Diego Mizette Oliz, questionam o fato de que Paulo de Tarso e a atual direção nomeada pelo governo de José Ivo Sartori (PMDB) não tem dado ouvidos a um plano elaborado pelo corpo técnico da empresa para equacionar seus problemas financeiros. Segundo eles, a situação da CEEE é conduzida para a privatização, que está paralisada em razão de o governo não ter conseguido obter os 33 votos necessários na Assembleia Legislativa para eliminar a necessidade de realização de plebiscito para vendas de estatais – projeto que também incluía Sulgás e CRM.

Os engenheiros apontam que boa parte dos problemas estruturais da CEEE ainda se devem a compromissos e obrigações herdadas do processo de privatização ocorrido em 1997, durante o governo de Antonio Brito (PMDB). Na ocasião, 2/3 da estrutura de distribuição companhia foram vendidos, o que resultou em uma perda de 2/3 das receitas, mas a estatal acabou permanecendo como 88% dos passivos, o que gerou recorrentes déficits operacionais. Além disso, em 1998, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a redução de capital da companhia em R$ 415 milhões, com restituição aos acionistas de parte proporcional do valor das suas ações. Pelos cálculos atualizados pela Selic até março de 2017, divulgados em uma nota técnica elaborada para Frente Parlamentar em Defesa da Manutenção e Fortalecimento das Empresas Públicas CEEE-D e CEEE-GT, esses processos retiraram da companhia o equivalente a cerca de R$ 40,5 bilhões.

Por outro lado, em janeiro de 2012, as empresas receberam, fruto de um processo judicial liquidado junto à União, R$ 3 bilhões, que foram aplicados em investimentos e no pagamento de fornecedores, o que permitiu, segundo os engenheiros, que a empresa alcançasse altos índices de satisfação aos consumidores. Antes dos investimentos, a CEEE era considerada a pior distribuidora do Estado e uma das piores do Brasil.

Schreiner aponta que estudo realizado pelos técnicos da própria CEEE oferece solução para o equilíbrio financeiro da empresa | Foto: Maia Rubim/Sul21

Apesar de reconhecerem o desequilíbrio financeiro da CEEE-D, eles apontam que há uma solução interna para o problema, que seria a venda de participação minoritária da CEEE-GT em 17 ativos – entre usinas de geração e linhas de transmissão -, chamados de sociedades de propósito específicos (SPEs), dos quais recebe dividendos anuais, o que poderia gerar uma capitalização de ao menos R$ 1,8 bilhão, segundo a nota técnica da Frente Parlamentar, e que já passariam de R$ 2 bilhões em valores atualizados.

“Desde o início da gestão, nós temos informado o governo do Estado e essa gestão que esses ativos, que somam mais de R$ 2 bilhões, na nossa visão deveriam ser alienados e esses recursos deveriam ser reinvestidos na planta elétrica, tanto na distribuição, quanto na geração e transmissão, para que tenhamos novas receitas, ampliação e melhorias em usinas, empreendimentos nas distribuidora”, diz Schreiner. “Nós temos uma visão que o grupo CEEE é viável, tratando ele como um grupo, como a maioria dos grupos empresariais fazem. Por exemplo, o grupo Gerdau está se desfazendo de alguns ativos para fortalecer outros. No mundo corporativo é normal que seja assim. Nós não vemos razão para que na CEEE deva ser diferente”, complementa.

Na entrevista à ZH, Paulo de Tarso disse que seria uma anomalia utilizar recursos da CEEE-GT na CEEE-D e que as “empresas têm suas finanças independentes”. Schreiner pondera que há um erro de interpretação do presidente, afirmando que as empresas são responsáveis por concessões diferentes, mas que o estatuto social da companhia permite empréstimos entre empresas do grupo. “No caso de default de uma das empresas, a outra é solidária, é o princípio de solidariedade entre as empresas. Se deixar a CEEE-D quebrar, a GT vai ficar com todo o passivo. Como ela vai pagar esse passivo? Aí vamos alienar as SPEs? Vai deixar acontecer o default? Isso não é inteligente. O inteligente é vender ativos que não são necessários para a tua concessão, recuperar a empresa, recuperar receitas e manter os empregos”, diz.

Ele também explica que o conselho de administração da CEEE, na gestão anterior, já havia autorizado a alienação dos ativos e solicitado uma avaliação de valor de mercado deles, feita por uma consultoria independente. Além disso, para dar uma garantia jurídica aos atuais diretores, a frente parlamentar apresentou, através do deputado Ciro Simoni (PDT), o PL 260/2016, que autoriza a direção da CEEE a fazer a alienação dos ativos. O projeto, no entanto, está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da AL.

Os engenheiros dizem não compreender porque, se já havia autorização do conselho deliberativo da CEEE na gestão anterior, o processo não teve andamento no atual governo. Oliz afirma que o corpo técnico se sente “enganado” pela atual gestão da CEEE. “O presidente da empresa e o governador do Estado sempre diziam que a recuperação da empresa era por ela mesma, sem que houvesse necessidade de aporte. O corpo técnico trouxe essa solução e eles não quiseram fazer. Ou seja, o corpo técnico se sentiu enganado, porque fez todo o trabalho e todo o esforço hercúleo para recuperar a empresas nesses projetos de alienação. Agora é questão de querer fazer, mas não querem”, afirma.

Com a alienação dos ativos, a expectativa é que poderiam ser feitos investimentos para solucionar um dos problemas apontados como crônicos da CEEE-D, que é a perda elétrica, atribuída pelos engenheiros à falta de investimentos ao longo do tempo, especialmente após a privatização de parte da empresa em 1997. Segundo Schreiner, o desequilíbrio estrutural causado pela privatização precisaria de um ciclo de 30 anos, uma concessão inteira, para que seus efeitos fossem sanados. No entanto, salienta que a entrada de recursos em 2012 já trouxe melhorias e investimentos para a CEEE-D, o que refletiu na melhoria do serviço prestado à população. Além disso, salienta que existe um financiamento internacional junto ao BID, na casa dos R$ 200 milhões, para colocar em marcha um plano de recuperação. “Isso vai reduzir drasticamente as perdas elétricas, que são oriundas de falta de investimento. Onde tu tem redes muito antigas, com o crescimento da demanda, elas provocam perdas elétricas”, afirma.

Oliz diz que corpo técnico da CEEE se sente enganado | Foto: Maia Rubim/Sul21

Para Oliz, com os investimentos oriundos do aporte da alienação de ativos e do financiamento internacional, as perdas de energia poderiam ser reduzidas em 2/3, o que deixaria a CEEE-D em condição de equilíbrio financeiro.

Outra frente que os técnicos defendem que a CEEE atue é no combate aos furtos de energia, os chamados gatos, que, segundo o próprio Paulo de Tarso disse à Zero Hora, geram perdas de R$ 200 milhões anuais. Com uma campanha já existente, a expectativa é que pudessem ser recuperados cerca de R$ 150 milhões.

Os técnicos salientam ainda que as principais distribuidoras do Brasil, sejam estatais ou privadas, também passam por dificuldades financeiras, sendo uma das razões a forte seca de 2013, que levou a necessidade de comprar energia de termoelétricas, com valor mais alto, que não foi repassado na tarifa. No entanto, Oliz afirma que estatais como a Cemig, de Minas Gerais, e a Cepel, do Paraná, estão vendendo ativos para se capitalizar.

“Aqui que está segurando. Por quê? Para privatizar”, diz. “Na nossa visão, é uma questão puramente ideológica, porque os gestores que estão lá tem conhecimento de que há um planejamento para que seja recuperada a empresa, existem os recursos que são esses R$ 2 bilhões em participações minoritárias. Então, não há outra interpretação que a gente possa fazer que não seja de cunho ideológico e que o governo tem o desejo de privatizar a empresa, porque entende que o Estado não deve ter uma concessionária de energia, o que, na nossa visão, é totalmente equivocado. Energia é um setor estratégico, assim como petróleo e gás. Infelizmente, a gente está vivendo um momento no Brasil, não só no Rio Grande do Sul, de que tudo que é estratégico, que deveria estar sendo gerido e ampliado pelo Estado, está sendo entregue para a iniciativa privada”.

Motivos para não privatizar

Além da questão estratégica, Schreiner a Oliz ponderam que as experiências no Brasil de privatização no setor energético não alcançam o resultado esperado. Segundo Schreiner, quando o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) promoveu privatizações no setor elétrico na década de 1990, um dos argumentos de defesa desse processo era de que o mercado regularia o preço da energia e os investimentos seriam feitos para atender a demanda de forma natural.

“O que nós vimos? Os investidores ficaram esperando que a demanda crescesse para que pudessem aumentar o preço da energia. Produziram propositalmente um desequilíbrio de oferta e demanda. O Estado tem um planejamento, ele se antecipa ao crescimento da demanda, para que no momento que aconteça a demanda tenha condições de atender. Usinas de energia elétrica levam de 5 a 8 anos para ficar prontos. Linhas de transmissão são no mínimo 2 anos. Se o Estado não estiver gerindo isso, tu não vai ter a disponibilidade energética no tempo certo”, diz. “Não há como empreendedor privado fazer investimento sem ter a demanda. É como a questão do metrô, quem é que vai investir na construção metrô? Depois de pronto, com milhões de passageiros, aí é ótimo, a iniciativa privada se candidata a administrar. A mesma coisa com as rodovias. Tu conhece algum investidor privado que projetou uma rodovia nova?”, questiona Schreiner.

Além disso, ele salienta que, caso a CEEE fosse privatizada, ocorreria uma exportação de empregos diretos e indiretos, uma vez que hoje a estatal gaúcha tem entre seus fornecedores empresas locais, o que poderia não ser o caso da compradora, especialmente se estar for a chinesa State Grid. Recentemente, esta assumiu o controle acionário da CPFL Energia, maior grupo privado do setor energético, por cerca de R$ 14 bilhões em janeiro de 2017. Com o negócio, assumiu o controle da RGE e RGE Sul, que pertencem à CPFL e são responsáveis por dois terços da distribuição de energia no Rio Grande do Sul. “As concessionárias que já estão no Estado – RGE e RGE Sul – já compram tudo de fora. Tudo que é necessário para fazer empreendimentos no RS é comprado de forma centralizada, gerando ICMS lá fora. Aqui dentro só se compra aquilo que se chama de miscelâneas, itens de menor valor. Isso vai acontecer com a CEEE. Nós estamos numa espiral negativa, em vez de gerarmos empregos e impostos, estamos indo na contramão”, afirma Schreiner.



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