Últimas Notícias>Política
|
20 de julho de 2014
|
11:25

Representantes de minorias sociais buscam se eleger para garantir direitos

Por
Sul 21
[email protected]
Foto: Moreira Mariz/Agência Senado
Maioria nos parlamentos ainda são homens brancos sem deficiência | Foto: Moreira Mariz/Agência Senado

Débora Fogliatto

Os parlamentos brasileiros ainda são formados majoritariamente por homens brancos heterossexuais e sem deficiência. As mulheres já avançaram neste quesito, especialmente com a determinação de que 30% das vagas de cada partido sejam preenchidas por elas, a partir de 2009, com a Lei 12.034/09. Mesmo assim, nem todos os partidos conseguem preencher a cota. No caso dos negros, que também não são minorias demográficas, mas sociais, a situação é ainda mais alarmante: na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, atualmente há dois auto-declarado negros dentre os 55 parlamentares.

Para os representantes do movimento de lésbicas, gays, transexuais e travestis (LGBT) e de deficientes, o desafio é ainda maior. Também não há atualmente na Assembleia gaúcha nenhum deputado abertamente LGBT ou com deficiência. No âmbito nacional, a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB) é cadeirante e o deputado Jean Wyllys (PSOL) é abertamente gay.

Dentre os nove principais partidos do Estado (PT, PP, PSDB, PTB, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e DEM), as mulheres são 28,3% das candidatas à Câmara Federal e 31,8% à Assembleia. Já os negros e negras representam 7,2% e 6,8%, respectivamente. No Estado, o PSOL é o partido com mais candidatos negros que concorrem para se tornar deputados federais, enquanto o PT é o que conta com maior número para deputados estaduais.

O estudante Guly Marchant, de 24 anos, é um dos que irá representar o PSOL na disputa para a Câmara. Em sua primeira candidatura, o jovem lançou uma campanha baseada no combate às desigualdades raciais e sociais, a partir do slogan “Somos 99 contra 1%”. Ele conta que começou a se envolver com a militância estudantil ainda no Ensino Médio, o que se acentuou em 2011, quando ingressou na faculdade de Jornalismo.

Foto: Reprodução/ Facebook
Guly pretende discutir a criminalização da pobreza  | Foto: Reprodução/ Facebook

Por ter crescido em um bairro de periferia, o Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, Guly diz que sempre foi ligado às questões da desigualdade, tendo se tornado mais ativo no movimento negro ao se envolver coma militância pelas cotas nas universidades. Para ele, são menos os candidatos negros que chegam aos parlamentos devido à falta de acesso aliada a preconceito. “Acho que o principal é que as pessoas negras não conseguem ter acesso e se tornar lideranças em seus locais de estudo e trabalho”, afirmou.

Além de lutar por maior igualdade, a campanha de Guly também aborda a questão da criminalização da pobreza, denunciando o encarceramento da juventude negra e pobre. “Tem a questão do debate da legalização da maconha e descriminalização de outras drogas, porque se formos pegar hoje a maioria das pessoas nos presídios são jovens negros que foram pegos com uma quantidade pequena de drogas”, explicou. Isso, para ele, também é reflexo da falta de oportunidades da juventude negra de se envolver em outros espaços.

Candidatos LGBT querem representatividade e direitos

Muitas vezes invisibilizados, marginalizados ou forçados a permanecer “no armário”, os candidatos que representam segmentos LGBT buscam conquistar direitos e conscientizar a população sobre diversidade. Everlei Martins (PSB), vereador em Cruz Alta, agora tenta uma vaga na Câmara Federal. Ele conta que  conseguiu, na cidade do noroeste do Estado, aprovar projetos como o Dia Municipal contra Homofobia e a inclusão de casais homoafetivos nos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida, na Câmara.

Foto: Everlei Martins Divulgação/ Facebook
Everlei, vereador em Cruz Alta, aprovou leis de diversidade na cidade | Foto: Everlei Martins Divulgação/ Facebook

Everlei se candidatou pela primeira vez em 2004, com uma campanha mais voltada para a juventude, à Câmara de Cruz Alta. Já em 2012, suas bandeiras estavam mais ligadas a questões de direitos humanos e militância LGBT, o que permanece em 2014. “Nossa campanha passa por todos os movimentos de diversidade e direitos humanos no geral. Também enfrentamos adversidades da política tradicional, em que as estruturas financeiras que possuem financiamento de grandes empresas acabam se beneficiando”, explicou.

Para o candidato, o apoio de pessoas identificadas com a pauta LGBT é importante, mas não pode substituir a presença de representantes deste segmento nas estruturas políticas. “Agora estamos nessa caminhada estadual para conscientizar importância no Rio Grande do Sul de se eleger representantes de minorias. Porque temos muitos candidatos aliados importantes para a causa, mas só a pessoa que vive a realidade e enxerga tem as melhores alternativas para dialogar e saber as principais bandeiras”, ponderou Everlei, que também é coordenador do movimento LGBT do PSB no estado.

A única candidata transexual do Rio Grande do Sul nessas eleições, Luisa Helena Stern (PT) conta que é militante desde a juventude, mas pela primeira vez encarou o desafio de concorrer a um cargo em um parlamento. Agora, ela tenta uma vaga na Assembleia Legislativa, onde pretende colocar em pauta a igualdade de direitos para transexuais e travestis, além de combater a violência doméstica.

Luisa afirma que acredita que os governos federal e estadual têm avançado na conquista de direitos para a população LGBT, com medidas como a carteira de nome social e a criação de uma ala para as travestis, transexuais e companheiros no Presídio Central. “Até alguns anos atrás, as travestis, transexuais e gays estavam incluídos apenas na política de AIDS, e o governo federal, principalmente a partir do segundo mandato do Lula, passou essa temática também para os direitos humanos e deixou de ser só política de AIDS”, destacou.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Luisa Stern tenta uma vaga na Assembleia em sua primeira candidatura | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mesmo antes de lançar sua candidatura oficialmente, Luisa conta que sofreu ataques transfóbicos pelas redes sociais, após postar um tweet relacionado ao jogador que machucou Neymar no jogo do Brasil contra a Colômbia, na Copa do Mundo. A candidata, que pediu desculpas posteriormente e reiterou que estava com os ânimos alterados devido ao acontecido, postou dizendo que o jogar Zuñiga não deveria “sair vivo do Brasil”. “Sofri ataques transfóbicos por causa de comentários de futebol. Eu sofri ofensas que foram além do âmbito do futebol e entraram na área da transfobia e homofobia, que andam juntas”, lamentou.

Ambos os candidatos acreditam que seus partidos dão suporte para as pautas LGBT. No PSB, Everlei afirma que a pauta está crescendo e aponta que os candidatos Beto Albuquerque, ao Senado, e Eduardo Campos, à presidência, são “grandes apoiadores” do movimento LGBT. Já Luisa lembra que, dos partidos que já estiveram e estão no poder no estado e na cidade, o PT é o único que pauta os direitos dessa população, e reitera que sempre foi “muito bem recebida” no partido.

Candidatos deficientes buscam maior cidadania

Nos anos 1970, eles eram confundidos com mendigos nas ruas, contaram dois candidatos à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Os motivos para essa discriminação, além de tantas outras, estava em seu corpo: Paulo Brum (PTB) é cadeirante e Bernadete Vidal (DEM) é cega. Ambos buscam levar as pautas de deficientes físicos para dentro dos parlamentos, buscando mais cidadania e reconhecimento.

Paulo Brum é atualmente vereador em Porto Alegre, em seu quarto mandato, e já foi deputado estadual e secretário de Acessibilidade da Prefeitura. Seu envolvimento político veio após se tornar cadeirante: aos 18 anos, ele sofreu um acidente que o deixou paraplégico. “Imagina há 35 anos uma pessoa de cadeira de rodas. Sofríamos com preconceito, discriminação, barreiras físicas, ônibus sem condições, calçadas sem acessibilidade. Éramos barrados por pessoas nas ruas que passavam e queriam botar dinheiro no nosso bolso, achando que éramos pedintes”, conta.

Foto: Vicente Carcuchinski/ Arquivo CMPA
O vereador Paulo Brum já implantou leis de acessibilidade no município | Foto: Vicente Carcuchinski/ Arquivo CMPA

Foi a partir daí que Brum percebeu que precisava ser politicamente ativo na luta por mais direitos, enquanto trabalhava na CIEE e começou a se envolver em campanhas. Já em 1992, assumiu como vereador suplente e, três anos depois, foi eleito pela primeira vez. Em 2002, elegeu-se deputado estadual, tendo sido a primeira pessoa a entrar de cadeira de rodas na Assembleia Legislativa. “Tiveram que fazer uma reforma, porque não tinha acessibilidade. Então adaptamos a Assembleia, que hoje é modelo de acessibilidade, em função de que estava assumindo um cadeirante como deputado”, relatou.

O vereador acredita que em Porto Alegre as condições para cadeirantes tenham melhorado muito, especialmente com maior acessibilidade no transporte público. Ele contou que, até o final do ano, cerca de 80 táxis adaptados também estarão disponíveis na cidade, a partir de uma lei aprovada na Câmara. Caso eleito, Brum pretende “percorrer o estado para  transformar os municípios no que fizemos na capital”, além de ampliar a acessibilidade em calçadas e vias públicas. “Temos um grande trabalho de levar para o RS tudo o que temos feito aqui na Câmara de Porto Alegre”, afirmou.

A candidata Bernadete Vidal (DEM) iniciou na política também como militante pelos direitos dos deficientes, em seu caso, dos cegos. Aos 17 anos, foi uma das fundadoras da Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), entidade a qual é ligada até hoje. Ela já foi vereadora de Porto Alegre duas vezes, de 1977 a 1988, e agora voltou para a política partidária, a convite do partido, para tentar uma vaga na Assembleia Legislativa.

Foto: Reprodução/Facebook
Bernadete voltou à política e quer lutar pelos direitos dos cegos | Foto: Reprodução/Facebook

Na época, havia poucas adaptações para deficientes, tanto nos parlamentos quanto nas cidades. “Adaptação para deficiência visual não tinha, por exemplo, a primeira adaptação que eu me lembro foi nas cédulas do voto secreto, que eram só escritas e fizeram com baixo relevo. Alguém perguntava ‘como ela vai ir para tribuna; , ora, eu aprendi onde era a tribuna, andei no ambiente”, contou. Para Bernadete, o deficiente deve querer da sociedade apenas o que não consegue acessar, e por isso iniciativas como a audiodescrição de filmes e livros são muito importantes.

Apesar de reconhecer avanços, a candidata destaca que ainda há muito o que se fazer pelas pessoas com deficiência. Ela criticou o plano de educação inclusiva, dizendo que os professores não são devidamente preparados para receber os estudantes. “Eles recebem um deficiente na turma e estão completamente despreparados, sem apoio pedagógico para fazer isso e estão empurrando isso para cima dos professores, já com dificuldades começando pelo salário. Um cego para conseguir acompanhar tem que saber braile, aprender a usar o computador, tem que dominar o ambiente, ter alguém que o ajude a usar bengala, coisas que a professora não está preparada para fazer”, criticou.

Os candidatos lembram do exemplo de deputada federal Mara Gabrilli (PSDB), que é cadeirante, e contam que sabem de outros casos de deficientes sendo eleitos, principalmente em Câmaras de Vereadores. Ambos concordam, no entanto, que a representação deve ser ampliada para que os direitos também sejam.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora