Últimas Notícias>Política
|
21 de maio de 2010
|
06:00

OEA julga Brasil pelo caso Araguaia

Por
Sul 21
[email protected]

Em São José, na Costa Rica, o país responde na Corte Interamericana de Direitos Humanos

Josias Bervanger

[email protected]

Apesar da decisão do Supremo Tribunal de Federal de manter a anistia aos torturadores que agiram no período da ditadura (1964-1985), a discussão sobre o tema continua. Nesta sexta-feira, 21, é o último dia do julgamento do Brasil na OEA (Organização dos Estados Americanos).  Em São José, na Costa Rica, o país responde na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo caso 11.552, de autoria de Júlia Gomes Lund, mãe de Guilherme Lund. Aos 26 anos, Guilherme desapareceu no episódio de detenção, tortura, assassinato e sequestro de pelo menos 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil, ligadas à Guerrilha do Araguaia, em confronto com as Forças Armadas.

Em 1982, os familiares desses desaparecidos moveram uma ação ordinária perante a Justiça brasileira com o objetivo de localizar seus entes e obter informações oficiais sobre o caso. Treze anos depois, em 1995, nenhum encaminhamento havia sido feito por parte do governo brasileiro e diante desta omissão os familiares denunciaram o caso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Diversas audiências se sucederem sobre o caso até que em 2008, a entidade internacional recomendou ao Brasil a punição dos responsáveis pelo caso Lund. E um ano depois, diante do prolongamento da impunidade aos torturadores, a OEA decidiu levar o assunto à Corte, e abriu processo contra o Estado brasileiro. De acordo com a demanda apresentada à Corte Interamericana, “as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação dos familiares”, diz o texto.

A Comissão solicitou à Corte Interamericana que responsabilizasse o Brasil pelo descumprimento de seus deveres internacionais, ao violar a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, e adotar disposições de direito interno da Convenção Americana de Direitos Humanos. Além disso, o Brasil foi enquadrado nos termos de direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal, garantias judiciais, liberdade de pensamento e expressão e proteção judicial da Convenção.

A OEA não tem poderes para fazer cumprir uma condenação. Mas, na prática, é difícil algum país contrariar uma decisão da Corte, pois isso acarretaria reflexos políticos pesados diante da comunidade internacional. A decisão não comporta apelação.

O mais provável é a Corte declarar que a Lei da Anistia brasileira não abriga os crimes do Araguaia julgados nos dias 20 e 21 deste mês. Isto significa, na prática, desautorizar a mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que referendou a legislação sobre anistia aos torturadores no Brasil. E, neste caso, indicar que o Estado brasileiro investigue e puna os responsáveis pela detenção, tortura, assassinato e desaparecimento dos guerrilheiros.

Membro de instituições como a ONU (Organização das Nações Unidas), o Brasil referenda acordos internacionais que defendem que o julgamento de certos crimes transcende a fronteira dos países envolvidos e são de comum interesse a toda a humanidade. Essas apreciações ganharam força ao final da Segunda Guerra Mundial, a partir das ações do Tribunal de Nuremberg, quando foram julgados os crimes cometidos pelos agentes do regime nazista. Neste período, foi convencionado que tais delitos são crimes de lesa-humanidade. Enquadram-se nesses casos, os delitos cometidos por motivações políticas pelos Estados Nacionais contra seus próprios cidadãos. Desde então, quando uma pessoa não consegue obter justiça em seu país, nos casos de crimes contra a humanidade, pode recorrer a órgãos internacionais, como fizeram os familiares dos guerrilheiros.

Esta é a primeira vez que a entidade internacional julga um acontecimento referente à ditadura militar do Brasil. No documento apresentado à Corte, a OEA não esconde a intenção de tratar o caso como uma boa oportunidade de consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia dos Estados Nacionais em relação aos Direitos Humanos. Além disso, o documento ressalta “a necessidade dos Estados de fazer a sociedade conhecer a verdade, e investigar, processar e sancionar as graves violações de direitos humanos”, diz o documento.

Em relação às convenções internacionais, a Lei de Anistia brasileira, referendada pela decisão do Supremo ao final de abril, apresenta evidentes discrepâncias com a Convenção Americana. Isso acontece tanto em relação às violações de direitos humanos, como à incompatibilidade das leis de sigilo de documentos, a fim de reparar as vítimas e promover a consolidação do estado democrático de direito no Brasil.

Apesar da audiência terminar nesta sexta-feira, 21, a decisão da Corte Interamericana deverá ser apresentada dentro de um prazo de um a sete meses, em uma reunião fechada e restrita aos juízes. O julgamento que termina hoje é aberto ao público pré-inscrito.

Vitor Necchi: “O conluio em nome do silêncio”

Paulo Abrão: “Suprema Impunidade”

Humor: Eugênio Neves: Os arquivos da Ditadura

Audiovisual : asssita abaixo o vídeo produzido pela Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro sobre a abertura dos arquivos da ditadura brasileira.



Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora