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4 de agosto de 2010
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09:00

Plínio de Arruda

Por
Sul 21
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“Nós estamos na oposição feroz”

Rachel Duarte

Na recente visita ao Rio Grande do Sul, o candidato à presidência da República Plínio de Arruda Sampaio (PSol) conversou com o Sul21. Ele recebeu a equipe no hotel  em que ficou durante a última semana de julho. Obediente com a principal refeição do dia, ele concedeu a entrevista enquanto tomava o café da manhã. Entre frutas, pãezinhos e café preto, o socialista criticou a mudança da esquerda no Brasil e o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aos 80 anos, sendo 60 de vida política, ele utilizará como principal arma de campanha a Internet. Não fugiu de temas polêmicos, como homossexualidade, religião e aborto.  Plínio aproveitou também para dar um pitaco no governo gaúcho e criticou Yeda Crusius (PSDB).

– O que o senhor achou de Porto Alegre? Muito diferente da que o senhor já viu em outras oportunidades? Como candidato, já esteve outras vezes por aqui?

Eu vim várias vezes já. Estou vindo com certa frequência.  Gosto muito desta cidade, acho ela gostosa, bonita. Desta vez eu fui até Rio Grande, de carro, e achei muito vazio entre uma cidade e outra. É um latifúndio. O Rio Grande do Sul tem o maior número de terras não tituladas corretamente. A explicação é que essa terra, dos índios guaranis, foi tomada pela burguesia agrária. Eles entraram à vontade por aqui.

– O senhor foi autor do projeto de reforma agrária dos presidentes João Goulart e Luiz Inácio Lula da Silva. Qual a explicação para o governo Lula não ter feito a reforma, já que existia uma grande expectativa que isso ocorresse?

Eu fui para Câmara Federal e lá fui relator do projeto de Reforma Agrária do presidente João Goulart. Os militares não aceitaram e fui cassado na primeira lista. Fiquei no exílio 20 anos, e trabalhando na Reforma Agrária. Então, mesmo não atuando politicamente, diretamente eu me dediquei à mesma causa, a da igualdade social. Ajudei a fundar o Partido dos Trabalhadores.  Fui autor do primeiro rascunho do estatuto do partido. Mas daí o PT tomou uma direção inaceitável. Deixou de ser um partido socialista para ser um partido do establishment. Então eu fui obrigado a me retirar do partido.

Não ter ocorrido a reforma agrária é a demonstração cabal de que o governo Lula está entregue ao imperialismo, ao Fundo Monetário Nacional (FMI). O grande motivo pelo qual não foi feita a Reforma Agrária foi que o custo dela ultrapassava a meta fixada pelo FMI. Ultrapassaria o famoso superávit primário. Então, simplesmente a Fazenda vetou e o Lula não teve coragem de surpreender. É dramático isso. O presidente do Brasil atua em função de uma diretriz externa absurda, contrária aos interesses do país.

– O senhor não reconhece avanços no Brasil nestes oito anos de mandato do presidente Lula?

Eu não acho que houve avanço. O que houve foi um tremendo retrocesso. O que a grande maioria das pessoas não percebe, que é este retrocesso, nós vamos mostrar na campanha. As pessoas estão aparentemente contentes porque não há inflação. Elas tem emprego e uma possibilidade de crédito muito grande, que permite acesso ao chamado consumo de massa (o consumo da classe média, de comprar eletrodomésticos). Há um bloqueio na cabeça das pessoas, que vem desde os anos 90, e hoje o povo prefere não ter mais esperança. Então, isso tudo já é suficiente. O povo já acha bom. Nossa campanha vai mostrar o outro lado, o que está por baixo disso.

–  Há pesquisas que indicam o aumento efetivo na geração de empregos formais, do número de pessoas que saíram da linha da miséria e o bom momento da economia.

Mas nós vamos lembrar as pessoas que enquanto elas levam uma geladeira para casa, que é bom, o filho dela está em uma escola com ensino precário. Se ela não tem plano de saúde bom, ela leve meses para conseguir consulta e anos para conseguir uma cirurgia. A violência atingiu graus inaceitáveis.  Nós vamos mostrar que além deste aspecto positivo da realidade, tem este outro aspecto. E este outro lado é catastrófico. O Lula tem essa votação de aprovação, mas ele não se arrisca a um projeto que a burguesia vete, porque ele não tem coragem. Ele sabe que, numa situação de confronto, não terá o apoio do povo.

– O governo Lula fez jus à história do PT?

O Lula declarou por escrito que iria seguir o programa do governo Fernando Henrique Cardoso. Este programa é neoliberal, claramente de direita. E não foi só isso. Mas eu assinalo que eu não sai do PT por causa do Mensalão, eu sai antes.  Eu sai por causa do desvio do PT para direita.

– O presidente já adotou o discurso de despedida. Qual a sua opinião sobre o que ele irá fazer depois de terminar o mandato?

O Lula vai fazer o que ele sempre fez: política. Como? Não sei. Mas ele encontrará uma forma, porque ele é habilíssimo. Ele encontrará uma forma de permanecer no noticiário. Não será muito cômoda a posição da Dilma, se ela vencer, pois onde ela for haverá o fantasma do Lula. E ela foi escolhida como candidata à presidência exatamente porque o Lula não queria nenhum presidente depois dele com condições efetivas de ter poder, ter prestígio. Porque ele quer voltar.

– Tanto o senhor quanto a candidata Marina da Silva (PV) eram do PT e são candidatos de oposição à continuidade do governo atual. Qual a diferença entre o senhor e a candidata do PV?

Na verdade, a Marina não deixou o PT por uma opção socialista. Ela deixou o PT porque eleitoralmente era melhor para ela. Mas recentemente ela declarou que apoiará a política econômica do presidente Lula. Ora, a política econômica do presidente Lula é a continuação da política do FHC e é uma política de direita. E por isso é que eu fui para o PSol e sou candidato a presidente para fazer a mesma luta: a luta pela igualdade social.

– Há quem diga que a esquerda mudou, mas que essencialmente continua socialista.

Isso é fruto das derrotas sofridas pelo socialismo. As pessoas que não têm uma convicção muito forte começam a achar pretexto para tirar o que é fundamental do socialismo, que é a força. A sua capacidade de negar a desigualdade social e a sua capacidade de afirmar uma coisa importantíssima da vida: a utopia. O homem não pode viver sem utopia. A utopia da igualdade move a justiça, a liberdade. Essas são racionalizações da deserção.

– Existe uma polarização entre a candidata Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) nestas eleições? Qual a expectativa do PSol?

Todo candidato, por menos probabilidade que tenha, tem que organizar a campanha dele para ganhar a eleição. Mas uma candidatura de esquerda não tem especificamente objetivos eleitorais. Ela tem o objetivo de conscientizar a população. De modo que, não havendo vitória, se tiver havido a conscientização de, pelo menos uma parcela da sociedade, ela é uma candidatura vencedora. Indiscutivelmente, vencedora. Nós persistiremos, e vamos trabalhar assim. Num segundo turno, é difícil de dizer, porque a campanha começa de uma forma, mas com a correlação de forças ela não permanece igual, ela muda no decorrer da campanha. Então só na hora que nós tivermos uma condição concreta é que nós vamos poder optar.

– A candidata Marina Silva (PV) é favorecida, já que ela se coloca como terceira via?

Eu acho que a Marina é uma candidata que, objetivamente, surgiu para tirar votos do Lula e com isso agradar o Serra. A atitude dela foi muito decepcionante. Primeiro que ela demorou muito para pedir demissão. E depois, na hora em que ela tem condições de ir para um partido de esquerda, se ela era de esquerda, teria que ser algo consequente. Não, ela vai para um partido duvidoso.

– O PSol rouba votos de quem?

Nós roubamos votos dos dois, porque nós atacamos o Estado e não o governo. Nós queremos confrontar o Estado. O governo Lula ou o governo Serra, para nós, são irrelevantes, porque nós estamos na oposição feroz. Porque são governos que consolidam um traço secular do nosso país que é a segregação social e a dependência econômica.

– O senhor já declarou que num segundo turno entre Serra e Dilma anularia o voto. Essa posição se mantém?

Se a eleição fosse hoje eu proporia ao partido a anulação do voto. Nós não vamos com o nosso voto legitimar uma farsa. O que nós consideramos uma farsa. Não há nenhuma diferença objetiva, concreta entre os dois candidatos. Tanto que o discurso deles é de ataque um contra o outro. Porque eles não querem de fato expor os seus programas, pois eles são iguais.

– Como está organizada a sua campanha?

Nós vamos aproveitar e usar muito a Internet e o twitter, porque eles são baratos e imediatos. A reação não é intermediada, é direta com os eleitores. Isto será um instrumento utilizado exaustivamente para conhecer o nosso eleitor.

– O seu twitter é bem utilizado. Há interatividade entre candidato e eleitor. É o senhor mesmo que escreve?

Eu priorizo responder. E se eu não escrevo,  peço para um dos meus assessores escrever o que eu estou ditando. Quando eu estou impossibilitado de escrever, a minha assessora de imprensa tuíta para mim, mas coloca o nome dela.

– Como o senhor vê a flexibilidade do Tribunal Superior Eleitoral, que  permite a não  participação dos candidatos de partidos com representatividade na Câmara Federal em debates televisivos?

Eu acho isso um absurdo. Acho que o candidato do PSTU, por exemplo, tem todo o direito de ir ao debate. É uma candidatura real, efetiva. Pode não ter representatividade no legislativo, mas representa uma parcela da população. E o debate democrático é onde todas as parcelas da população apresentam suas propostas. Essa é uma das razões pelas quais a eleição acaba virando uma farsa. Eu estou numa guerra tremenda para poder participar do debate. Até agora a rede Globo não deixou claro se irá me levar para o debate. Estou com o argumento judicial prontinho. Se a emissora não se decidir logo, nós vamos entrar com representação.

– O candidato a governador aqui no Estado pelo seu partido, o Pedro Ruas (PSol), sofre a mesma dificuldade. Há ainda um agravante: a governadora Yeda Crusius (PSDB) declarou que não irá a debates dos quais ele participe.

Eu costumo chamar a governadora aqui de “Cruz Crésios”. Porque a sua administração é um horror. Me surpreendeu ela querer buscar a reeleição. Eu imaginei que ela estivesse com o seu prestígio todo abalado. Mas não, ela parece ter um certo percentual. Isso é reflexo da força da publicidade. Tem bilhões para gastar em marketing e o povo desinteressado pela política resulta nisso. E esse é um ponto a ser levantado pelo meu partido na campanha.

– Qual o seu plano de governo?

Nós queremos derrubar o muro que separa os brasileiros. Esse muro é representado, primeiro, pela desigualdade econômica brutal. Depois, pela desigualdade étnica. Depois a desigualdade com aqueles que tem uma atitude sexual divergente daquela que foi imposta pelo moralismo burguês e hipócrita. A nossa campanha é orientada para combater isso. E vai seguir uns pontos fundamentais para fazer isso.

Desconcentrar renda: Nós temos uma reforma agrária real. Toda a propriedade acima de mil hectares será desapropriada para efeito de distribuição da riqueza.

Redução da jornada de trabalho: permitir o pleno emprego. Mas esta proposta segue uma motivação ideológica, porque o ser humano não é burro de carga do capitalismo. Esta contribuição que ele dá para a sociedade trabalhando tem que ter um limite justo, para dar direito ao estudo, lazer.

Educação: estamos com um projeto para uso do dinheiro público exclusivamente nas escolas públicas.

Saúde: estamos propondo a socialização da saúde, tal como na Inglaterra. A saúde não é produto comercial.

Segurança: pensamos que é necessário um somatório de investimentos em emprego, saúde e educação. Não basta só armamento policial. Mas também há necessidade de combater o crime já organizado. Mas sem guerra de Estado. A ideia é qualificar os policiais. Depois, envolver a comunidade no problema da segurança, com a criação de conselhos comunitários.

– Então, na área da segurança, a proposta é dar continuidade à política do governo federal? O modelo de segurança do governo Lula se baseia  na repressão qualificada e nas ações de cidadania.

Olha, eu não conhecia essa política. Mas se é assim, então é. Neste ponto temos uma coincidência.

– A sua origem é o movimento religioso. Qual o peso que a religião tem sobre a política partidária?

Eu fui da JUC. Era um movimento dos cristãos de esquerda. Já era um movimento com uma conotação política. Mas era uma atuação mais no sentido social, religioso, sem propriamente uma definição partidária. Em geral, a religião tem peso na política partidária. Há dois tipos de religiosos: o tradicional, que provavelmente terá resistência a minha candidatura, pois as minhas plataformas são fortes e profundamente ortodoxas.  Consultei vários teólogos, vários moralistas sobre as questões polêmicas como,o aborto, o casamento homossexual. E não há nenhuma incompatibilidade entre estas posições e a fé cristã. Não há. E nós vamos enfrentar isso. Então, possivelmente esta parte mais tradicional da Igreja não estará conosco. Mas a outra parte, que tem uma religião mais autêntica, mais solidária, com princípios de amizade e comprometimento com o social, esta vai votar em mim.

– O senhor terá disposição para governar, caso seja eleito presidente da República?

Na reeleição, posso ter problema de resistência física. Mas, para considerarmos a hipótese de uma vitória nossa, o Brasil teria, necessariamente, que ter mudado muito. A massa teria que ter tomado consciência do seu papel, ter se tornado protagonista. Então, seria perfeitamente viável governar democraticamente com este público, porque existiria uma posição muito forte do povo sobre o Congresso, que influencia diretamente na gestão do país. E com esta sociedade seria possível que o Congresso cumprisse com o seu dever constitucional, que é responder à opinião pública e não legislar por conta própria.


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