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6 de setembro de 2010
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09:00

Dez razões para o carisma de Lula

Por
Sul 21
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Amigos e adversários explicam porque ele “é o cara!”

Rachel Duarte

Na última sexta-feira (2), o presidente Lula visita ao Rio Grande do Sul pela 32ª vez. Veio para compromissos de fim de governo. Dentro de quatro meses, ele passará a faixa verde-amarela da Presidência da República para o seu ou a sua sucessora. Em oito anos de governo, modificou a realidade de 43 milhões de brasileiros que deixaram a linha da miséria, desenvolveu políticas públicas de inclusão social, mas também enfrentou escândalos e um Senado de oposição. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 79% dos brasileiros acham o seu governo ótimo ou bom e lhe conferem nota 8,1. Mas, afinal, o que levou Lula, um metalúrgico, a chegar atingir estes índices de aprovação junto ao povo brasileiro? De onde sai o seu carisma, que encanta brasileiros e estrangeiros. O Sul21 falou com amigos e adversários de Lula para saber quem é este homem, acusado de não dominar o idioma pátrio e, apesar disto, conseguir dialogar com políticos nacionais e estrangeiros.

Operário, brincalhão, habilidoso e solidário. Gosta de futebol e de uma cachacinha. A descrição se adequaria a uma grande parte dos brasileiros. Mas estas são as palavras mais escutadas diante da pergunta: como é o presidente Lula?

O discursos sobre Lula se parecem. Sejam feitos pelos amigos do tempo do movimento sindical, sejam pelos que já o conheceram como ocupante do Palácio do Planalto. Difícil é esquecer a expressão “é o cara”, com a qual o presidente norte-americano, Barack Obama, saudou o seu colega brasileiro, em 2009. Para Obama, Lula é um “boa pinta”. O “é o cara” de Obama se popularizou. É a frase mais utilizada, nos últimos tempos, para resumir quem é Lula.

Primeiro líder do governo do presidente Lula no Legislativo Gaúcho, o deputado estadual Adão Villaverde (PT) avalia que, do ponto de vista político, Lula é um grande estadista. “Ele é responsável pelo retorno do crescimento do país. Ele mostrou que, mesmo em meio à globalização, é possível construir um projeto nacional autônomo. Ele ficará para a História como o representante do governo de transição de um modelo neoliberal subordinado para um projeto que recuperou o Estado-Nação, com base na capacidade local e uma soberania externa”, comenta.

Mas quem é o homem que desperta o carinho da população brasileira,  desde o catador de lixo até o empresário? Que fala sem formalidades, mas consegue mediar conflitos entre os países?

Para saber de onde vem esse carisma, como foi construído e é utilizado, o Sul21 conversou com ex-colegas do movimento sindical, companheiros históricos do PT, adversários políticos e com quem abandonu o partido criado por Lula.

1 – Origem humilde

Sétimo filho de Eurídice, uma mulher simples e de rígidos valores morais, fugiu da seca de Pernambuco para tentar a vida na região mais rica do país. A crônica de sua vida revela uma pessoa que sofreu desde criança. Só viu o pai (que trabalhava em São Paulo), pela primeira vez, aos cinco anos. Perdeu a mãe quando era um jovem militante do movimento sindical do ABC paulita. Na época, havia sido preso pela ditadura militar. Também perdeu a primeira mulher Lourdes, grávida de nove meses, e o filho.

– Veja o trailer do filme “Lula, o filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto

– “Do Golpe ao Planalto”, livro escrito pelo jornalista e ex-secretário de comunicação do governo Lula, Ricardo Koscho

2 – Movimento sindical

Lula fez a estreia como metalúrgico em agosto de 1960, aos 14 anos. Em 1974, casou com Marisa Letícia. Um de seus companheiros de convívio familiar e de militância foi o ex-governador gaúcho, Olívio Dutra (PT). “Nós nos conhecemos no movimento sindical (em 1975). Eu aqui em Porto Alegre, ainda militante de base dos sindicatos, e o Lula já presidente do sindicato dos metalúrgicos em São Paulo, na sua primeira eleição”, recorda Olívio.

Na época pesquisador do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos), Olívio conta que foi, a partir da contrariedade dos trabalhadores em relação à base salarial, calculada pelo então ministro da Fazenda (Delfim Neto), que se aproximou ainda mais de Lula. “Nós chegamos a um resultado matemático bem diferente do proposto por Delfim. Daí nós entendíamos que não dava para deixar passar em silêncio. Buscamos o apoio de Lula, pois ele já era bem articulado e conhecido. Foi aí que aproximamos nossas famílias também”, disse o ex-governador.

3 – Conciliador

Geovaldo Gomes, colega de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, lembra a capacidade de conciliação do presidente, nem sempre compreendida por todos. Ele conta que a negociação pelo reajuste salarial dos metalúrgicos da Scania, na greve de 1979, não agradou a maioria. “Conquistamos o aumento nos salários de seis em seis meses, mas não concordamos com o acordo feito para voltarmos a trabalhar. Mais tarde entendemos que 15 dias de greve não apagam 15 anos de ditadura”, disse sem revelar como Lula articulou o retorno dos operários ao trabalho na fábrica.

4 – Fundador do PT

Como metalúrgico e sindicalista, Lula foi um dos fundadores do PT,em 1980. Além de ter sido, também, o primeiro presidente do partido. Olívio Dutra recorda a primeira disputa eleitoral, em 1982. “Naquela época, o partido tinha que ter candidaturas majoritárias em cinco estados, no mínimo, para continuar existindo. E nós seguramos o partido”, disse.

Em 1983, Lula participa da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Integra o movimento pelas eleições diretas para a Presidência da República, em 1984, junto com políticos como os peemedebistas Ulysses Guimarães e Franco Montoro. Em 1986, Lula é eleito deputado federal para a Assembléia Nacional Constituinte com mais de 650 mil votos. Ao seu lado, novamente, estava Olívio Dutra. Também estava Paulo Paim, hoje senador pelo PT.

“Na fundação da CUT,  me posicionei contra a chapa que estava sendo proposta para a diretoria. Para me conquistar, Lula acabou me entregando o cargo de secretário geral da entidade”, revela Paim. O senador petista conta ainda que se beneficiou “de um gesto de grandeza do Lula e do Olívio, quando da criação da Constituição Federal. Eles abdicaram e eu coordenei todo o trabalho da bancada do PT referente ao capítulo da Ordem Social”.

5 – Determinado e devoto

O PT lançou Lula para a Presidência da República, pela primeira vez, em 1989. Foi sua primeira derrota. Perdeu, em segundo turno, para Fernando Collor (PRN), que fez 53% dos votos válidos.

Amigo histórico e muito próximo da família de Lula, Frei Betto comenta que o presidente é um homem que tem muita convicção nos seus propósitos. E que a sua fé o levou a realizar o sonho de ser presidente. “Ele é muito religioso, tem muita fé. Ele atribui a conquista de ter sido presidente a isso”, disse.

Frei Betto integrou a equipe do primeiro governo Lula e contribuiu para a construção da política de combate à fome no Brasil. Segundo ele, por uma combinação feita com o presidente, evita falar da sua relação pessoal com ele.

Olívio Dutra recorda o convívio de Frei Betto com a sua própria família e a de Lula. “Nossos filhos – os meus e os de Lula – se deram muito bem. Cansamos de ir à casa do Lula em São Bernardo. Marisa e Lula tiravam as crianças da cama para nos acolher. O Frei Betto também era uma pessoa querida das nossas famílias e partilhou essas ocasiões conosco”, comentou.

6 – Conhecedor do Brasil

Depois de perder a primeira eleição a que concorreu, em 1989, Lula organizou as Caravanas da Cidadania, antecipando o lançamento da segunda candidatura. Viajou por diversos locais do país e surgiu como favorito nas pesquisas até a metade de 1994, quando foi lançado o Plano Real. Ex-ministro da Fazenda e candidato à Presidência, Fernando Henrique Cardoso bate Lula e se elege presidente ainda no primeiro turno. Em 1995, Lula deixa a presidência do PT, assumida por José Dirceu, e passa a ser presidente de honra do partido. É novamente derrotado por FHC no primeiro turno, na disputa presidencial de 1998. Em 27 de outubro de 2002, no dia de seu 57º aniversário, Lula se elege presidente com 61,3% dos votos válidos, derrotando José Serra (PSDB). Assim, se torna o 39º brasileiro a ocupar o posto e é reeleito em 2006.

Paulo Paim lembra que chegar à Presidência sempre foi um desejo de Lula. “Nas nossas conversas, quando éramos deputados constituintes, Lula dizia que não queria mais ser deputado e sim presidente”, recordou.

Olívio Dutra revela que havia um certo receio deles em se dedicarem exclusivamente à política. “Nós achávamos algo perigoso, Achávamos que não deveríamos nos envolver. Mas a vida foi nos levando a entender que a política é uma disputa de poder e que o povo tem que ser sujeito da política”, afirma.

7 – Respeito aos adversários

“O Lula sempre respeitou seus adversários ou aqueles que pensavam diferente dele”, afirma Olívio Dutra.

Ex-presidente do Dieese, hoje membro do PSDB e ex-ministro do governo Itamar Franco, Walter Barelli confirma a consideração que Lula tinha e tem com os opositores. “Ele foi um dos que ligou para o Itamar e me indicou para ser ministro do Trabalho no governo dele. Eu não tinha escolhido partido nenhum na época e, hoje, estou no PSDB”, explica.

Lula fez campanha para FHC quando ele concorreu ao Senado em 1983, em razão da participação de Fernando Henrique nas discussões dos  sindicalistas sobre um novo partido. “No final de 79, quando surgiu a comissão pró-PT, o FHC saiu propondo outro tipo de partido. Mas a gente respeita isso hoje”, disse Olívio.

Já frei Betto cita outro exemplo, para mostrar o respeito de Lua pelos adversários. Ele lembra da época da campanha da primeira eleição direta à Presidência da República. Na época Fernando Collor de Mello usou na sua campanha informações sobre a vida pessoal de Lula, denunciando que ele tinha uma filha fora do casamento. “Sofrer o que ele sofreu na época que concorreu contra o Collor e hoje se relacionar bem com ele como senador é algo raro”, ressalta.

8 – Habilidade para negociação

São recorrentes os episódios em que Lula é chamado para conciliar conflitos internacionais. O mais emblemático foi o acordo entre o Brasil, o Irã e a Turquia em torno da questão nuclear da República Islâmica, em maio deste ano. Lula classificou o acordo de “uma vitória da diplomacia”.

Segundo Adão Villaverde (PT), que conhece Lula desde os anos 70 devido ao movimento sindicalista, a capacidade de negociação é nata em Lula. “Ele é um grande construtor de consenso”, salienta. Frei Betto reforça: “Ele é um grande negociador, mas sem confundir relações políticas com pessoais”.

O senador Paulo Paim (PT) exemplifica o poder de persuasão do presidente. “Quando eu não era filiado a nenhum partido, houve uma disputa do PDT e do PT por minha filiação. Daí chamaram o Lula e em meia hora de papo com ele eu assinei a ficha”, conta.

9 – Brincalhão

Lula foi sempre quem puxou as brincadeiras, nos grupos dos quais participou. Os mais próximos afirmam que ele mantém, desde a época em que era líder sindical, a mesma forma de se relacionar e brincar.

Olívio Dutra revela que Lula gostava de lhe contar piadas sobre gaúchos. “Eu dizia que o povo sábio é o povo que ri de si mesmo. Então, não dava margem para ele me pegar nessas”, fala.

10 – Fala a língua do povo

Uma das principais características do presidente é seu modo de falar: simples e informal. A falta de domínio de outros idiomas nunca foi problema para os diálogos que manteve com chefes de nações estrangeiras.  Frei Betto defende que, por mais que dependa de assessores e tradutores, Lula nunca se sentiu diminuído diante de nenhum dirigente internacional.

Diante de uma multidão ou em reuniões privadas, Lula fala do mesmo jeito. Olívio recorda que a naturalidade independe da figura que está diante dele. “Me marcou uma vez em que, depois de eu ter tido minha primeira conversa com Leonel Brizola, do qual eu ouvia falar em casa, em São Luiz Gonzaga, e a quem tratei com toda a senhoria, pois era alguém importante como Jango e Pasqualini, vi o Lula tratando o Brizola de tu. Era tu pra cá, tu pra lá”, lembrou Olívio, ainda surpresdo com a informalidade com que Lula tratou o lendário trabalhista.

O senador Paulo Paim lembra que, eventualmente, a língua do povo derrapa na concordância do idioma português. “Mas Lula não ter papas na língua e falar como o povo é o que o torna tão carismático”, acredita.


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