Últimas Notícias>Política
|
17 de maio de 2010
|
14:17

As drogas e os vícios do preconceito

Por
Sul 21
[email protected]

Josias Bervanger

[email protected]

Proibir o debate sobre política de drogas no Brasil pode ser considerada a pior maneira de encontrar saídas para o problema.  Discutir, informar e encarar este tema é o melhor remédio, é o que defende o sociólogo Luis Eduardo Soares.  Ele acredita que a guerra às drogas fracassou, por causa do medo da sociedade em debater uma nova política de drogas. “Nessa hora, o que fala mais alto é o tabu e o preconceito. E o que deve nortear este debate é a racionalidade.” Soares foi secretário nacional de Segurança Pública em 2003 e atualmente é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estácio de Sá.

Com a lei 11343 (de 2006) sobre o consumo e o tráfico de drogas, o usuário recebe penas alternativas à prisão. Já o tratamento dado ao comerciante de entorpecentes ficou mais rígido. Mas de acordo com o sociólogo, a diferenciação entre traficante e o consumidor ainda é uma interpretação que leva em conta a raça e a classe social. “A autoridade policial ou o juiz olham diferente para um branco de classe média portando 50g de maconha do que para um negro pobre, flagrado com a mesma quantidade. O primeiro é usuário e o segundo é traficante. É o que acontece na maioria dos casos”, critica.

Luis Eduardo Soares ressalta que a pergunta que deve ser feita não é se o consumo de drogas deve ser liberado ou não. Segundo ele, este questionamento já estaria respondido pela prática. “A realidade atual mostra que o proibicionismo não apresenta resultados eficazes, pois o tráfico cresceu e a corrupção e o consumo aumentaram nos últimos anos. O usuário, ao invés de procurar ajuda, sente-se estigmatizado e ignora os males das substâncias que ingere. No atual cenário, qualquer pessoa tem acesso a todo tipo e quantidade de drogas. A partir de um controle do Estado, poderia se trabalhar melhor para desenvolver medidas nas áreas de saúde, educação e segurança”. Soares ainda lembra que os Estados Unidos investiram, no último ano, 100 bilhões de dólares na guerra ao tráfico “sem nenhum sucesso”, segundo ele.

Perfil dos condenados por tráfico

Do total de presos por tráfico, no Brasil, 70% são réus primários, com bons antecedentes, e não têm qualquer ligação com o crime organizado. Além disso, a maior parte destas pessoas foi presa sozinha, com pouca quantidade de drogas e sem armas. Estas são algumas das conclusões da pesquisa Tráfico e Constituição, um estudo sobre a atuação da Justiça Criminal do Rio de Janeiro e do Distrito Federal no crime de drogas.

Realizado entre março de 2008 e julho de 2009, o levantamento é inédito no Brasil e foi encomendado pelo Ministério da Justiça à Universidade Federal do Rio de Janeiro e à Universidade de Brasília. Em cima destes dados, o Governo Federal quer debater uma nova legislação sobre o tema. “O objetivo da pesquisa é justamente problematizar e desideologizar o debate. A atual discussão deste assunto esta impregnada por um ideário repressor que acaba ignorando as conseqüências violentas que isso traz”, diz Pedro Abramovay, ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

O objetivo da pesquisa é gerar dados. “Não podemos limitar as políticas públicas de drogas em escolhas como a pena de morte para quem usar drogas, ou simplesmente se legalizar tudo e o país virar um grande latifúndio de maconha. É preciso analisar a situação com informações concretas e sem moralismos. O Irã, por exemplo, segundo a Organização das Nações Unidas, é o maior consumidor de ópio do mundo e tem pena de morte para este delito”, ressalta Abramovay.

Os dados do Ministério da Justiça mostram que os condenados por tráfico de drogas no Brasil representam o segundo maior contingente do sistema carcerário. São quase 70 mil pessoas, um número atrás apenas do crime de roubo qualificado, com 79 mil presos.

Com a pesquisa, o Governo Federal quer estimular o debate no Congresso, para que surjam mais ações de educação, segurança e saúde. Segundo o então secretário do Ministério da Justiça, em nenhum momento se pensa em humanizar o tratamento com o tráfico. “Os dados apontam que há algo errado já a partir do perfil do condenado. Deixar uma pessoa, com a característica da grande maioria dos condenados por tráfico no Brasil, presa por um ano, não é a melhor estratégia para diminuir a violência e a criminalidade. Por outro lado, são necessárias ações enérgicas, e, por isso, a Polícia Federal intensificou o combate ao crime organizado que atua com o tráfico de drogas, com ações de inteligência e repressão na fronteira”, frisa.

Os processos criminais dependem de uma classificação prévia realizada por um policial, no momento da abordagem. A professora de Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, Helena Barros, também consultora da Secretaria Nacional Antidrogas do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, lembra que este agente do Estado irá encaminhar o sujeito à Justiça. Ele pode servir como testemunha, contribuindo para julgar a pessoa como traficante ou usuário. “Temos que nos preocupar também”, diz ela, “com a qualificação destes profissionais, que estão lidando diretamente com as drogas”. Ajudaria muita se a lei fosse mais clara na diferença entre usuário e traficante, afirma. Uma delimitação mais precisa contribuiria com a abordagem e o encaminhamento à Justiça.

Segundo a professora, a Secretaria Nacional Antidrogas tem investido em cursos de qualificação sobre o tema para agentes de saúde e segurança “Na verdade, toda a sociedade deve se envolver nesta discussão. E eu não vejo atualmente isso acontecer”, afirma a professora.

A experiência bem sucedida de Portugal

De acordo com Helena, os países que se limitaram a descriminalizar as drogas, sem um amparo de políticas públicas integradas em educação e saúde, estão revendo estas decisões. “É necessário um modelo de múltipla ação em diversas áreas. Acredito que Portugal conseguiu avançar numa política de drogas porque acertou nas tipificações do que é o usuário e o que é o traficante. Além disso, apresentou políticas públicas integradas de repressão, saúde, tanto na prevenção como na redução de danos e educação.

Em entrevista concedida em novembro do ano passado ao site Comunidade Segura, que aborda assuntos de segurança pública, o presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência de Portugal, João Goulão, relatou como é a experiência bem sucedida de abordagem das drogas em seu país.

Em 1999, numa atitude pioneira, Portugal aprovou uma lei que descriminalizava o consumo de drogas. Hoje, o país colhe os frutos de uma mudança que João Goulão, presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT), encara como sendo parte da resolução do problema, importante para a harmonia da lei com as práticas e as pessoas.

Para ler a entrevista na integra, acesse  aqui


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora