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19 de março de 2014
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15:56

Líderes comunitários, acadêmicos e ativistas denunciam violações em virtude da Copa

Por
Sul 21
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 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Painel sobre violações de direitos humanos e Copa do Mundo integra ciclo de atividades da 6ª Semana de Direitos Humanos do SAJU da UFRGS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Seu Zé vive há mais de 40 anos na Vila Cruzeiro e luta para que reassentados permaneçam na região | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Líderes comunitários, acadêmicos e ativistas debateram na noite desta terça-feira (18) as violações de direitos humanos que ocorrem na cidade de Porto Alegre em função da realização da Copa do Mundo. A discussão integra o ciclo de atividades da 6ª Semana de Direitos Humanos do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da UFRGS e ocorreu no Salão Nobre da Faculdade de Direito da universidade.

José Fachel Araújo, conhecido como Seu Zé, mora há mais de 40 anos na Vila Cruzeiro e é um dos líderes da comunidade. Parte de sua propriedade está na linha por onde irá passar a obra de duplicação da Avenida Tronco. “Vão ter que passar com a patrola por cima de mim”, diz o morador de 74 anos.

Ele recorda que a Vila Cruzeiro teve origem em um processo de expulsão da população pobre das regiões centrais da cidade e lamenta que, após terem consolidado suas vidas na região, os moradores estejam sendo obrigados a abandoná-la. “Construímos o bairro com muito suor e sacrifício. O que conquistamos vai ficar para a burguesia”, expressou.

Seu Zé explicou que a comunidade já conquistou pelo menos uma garantia da prefeitura: de que algumas famílias poderão ser reassentadas em terrenos da própria região. Mas esse não é o caso de todas as mais de mil famílias afetadas no local. A reportagem do Sul21 já verificou que muitas pessoas estão se mudando para o Litoral Norte do estado ou cidades da Região Metropolitana – onde é possível comprar um imóvel pelo valor oferecido pela prefeitura.
José Luís Ferreira, morador da antiga Vila Chocolatão, removida em 2011 pela prefeitura, lamenta que, atualmente, o governo municipal não dê tanta atenção à sua comunidade como dá às obras relacionadas à Copa do Mundo. “Nenhum governo foi eleito para fazer Copa. O mesmo governo que é inteligente para atender à FIFA é burro para atender à população que se propôs a governar”, compara.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
José Luís Ferreira morava na antiga Vila Chocolatão, removida em 2011 do Centro de Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com a remoção da Vila Chocolatão, seus moradores receberam casas em um loteamento no Morro Santana. Entretanto, sem ter condições de viver, naquele local, do ofício que mantinham na Vila – a coleta de papelão –, muitos acabaram vendendo os imóveis e morando na rua. “Onde eu moro, 70% das pessoas venderam a casa por R$ 5 mil a R$ 20 mil, porque não tinham como sustenta-las”, relata José Luís.

Ele também comentou a discrepância entre a situação das pessoas que poderão assistir aos jogos da Copa – seja no estádio, seja pela televisão – e as comunidades mais pobres da cidade. “Não vamos poder assistir à Copa no Beira Rio, porque é muito caro. Esse dinheiro vai para a comida e para o gás. Tem muita gente que nem tem luz para acender a televisão e ver os jogos”, lamentou.

“Problemas de moradia são maiores que a Copa”, afirma geógrafa

A geógrafa Lucimar Siqueira, do Observatório das Metrópoles, afirma que os problemas de moradia em Porto Alegre não são necessariamente originados com a Copa do Mundo, mas acabam se tornando mais intensos em função dos prazos exigidos para as obras do megaevento. “Os problemas de moradia são muito maiores que a Copa. Eles se agudizam (com a Copa) por conta dos prazos”, entende.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Lucimar Siqueira diz que prefeitura iniciou várias obras ao mesmo tempo sem possuir recursos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para ela, as remoções realizadas em comunidades da periferia violam o direito das pessoas à cidade, mesmo quando elas recebem uma nova casa, já que a família está indo para uma região estranha à sua criação e, muitas vezes, sem os equipamentos públicos necessários à sua sobrevivência.

Lucimar acredita que a prefeitura de Porto Alegre tenha sido incompetente na realização dos projetos das obras de mobilidade urbana que, agora, estão paradas, por conta de uma verba de R$ 400 milhões que o governo federal ainda não liberou. A geógrafa explica que a prefeitura resolveu bancar os empreendimentos com recursos próprios, mesmo antes de sair a confirmação de que a Caixa Econômica Federal liberaria o financiamento.

Para Lucimar, os recursos liberados em função da Copa do Mundo deveriam ter sua aplicação decididos pelo conjunto da população de Porto Alegre. “A cidade já é um espaço em disputa. Setores empresariais disputam a aplicação desses recursos e os setores populares não conseguem incidir sobre essa política”, compara.

Professor afirma que Lei Geral da Copa gera “Estado de Direito de Exceção”

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Bruno Miragem criticou artigos da Lei Geral da Copa | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Professor da Faculdade de Direito da UFRGS, Bruno Miragem falou sobre a Lei Geral da Copa. Aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto estipula uma série de regras que fogem ao ordenamento jurídico do país e têm validade somente para o período em que o megaevento ocorre, configurando o que o acadêmico qualifica como “Estado de Direito de Exceção”.

Para ele, a Lei Geral da Copa “cria verdadeiras excrecências” e delega poder de polícia administrativa à FIFA – algo que só pode ser exercido pelo Estado. A afirmação se refere ao fato de que a entidade futebolística tem o poder de autorizar quais produtos poderão ser comercializados dentro e ao redor dos estádios em que ocorrerem os jogos.

O professor recorda que o texto original do projeto de Lei Geral da Copa previa, inclusive, que o Código de Defesa do Consumidor fosse suspenso durante a competição. E critica o fato de a lei prever que qualquer prejuízo que possa ocorrer durante a Copa terá que ser ressarcido pelo Estado às FIFA – que, desta forma, usufrui apenas dos lucros do megaevento.

Bruno alerta para o fato de que uma legislação com essas características tenha sido aprovada no Congresso Nacional. “Hoje é a Copa, amanhã serão as Olimpíadas e depois poderá ser qualquer outra coisa que justifique a anulação das garantias fundamentais”, expressou.


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