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22 de maio de 2010
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16:44

Pensar, um ato político: O aconchego do pensamento coletivo

Por
Sul 21
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Clarissa Pont

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Para Contardo Calligaris, só o foro íntimo livra o homem da barbárie. O psicanalista italiano radicado no Brasil e autor de incontáveis colunas durante mais de uma década de Folha de São Paulo esteve em Porto Alegre, nesta sexta-feira (21), pra falar sobre realidades e irrealidades brasileiras no 6º Fórum Político da Unimed. Contardo reuniu uma partida entre Corinthians e São Paulo e o assassinato do pataxó Galdino Jesus dos Santos para responder: Pensar é um ato político¿ Ou melhor, como fazer do pensar um ato político¿ Entre as analogias futebolísticas e piadas de psicanalista, Contardo definiu o pensamento coletivo como aconchego, que demanda a perda da individualidade para que exista.

Ele explica melhor: “Eu estava em uma grande torcida de futebol, circundado de dezena de milhares de corintianos, entre os quais dois amigos. A cada vez que a bola ia para os pés de um jogador do São Paulo, eles gritavam “bicha, bicha!”, sendo que um deles é homossexual. E não creio que o outro acredite que chamar alguém de bicha seja um insulto. Mas é o que acontece quando se está entre dezenas de milhares de pessoas. A troco de quê nos estádios ou na frente da TV, onde a torcida se configura da mesma forma, um torcedor civil deseja a sensação aconchegante de ser um membro da Dragões da Fiel, da Independente, da Falange Tricolor?”

Segundo Contardo, justamente pelo aconchego, termo que explicaria o pensamento coletivo que permite suspendermos as complicações, os conflitos e as incertezas do pensamento individual. No fundo, seria se perder, perder a individualidade no pensamento coletivo. Para o psicanalista, os exemplos são vários, como quando há 13 anos, no dia 20 de abril de 1997, cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul. Todos fugiram, mas um chaveiro anotou o número da placa do carro dos assassinos e os entregou à polícia. Galdino morreu vítima de queimaduras em 95% do corpo, encharcado por 1 litro de álcool. Ele chegara a Brasília no dia anterior, 19 de abril, Dia do Índio, para participar de manifestações pelos direitos indígenas.

“Eu tenho o maior desprezo pelos autores dessa história, mas vocês acham que individualmente eles fariam isso? O que aconteceu ali foi um evento de grupo. Na época, várias explicações foram buscadas: que o índio não era visto como semelhante, se falou da miséria moral da classe média, no desprezo com os mais pobres. Mas não se falou do efeito gangue, o efeito bando. O problema não fosse tanto queimar um índio ou uma pessoa que dormia num ponto de ônibus, o problema era desistir de pensar por conta própria para fazer parte daquele grupo”, resume Contardo.

De toda forma, para o psicanalista, é impressionante como o Brasil mudou. “E não porque não vão mais colocar fogo num índio numa parada de ônibus, mas porque ficou cada vez mais difícil interpretar a realidade brasileira a partir de termos exóticos, do ponto de vista do cartão postal”.

Governados ou dominados?

Após este prólogo, o convite a Contardo era debater governabilidade. E os grupos tornam os homens mais governáveis¿ Para ele, sim. “Os pensamentos coletivos têm como corolário desistir de pensar por conta própria, detém as pessoas de pensarem por conta própria”. Mas, se isso acontece, há também uma grande diferença entre dominar e governar. “E é mais fácil dominar que governar. E muito mais tentador ser dominado do que ser governado. Por isso, é interessante para um psicólogo desmascarar os pensamentos coletivos, porque nem todos que são coletivos assim se parecem”.

Por fim, Contardo fez uma crítica à busca desenfreada pela felicidade, seja lá onde ela esteja, ou quê signifique. “Existem dois erros fundamentais aí. Primeiro, que a procura da felicidade é uma espécie de direito fundamental do individuo. Supõe que os governos sejam instituídos para que a gente possa buscar a felicidade. Se você pensa assim, você tem que definir um pouco a felicidade em termos coletivos”. Mas Contardo defende que a fronteira entre o que seria uma idéia da felicidade e a invenção de um pensamento coletivo sobre a mesma é movediça e cinzenta. “Por exemplo, em pesquisas se vê que a mobilidade social, a ampliação da renda, não são motivos de felicidade para as pessoas”, por incrível que pareça. “E é este tipo de pensamento coletivo que torna as pessoas dominadas, e não governadas”, completa

Resta pensar se, para se fazer política, são necessários o aconchego do pensamento coletivo e a negação do indivíduo? O senso comum é naturalmente anti-político? Ou, pelo contrário, extremamente político? O senso comum nos captura na cumplicidade para desistir do pensamento¿ E a culpa é de quem¿ No que Contardo arrebata: “Nem do governo, nem da mãe, o problema é entender que a culpa é da gente”.

Em ano de eleições presidenciais, a Federação Unimed do Rio Grande do Sul se propôs a debater, em seu 6º Fórum Político Unimed/RS, o tema “Pensar: um ato Político”. O encontro reuniu políticos, jornalistas e médicos no Centro de Eventos do BarraShoppingSul. Da discussão deve sair um documento que mostre aos presidenciáveis as reivindicações e idéias da Unimed para o país.


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