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29 de junho de 2010
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17:39

Cobertura de saúde mental triplica e alcança 63% dos brasileiros

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Sul 21
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Ministério credencia mais 28 Centros de Atenção Psicossocial. Conferência discute a Reforma Psiquiátrica e uso de drogas no país

Portaria publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (29) autorizou o funcionamento de mais 28 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil. Com isso, o número de instituições que garantem atendimento humanizado a pessoas com transtornos mentais, como depressão e esquizofrenia, saltou de 424, em 2002, para 1.541, em junho deste ano. Nesse período, a cobertura do serviço foi ampliada de 21% da população para 63%.

O Ministério da Saúde liberou R$ 8,4 milhões para o custeio dos novos CAPS. Eles estão distribuídos nos seguintes estados: Bahia (5), Pernambuco (4), Ceará (3), Minas Gerais (2), Goiás (2), Santa Catarina (2), Paraíba (2), Amazonas (1), Maranhão (1), Mato Grosso do Sul (1), Paraná (1), São Paulo (1), Rio de Janeiro (1), Rio Grande do Norte (1) e Rio Grande do Sul (1).

O atendimento comunitário, oferecido pelos CAPS, é um dos temas que estão sendo discutidos na IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (IV CNSM-I), em Brasília. Até quinta-feira, especialistas, autoridades do setor e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) discutem propostas para melhor o atendimento de transtornos mentais no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
“Esses centros são serviços abertos que estimulam o tratamento do doente mental sem ele precisar sair da comunidade. O paciente mantém os laços com a família e pode continuar trabalhando”, explica o coordenador de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado. Dos 1.541 CAPS, 242 são exclusivos para receber dependentes de drogas.

Cerca de 1,5 mil pessoas participam da Conferência de Saúde Mental. Os debates, em três dias, estão centrados na consolidação da rede de atenção psicossocial e a as ações de inclusão para crianças e adolescentes com transtornos mentais. Também estão em discussão políticas específicas para enfrentar a dependência de álcool e outras drogas. O relatório final, com propostas que deverão ser implementadas pelo governo federal, será votado na próxima quinta-feira. (Com Assessoria de Imprensa do Ministério da Saúde)

No RS, Hospital S. Pedro guarda resquícios de modelo manicomial

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado brasileiro a ter uma lei de reforma psiquiátrica. Em 1992, nove anos antes da aprovação da lei nacional, o estado determinava, por meio da Lei nº 9.715, a proteção aos portadores de transtorno psíquico e a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção integral em saúde mental. Dezoito anos depois, o Rio Grande do Sul ainda guarda resquícios do antigo modelo.

Em Porto Alegre, o Hospital Psiquiátrico São Pedro, criado em 1884, é a lembrança ainda viva dos tempos de encarceramento da loucura. O prédio de arquitetura neoclássica, com 12.324 metros quadrados e seis pavilhões, chegou a abrigar 5 mil pessoas.

Hoje são cerca de 500 pacientes; 293 ainda vivem no modelo asilar. A maior parte é de mulheres que estão há mais de dez anos na instituição. O restante, cerca de 200, recebe tratamento de urgência e emergência e fica hospitalizado por períodos curtos. Destes, 70% buscam atendimento por uso de drogas, principalmente crack.

Segundo o diretor do hospital, o psiquiatra Luiz Carlos Coronel, 80% dos moradores precisam de ajuda para comer e fazer a higiene pessoal. Além do distúrbio mental grave, 90% têm doença clínica e 20% são cegos. “A maioria deles tem mais de 60 anos, metade é esquizofrênica e a outra metade tem retardo mental, mas são bem cuidados”, afirma.

Luiz Carlos Coronel discorda da necessidade de fechamento dos hospitais psiquiátricos. “Não é possível uma sociedade sem hospitais psiquiátricos como não é possível sem prisões. O sonho acabou. Eu também faço parte da geração que era contra as prisões e os manicômios na década de 70, mas não dá para abrir mão dos hospitais.”

A irmã Paulina, que dedicou boa parte de seus 80 anos ao atendimento a doentes no Hospital São Pedro, diz que o trabalho da instituição foi importante e relembra com entusiamo o surgimento de métodos de tratamento hoje em desuso no país.

“O eletrochoque foi a salvação do São Pedro. Quantos doentes catatônicos e esquizofrênicos que morriam, que não queriam comer nada. Depois com dois ou três eletrochoques eles melhoravam. Era o começo do viver”, destaca a irmã, que é técnica em enfermagem, mas hoje apenas presta orientação religiosa aos pacientes. Atualmente, o Serviço Único de Saúde (SUS) não repassa recursos para o tratamento com eletrochoques.

De acordo com a psicóloga e professora de residência integrada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra Fagundes, o Hospital São Pedro ainda mantém muitas características do modelo anterior à reforma antimanicomial, com regras disciplinares extremamente rígidas e descuido com os internos. “Os pacientes ainda adoecem por descuido, contaminação por doenças de outros pacientes e desnutrição”, diz.

Segundo a representante do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul Fátima Fischer, é forte a resistência dos psiquiatras do hospital às mudanças determinadas pela reforma. “O que está em questão é o poder da ciência psiquiátrica, que agora está fragilizado, já que a reforma trabalha com uma equipe multidisciplinar.”

A direção do hospital autorizou a reportagem da Agência Brasil a conversar com alguns pacientes indicados que vivem na Unidade Morel, considerada exemplar pelos gestores da instituição por estimular a autonomia dos internos com atividades artísticas e na área de culinária. No local, há pessoas internadas há mais de 15 anos. Cerca de 30% são oriundos da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).

Um dos pacientes é Carlos Langoni, 56 anos. Ele afirma que quer voltar para Esteio, cidade na região metropolitana de Porto Alegre onde vivia antes de ser levado para o Hospital São Pedro. “Aqui é bom e é ruim, por isso quero ir embora para Esteio. Eu não tenho mais família lá, mas quero ir embora.”

(Por Lisiane Wandscheer, enviada especial da Agência Brasil)


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