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11 de setembro de 2010
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16:02

Zé Maria: “As eleições no Brasil são profundamente antidemocráticas”

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Sul 21
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Zé Maria: “As eleições no Brasil são profundamente antidemocráticas”
Zé Maria: “As eleições no Brasil são profundamente antidemocráticas”

DivulgaçãoFelipe Prestes

Na semana passada um presidenciável caminhou quase anônimo pelo centro de Porto Alegre. Sem assessores ou seguranças. Sem flashes à sua volta. Sem fãs, ou até mesmo quem o vaiasse, José Maria de Almeida chegou à sede do PSTU, onde o Sul21 o esperava para a entrevista. Acompanhado dos candidatos ao governo do estado Júlio Flores e ao Senado, Vera Guasso, Zé Maria sentou-se à mesa para um papo tranquilo e franco, sem olhar para o relógio.

O metalúrgico, que liderou greves junto com Lula, no final da década de 70, sabe que dificilmente alcançará o Palácio do Planalto como o antigo companheiro – com quem já tinha divergências desde àquela época. Com o atual sistema eleitoral, o pleito para o PSTU é utilizado como um momento para conscientização. Zé Maria e seus pares querem o apoio dos trabalhadores para socializar as riquezas naturais do país e estatizar grandes empresas. Tudo isso em uma sociedade democrata, bem diferente de países como Cuba e China, ressalta o candidato.

Zé Maria acusa as eleições brasileiras de antidemocráticas. E ele mesmo reconhece que, dificilmente, será eleito. O que busca é um sonho. Mas ressalva: Lênin dizia que é preciso sonhar e acreditar no sonho.

Sul 21 – Conte-nos sobre a sua trajetória na política.
Zé Maria –
Eu sou operário metalúrgico. Nasci no interior de São Paulo e fui para o ABC Paulista, no início da década de 70. Comecei a trabalhar em metalúrgicas da região, em 1971. Iniciei na militância sindical em meados da década de 70, no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Participei das greves que aconteceram no final da década de 70, fiz parte do comando daquelas greves. Fui preso junto com o Lula em 80, quando prenderam o comando da greve. Ajudei a fundar o PT. A CUT depois, em 83. Em 1984, fui para Minas Gerais. Eu sou hoje diretor da Federação Democrática dos Metalúrgicos de Minas Gerais e integro a coordenação nacional da central sindical e popular Conlutas. Militei na CUT até 2004. Quando ela se transforma em um braço do Governo Lula, perde a capacidade de representar os trabalhadores e nós construímos uma alternativa, a Conlutas. E militei no PT até 1992. Naquele ano, a corrente da qual eu fazia parte foi afastada do PT, a Convergência, e nós construímos o PSTU em 1994.

Sul 21 – Qual foi a sua relação com o presidente Lula?
Zé Maria –
Nós trabalhamos e militamos juntos na luta dos metalúrgicos naquele período. Eu fui com ele parte do comando da greve de 79, da greve de 80. Mas a relação se limitava a essa proximidade pelas nossas atividades em comum e ao esforço comum que foi feito para construir o PT, depois para construir a CUT. Eu ajudei a escrever a primeira carta de princípios do PT. Mas, politicamente, nós sempre tivemos diferenças, desde aquele momento. Ideologicamente falando, o Lula nunca foi muito diferente do que é hoje. Tinha o discurso mais à esquerda naquele momento, obviamente, porque havia uma circunstância política diferente no país. Mas ele nunca se propôs a fazer uma mudança na estrutura econômica do país. Quando jornalistas perguntavam para ele se ele era socialista, ele brincava, falava que era torneiro mecânico – uma forma de desqualificar aquilo que é a experiência histórica da classe trabalhadora. Então, nós já tínhamos as nossas brigas. Já na fundação do PT, havia uma polêmica sobre a natureza das tarefas que o partido deveria encarar na etapa histórica em que vivíamos, sobre o programa do partido. Polêmica que se transferiu depois para a construção da CUT. E que permaneceu até 92, quando nós resolvemos adotar um caminho diferente.

Sul 21 – O senhor continua trabalhando como metalúrgico?
Zé Maria –
Eu estou liberado da empresa há muito tempo, para a tarefa sindical da nossa federação. Eu estou desde 2004, quando saí da direção da CUT e nós fizemos um congresso que decidiu desfiliar nossa federação da CUT. E esse mesmo congresso resolveu construir uma nova organização nacional dos trabalhadores, e eu estou encarregado desta tarefa. Então minha atividade basicamente fora do período de eleição é ajudar na condução da Conlutas.

Sul 21 – No que basicamente se diferencia o projeto do PSTU dos demais que estão colocados para a presidência?
Zé Maria
– O projeto da Dilma, do Serra e da Marina é essencialmente a manutenção daquilo que aí está. De um modelo econômico construído nos marcos do capitalismo e que busca atender fundamentalmente os interesses dos bancos, das grandes empresas, do capital financeiro. Foi assim o Governo FHC, e é assim o Governo Lula, apesar das diferenças entre os dois governos. Houve um grande crescimento econômico no país nos últimos anos. Isso permitiu ao Lula abranger um pouco mais de gente com as políticas sociais compensatórias. Com o Bolsa-Família, melhorando um pouco o valor do benefício. Mas essencialmente, o grosso da riqueza que o país tem e o grosso da riqueza produzida pela classe trabalhadora brasileira seguem sendo canalizados para os donos dos bancos, das fábricas, das terras. Para a burguesia brasileira. Nós apresentamos uma alternativa diferente: socialista. Na qual a riqueza que o país tem fica com os trabalhadores para garantir emprego digno, aumentar o salário mínimo ao valor que é calculado pelo Dieese, garantir moradia, transporte público, saúde, educação pública, acesso à cultura, ao lazer. Aquilo que a população precisa para ter uma vida digna. Nós queremos para isso mudar a estrutura da economia do país. Acabar com os privilégios dos bancos, das grandes empresas, estatizando-as. Nacionalizando as terras do país, e colocando tudo isso a serviço de atender as necessidades da população.

Sul 21 – Como vocês conseguem recursos para as eleições?
Zé Maria
– As eleições no nosso país são profundamente antidemocráticas. Completamente dominadas pelo poder econômico. Você vê: o Serra diz que vai gastar R$ 180 milhões; a Dilma, R$ 157 milhões; a Marina, R$ 90 milhões. Considerando que eles não estão mentindo – normalmente gastam muito mais do que isso – de onde eles vão tirar esse dinheiro todo? Do bolso é que não vai ser. Vão pegar esse dinheiro com bancos, com grandes empresas, com as empreiteiras. E depois, se eventualmente ganharem as eleições, quem vai mandar no governo não vai ser o povo que votou neles. Vão ser os bancos, as empreiteiras e as grandes empresas que financiaram a campanha. Essa é a base, aliás, da corrupção na política brasileira. Nessa sociedade, quem paga manda. Justamente por isso, o PSTU não aceita dinheiro de empresas ou de empresários. Porque o nosso projeto é para a classe trabalhadora. Nós financiamos nossa campanha com contribuições da nossa militância e dos trabalhadores e jovens que simpatizam com nossas ideias. Nós devemos arrecadar cerca de R$ 250, 300 mil. Portanto, temos uma campanha muito mais modesta e com menos condições que as deles. Outro elemento de desigualdade é o tratamento dado às diferentes candidaturas na televisão. O tempo eleitoral gratuito é desigual. A Dilma tem dez minutos, o Serra tem sete e o Zé Maria, 50 segundos. Agrava ainda essa situação o fato de que as grandes redes de televisão decidiram fazer campanha para três candidatos – Serra, Dilma e Marina -, que são os que aparecem nos noticiários, nos debates, nas entrevistas. Não por coincidência, essas candidaturas defendem o mesmo modelo econômico, que é o modelo que interessa aos donos das redes de televisão.

Sul 21 – Nessas circunstâncias, o senhor acredita que um dia possa vir a ser presidente do Brasil?
Zé Maria
– Acredito que é muito importante fazer a disputa do processo. Nós tratamos de fazer a disputa da consciência dos trabalhadores. O conteúdo que nós damos à disputa do voto é buscar ganhar as pessoas para essas ideias que nós defendemos, para avançar na construção de uma massa crítica que vá reunir forças para nós podermos mudar o país. Eu só ganharia a eleição para presidente da República numa circunstância em que houvesse uma grande efervescência política, uma grande mobilização social no país. E um governo dos trabalhadores – socialista – pode mudar o país, porque ele se apoia na mobilização do povo e transforma a sociedade. A depender pura e simplesmente desse processo eleitoral não vai haver nenhuma mudança.

Sul21 – Nós temos no Brasil hoje quatro partidos de esquerda que não participam das grandes coligações: o PSol, o PCB, o PCO e o PSTU. Por que esses partidos não conseguem fazer uma aliança?

Zé Maria – O esforço para construir a unidade dos trabalhadores e na esquerda socialista é absolutamente necessário. A construção da Conlutas, por exemplo, abrange a militância do PSol, do PSTU, setores de esquerda do PT, várias matrizes ideológicas, mas que se unem na luta em defesa dos interesses concretos dos trabalhadores. No âmbito partidário, político-eleitoral, o natural é que cada partido se apresente. Quem se organizou como partido é porque tem projeto diferente de outro partido que já existia. Quando esses companheiros que constituíram o PSol romperam com o PT, nós propusemos construir um partido junto com eles. Eles não aceitaram porque tinham divergências com o PSTU. Portanto, é natural que se apresente com cara própria. Apesar disso, o PSTU fez um esforço. Nós apresentamos para o PCB e o PSol uma proposta de construir uma grande frente em agosto do ano passado. Não houve essa frente porque nós não chegamos a um acordo em termos do programa. Quando chegou dezembro, e o PSol propôs uma discussão com o PV para apoiar a candidatura da Marina matou a discussão, porque Marina não defende um programa socialista e é parte de um partido que é burguês. Então não há como construir uma alternativa com uma aliança dessa. Nós somos partidários daquele ditado: diz mais sobre as pessoas o que elas fazem do que o que elas falam. Então se o PSol se dispôs a construir uma frente com o PV é porque não tem acordo com o que estamos nos propondo. Mesmo não havendo a frente com o PV nós não conseguimos avançar na construção de um programa nem em um critério comum de financiamento de campanha. Você se lembra que aqui (em Porto Alegre), na eleição de 2008, o PSol aceitou contribuição da Gerdau e de outras empresas e nós achamos que isso é um divisor de águas. Não achamos isso aceitável na construção de um projeto para a classe trabalhadora. Desde 2008, estamos discutindo isso com o PSol e não tivemos do partido uma definição categórica de que a campanha não seria financiada por empresas ou empresários. Não havendo acordo, o natural é que cada candidatura se apresente. Eu vejo isso como um problema, o melhor é que nos apresentássemos como uma candidatura única. Mas não vejo isso como um problema grave. O fundamental é que nos unifiquemos na luta cotidiana dos trabalhadores. É tão legítima a visão de mundo que o PSTU tem, quanto as opiniões do PSol, ou do PCB, ou do PCO.

Sul 21 – O PSTU tem algum país ou leitura que serve como modelo para suas ideias?
Zé Maria
– Uma sociedade socialista tem dois pressupostos para nós. Primeiro, é socializar a riqueza. Temos que colocar sob controle do estado e dos trabalhadores os recursos naturais que o país tem. Nacionalizar a terra, expropriar o agronegócio, fazer uma ampla reforma agrária para que a terra no Brasil seja utilizada para produzir alimentos. De acordo com a última pesquisa de orçamento familiar do IBGE temos um terço da população brasileira passando fome, 68 milhões de pessoas. E temos uma parte imensa das terras próprias para a agricultura no Brasil que são controladas pelo agronegócio, que estão sendo utilizadas para plantar soja. Para exportar para a Europa e virar ração de gado. Eles preferem produzir ração de gado do que alimento para o povo que está passando fome. Por quê? Porque dá mais lucro. É uma contradição desta sociedade em que vivemos. Defendemos também a estatização de todas as grandes empresas que exploram recursos naturais. Colocar sob controle do país o petróleo, os minérios, a biodiversidade. Resgatar o monopólio estatal do petróleo. Reestatizar, de fato, a Petrobras, que já está em grande parte privatizada, com vendas de ações no estrangeiro. O segundo pressuposto é que essa sociedade tem que ser governada pelo povo. Nós somos completamente avessos ao modelo de socialismo que havia na União Soviética, no Leste Europeu, Cuba, China.

Sul 21 – Não há nenhum país que corresponda às ideias do PSTU?
Zé Maria
– Nenhum país. Os que se aproximariam mais seriam esses países do Leste Europeu, antiga União Soviética, China e Cuba, no quesito abolição da propriedade privada. Só que isso foi revertido já. Tanto na China como em Cuba já há uma recomposição dos critérios capitalistas de propriedade. Portanto há um retrocesso. Então para nós esses regimes políticos de partido único, que se constituem em uma ditadura contra o povo, são incompatíveis com uma sociedade socialista. Então nós vamos construir um regime que se apoie na organização da classe trabalhadora. É o trabalhador que vai governar o país. Os partidos vão disputar dentro dessas organizações, com suas ideias. Nós defendemos um regime com liberdade partidária, liberdade sindical. Sem democracia, não há socialismo. E, por outro lado, liberdade para o povo. Nós não concebemos uma sociedade socialista onde permaneça a discriminação racial – como é uma marca constitutiva dessa sociedade em que vivemos – a opressão contra as mulheres, a opressão contra os homossexuais. É preciso que os seres humanos possam se realizar livremente, como seres humanos que são. Esse para nós é o modelo de sociedade. Nós não temos hoje no mundo país que funcione assim, mas é um sonho que a classe operária começou a construir quando fez a revolução na Rússia em 1917 – depois foi derrotada pelo stalinismo. Nós queremos resgatar esse sonho, construir uma sociedade igualitária, justa, socialista e libertária, onde o povo possa viver com dignidade, com o fruto do seu trabalho e nós possamos todos nos realizar como seres humanos, não só materialmente, quanto espiritualmente.

Sul 21 – Pode se dizer que o PSTU busca uma utopia?
Zé Maria
– Nós buscamos um sonho. Mas um sonho com aquele critério que Lênin falava. ‘É preciso sonhar e acreditar no sonho da gente’. O que seria da humanidade se não sonhasse com coisas impossíveis? Você imagina, há duzentos anos, se alguém falasse que o ser humano ia construir uma nave espacial e chegar na lua, todo mundo ia dizer que o sujeito era doido. Mas a humanidade sonhou com isso, e mandou alguém para a lua. A humanidade é capaz de fazer coisas incríveis na ciência e na tecnologia. Por que é que não podemos organizar a sociedade de maneira justa? Então é um sonho que nós queremos cotidianamente comparar com a realidade em que a gente vive e lutar incansavelmente para transformar essa realidade no sonho que nós temos. Nós achamos que é perfeitamente possível, se nós atuarmos de forma organizada e consciente, transformar essa realidade nesse sonho. O sonho que não pode ser realizado em hipótese nenhuma é o povo viver bem em uma sociedade capitalista. Porque é da natureza dessa sociedade a desigualdade e a concentração da riqueza na mão de alguns, enquanto a maioria do povo passa necessidades cada vez maiores. Essa sociedade funciona da maneira como funciona hoje não é por obra da natureza, sob a qual não temos controle, não podemos mudar. Tampouco é determinação divina. Ela foi organizada assim por homens e mulheres. Então homens e mulheres podem organizá-la de forma diferente.

Sul 21 – Então o homem não é o lobo do homem como diz a frase atribuída a (filósofo britânico Thomas) Hobbes?
Zé Maria
– Não. A humanidade é muito generosa. Os seres humanos essencialmente são muito bons. O que há são governantes que cumprem o papel que lamentavelmente a gente vê hoje. Nós não podemos entender os seres humanos pelas atitudes de alguns. Essa roubalheira que é a política no país não quer dizer que o povo é todo ladrão. Eles tentam convencer-nos que todo mundo rouba. Rouba quem está lá. O povo está aqui trabalhando que nem desgraçado e o cara se mata, passa fome para pagar prestação da loja, porque o compromisso dele e ele cumpre. E assim são 99% da população do país. E nós vamos construir um mundo novo com essa população, com esses trabalhadores.


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