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7 de agosto de 2010
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09:00

O peso da fé

Por
Sul 21
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A influência das igrejas na escolha dos governantes

Rachel Duarte

Recordando os tempos da Liga Eleitoral Católica (LEC), a Arquidiocese de Brasília vai promover, a partir de agosto, cursos com lideranças religiosas que orientarão os fiéis sobre como votar nestas eleições. A proposta é que os católicos escolham candidatos com o perfil definido pela Igreja.  Além de párocos, serão convidados a ministrar o curso cientistas políticos e pessoas com formação acadêmica alinhada com a doutrina católica.

Em recente episódio ocorrido em São Paulo , o bispo de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, orientou as igrejas da cidade a pregar, durante as missas, o voto contra a candidata petista Dilma Rousseff (PT). A atitude de Dom Luiz lembra ações de setores conservadores da Igreja contra a ascensão da esquerda no Brasil.

A presidenciável petista, seus adversários e candidatos estaduais dos mais diferentes partidos estão aproveitando para ficar em dia com as lideranças religiosas. Depois da manifestação de Bergonzini, Dilma participou de culto da Associação das Assembleias de Deus do Brasil e aproveitou para afastar a ideia de que é a favor da descriminalização do aborto, um dos maiores tabus dentro do catolicismo, e fez citações bíblicas em defesa da vida.

Outro candidato que teve a oportunidade de ficar em paz com os fiéis eleitores foi José Serra (PSDB). Em maio, em uma das principais festas cristãs (Corpus Christi), o tucano e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), estiveram no Santuário do Terço Bizantino, na capital paulista. A pedido do popular padre Marcelo Rossi, 15 mil fiéis, que participavam de uma missa, oraram pelos candidatos. O padre comandou a missa ao lado do bispo da Arquidiocese de Santo Amaro, Dom Fernando Figueiredo. “Em ano de eleição, orem por nossos amigos, o prefeito Kassab e, de modo especial, por Serra”, pediu padre Marcelo.

Marina Silva (PV) é evangélica e apesar do rótulo, não é a preferida pelos crentes. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, em maio, Marina  teria o voto  de 27% dos espíritas. O desempenho dela entre o grupo era muito melhor do que entre católicos (10%), evangélicos não pentecostais (14%) e evangélicos pentecostais (13%), em que estão seus irmãos de fé da Assembleia de Deus.

Os religiosos e a política

Entre católicos ou evangélicos, a representatividade política sempre foi considerada uma meta para a Igreja. Às vésperas das eleições, a pretensão de fazer nomes no Parlamento incentiva as forças religiosas a prepararem seus rebanhos para a disputa de assentos no Congresso Nacional e na Câmara Legislativa, em Brasília.

Segundo o Padre Geraldo Martins, da Conferência Nacional de Bispos do Brasil, a posição da Igreja não é novidade e as práticas das Arquidioceses são, apesar de independentes, condizentes com os princípios de Roma.  “Está disponível no site da CNBB os documentos com a posição do presidente sobre o momento político nacional e lincks de apoiadores que disponibilizam cartilhas de orientação ao eleitor cristão”, explicou.

De acordo com a nota assinada pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, pelo vice, Dom Luiz Soares Vieira,  e pelo secretário-geral, Dom Dimas Lara Barbosa, o bom momento do Brasil aumenta a responsabilidade do país em superar progressivamente as desigualdades sociais que ainda persistem, em razão da má distribuição da renda.

“Preocupam-nos os grandes projetos, sobretudo na Amazônia, sem levar devidamente em conta suas consequências sociais e ambientais. Permanece o desafio de uma autêntica reforma agrária acompanhada de política agrícola que contemple especialmente os pequenos produtores rurais, como fator de equilíbrio social”, diz o documento.

A instituição também ressaltou a importância da Lei “Ficha Limpa”, como exemplo de participação popular para o aprimoramento da democracia. “Esperamos que seja um instrumento a mais para sanar o grave problema da corrupção na vida política brasileira”, afirmam os bispos na nota.

As congregações evangélicas tem crescido vertiginosamente e com isso, o segmento tem conquistado a cada eleição mais espaço nas tribunas políticas. A expansão é tão natural que no meio a cada dez fiéis, três não aceitam votar em concorrentes não-evangélicos, segundo pesquisa obtida pelo jornal Correio Braziliense.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dão conta de que há na capital da República perto de 1,187 milhão de evangélicos distribuídos em 4,7 mil templos dos mais diversos ministérios. O cruzamento dos resultados obtidos  pelo IBGE com a informação de que 30% dessa comunidade dão preferência aos candidatos da igreja produz um resultado importante.

Na Câmara Legislativa, por exemplo, quatro representantes evangélicos tiveram voz no parlamento local. Aguinaldo de Jesus (PRB), da Igreja Universal do Reino de Deus, Benedito Domingos (PP), que participa da Assembleia de Deus, Bispo Renato (PR), da Igreja do Apocalipse, e, pela Catedral da Bênção, Júnior Brunelli, que renunciou ao mandato de deputado para escapar de um processo de cassação em decorrência do suposto envolvimento com o escândalo da Caixa de Pandora.

Em função do desgaste, Brunelli não será candidato neste ano, mas transferiu para a irmã Lilian seu espólio político. A expectativa é de que ela não tenha dificuldades para se eleger com o apoio da Catedral da Bênção, liderada pelo Pastor Doriel de Oliveira, pai de Brunelli e Lilian.

Adécio Sartori (PDT), fundador da Rádio Nova Aliança, se lançará à Câmara Legislativa. Washington Mesquita, hoje suplente de distrital, buscará em outubro a titularidade do mandato.

Aldecyr Maciel também tentará se juntar à bancada de católicos no parlamento brasiliense, hoje representada pelo presidente da Casa, Wilson Lima (PR), o pedetista José Antônio Reguffe e Rôney Nemer, do PMDB. Todos os candidatos em 2010.

De acordo com o sociólogo  Paul Freston, que palestrou em abril deste ano no encontro promovido pela Igreja Cristã Evangélica de Brasília, a postura de lançamento de candidatos oficiais tem sido uma das piores atitudes políticas que igrejas evangélicas tem tomado. Ele criticou ainda a conduta omissa dos políticos evangélicos  diante do agravamento dos problemas sociopolíticos.

“Para conseguir se eleger, os candidatos fazem aliança com outras religiões, como espíritas, entre outros. E, também, são pessoas com pouca prática na política para poder legislar. Acaba que depois de eleitos, os políticos passam a agir conforme apenas as suas próprias convicções. Por exemplo, se eu sou contra o aborto, não importa qualquer outro argumento, eu vou considerar proibido”, exemplificou.

Religião e eleições
Segundo o sociólogo gaúcho especializado em Ciência Política , Ottmar Peske, a influência da religião não é definitiva nas urnas. Inspirado no conceito marxista da “dominação carismática”, ele afirma que para a religiosidade eleger um candidato teria que haver uma baixíssima passividade dos sujeitos. “Se eu aposto nos votos só dos fiéis, eu não adquiro o número de votos necessários. Existe sim a bancada dos evangélicos, mas depende também do programa e do partido para o candidato se eleger”, disse.

Peske comparou a pouca influência da religiosidade no voto com a mesma falta de identificação de negros, índios ou mulheres com candidatos iguais. Ele disse ainda que assumir a religião pode ajudar os eleitores a conhecerem as preferências dos candidatos, mas usar da fé para obter votos é uma atitude antiética e que fere as próprias convicções religiosas. “Matinho Lutero, na época do Renascimento, fez a Reforma, que separou o Estado da Religião. Não é possível misturar os reinos terreno e divino. Porém, o desencantamento do mundo gerou algumas dificuldades para que, na prática, isso se manifeste em uma eleição”, explicou.

O fator negativo de assumir posição, segundo o sociólogo, é o afastamento daqueles que têm opções diferentes. Ele defende um diálogo plural e concorda com Lutero: “religião e estado não podem se misturar. Um não deve interferir nos princípios do outro”.


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