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30 de junho de 2010
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18:05

O passado e o presente da tortura em debate

Por
Sul 21
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Josias Bervanger

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Casos de tortura em cadeias ocorreram recentemente no Rio Grande do Sul, como na Penitenciária Regional de Caxias do Sul. Lá, onze agentes foram denunciados pelo Ministério Público após serem flagrados torturando dois detentos. Não é algo inédito. A prática de tortura no Brasil foi apontada como uma das principais violações aos direitos humanos no país em 2009, segundo relatório divulgado em maio pela Anistia Internacional.

Força excessiva aplicada por policiais, execuções extrajudiciais, indígenas e líderes comunitários ameaçados por defenderem seus direitos, estes foram alguns problemas identificados no documento. A isso soma-se a existência de penitenciárias em condições degradantes, o que propicia um ambiente de violência. A população carcerária do RS é de mais de 30 mil homens e mulheres, aproximadamente 10 mil acima da capacidade.

Para marcar o Dia Mundial de Combate à Tortura, ocorrido no último dia 26 de junho, o Comitê Estadual Contra a Tortura, formado por entidades governamentais e sociedade, reuniu especialistas no seminário “Tortura: Passado e Presente”, nesta quarta (30).

“A tortura ainda é uma prática atual na humanidade e não algo do passado, como muitos ainda insistem em classificá-la”, opina o promotor de Justiça da Vara de Execuções Criminais Gilmar Bortolotto. Segundo ele, rediscutir o tema no presente serve para preencher as ausências deste debate das violações cometidas no passado, quando não podia se falar do assunto. “Abrir mão da memória e do histórico dos crimes de tortura no Brasil é permitir a continuação das violações dos Direitos Humanos”, avalia Bortolotto.

O promotor ainda classificou o sistema prisional como o mais propício para se constatar a atualidade da tortura no país. “O ambiente carcerário tem um caráter fechado, o que facilita a vedação de informações e a criação de versões unilaterais que encobertem a tortura. O funcionário destas instituições tem que ter discernimento e cuidado para não se contaminar por uma ambiente de barbárie. A cadeia é um local pesado para quem cumpre pena e para quem está trabalhando”, alerta Bortolotto, ressaltando a necessidade de qualificação dos agentes. “No sistema prisional há um equivoco de que para se manter o rigor e a disciplina, o que é algo extremamente necessário em um ambiente hostil, precisa-se violar os direitos humanos. E isso não é verdade”, ressalta o promotor.

Segundo ele, o crime de tortura geralmente não acontece sozinho e vem acompanhado de outras contravenções. “A tortura quase sempre está casada com a corrupção, a falsidade ideológica e outros delitos cometidos para acobertar a sua prática”, diz.

A decisão do Supremo

Programado para dar um testemunho sobre o tema, o ex-deputado estadual Flávio Koutzii, ele próprio vitimado pela tortura durante os governos militares, não se limitou a isso e discorreu de forma ampla sobre o assunto. Não deixou de mencionar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que ao final de abril manteve a validade da Lei da Anistia para agentes do Estado que cometeram violações aos direitos humanos durante a Ditadura Militar brasileira.

“A decisão foi uma completa tragédia. Os historiadores costumam dizer que as encruzilhadas da sociedade brasileira são pactuadas por cima e 30 anos depois da criação desta lei, justamente quando se tinha a oportunidade de rever a anistia aos torturadores, o país se depara com uma decisão que absolve os violadores”, avalia Koutzii, mostrando ceticismo sobre a tentativa de se abolir as práticas de abuso de Direitos Humanos na atualidade. “Se até mesmo nesse governo, do qual sou partidário, não foi possível enfrentar um tema desses, fica difícil acreditar no fim das violações na atualidade. Houve inclusive o posicionamento de um ministro de Estado , o Nelson Jobim, da Defesa, achando que discutir a lei que anistia aos torturadores seria uma provocação e revanchismo”, destaca Koutzii.

O ex-deputado falou também que a defesa dos Direitos Humanos é um amparo do Estado Democrático de direito “Defender os direitos humanos não é uma bandeira de quem foi torturado ou de quem tem determinado posicionamento político, mas sim de toda a sociedade”, avalia Koutzii.

O ex-deputado ainda falou sobre a atualidade da prática de tortura no Brasil. “A tortura é mais que um mecanismo usado para se obter resultados. Ela é a tentativa metodológica para se degradar o ser humano. E eu tenho receios que o desespero da sociedade atual, sentindo-se ameaçada pela violência, acabe por legitimar instrumentos  que violam os direitos humanos, em busca de resultados que queiram pretensamente solucionar os problemas de segurança publica.”

A tribuna livre “Tortura: Passado e Presente” também contou com outros painéis, como o “Memória e verdade: histórico e atualidade, com Tatiana Lenskij, representante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e “Pastoral Carcerária: as possibilidades de ressocialização”, com Manoel da Silva, representante da Pastoral Carcerária. E ainda “Comentários à decisão do STF sobre a Lei da Anistia”, com João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Ajuris.


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