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31 de maio de 2010
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18:27

Aborto: quem já fez é casada, tem religião e filho

Por
Sul 21
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Pesquisa revela perfil de quem já abortou. Dados serão usados para definir novas políticas públicas

Priscilla Borges

iG Brasília

As mulheres que realizam aborto no País não são muito jovens, solteiras e sem religião. Um estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) e a Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero quebra o estigma de que quem realiza aborto não quer filhos ou não tem valores religiosos.

A Pesquisa Nacional do Aborto revela que elas são numerosas: uma em cada cinco mulheres brasileiras já fez algum aborto ao longo da vida. A maioria (60%) realizou o último ou único aborto da vida no ápice da vida reprodutiva – entre 18 e 29 anos –, sendo o ápice da incidência entre 20 e 24 anos (24%). Dois terços das mulheres que abortaram são católicas e um quarto, protestante ou evangélica. Hoje, 64% são casadas e 81% têm filhos.

“Elas são a irmã, a mãe, a prima ou a vizinha de todos nós. É uma mulher comum que, por diferentes razões, não quis ter aquele filho. Não por falta de valores, mas por decisões de natureza reprodutiva”, destaca um dos coordenadores da pesquisa, sociólogo e professor da UnB, Marcelo Medeiros. Para ele, os resultados reforçam a tese de que não se deve criminalizar o aborto. “Temos de ter polícias públicas mais eficientes e de fácil acesso”, diz.

O estudo foi financiado pelo Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Este ano, a pasta vai dobrar os investimentos feitos para adquirir métodos contraceptivos. Só com a compra de anticoncepcionais serão gastos R$ 50 milhões. No total, serão gastos com contraceptivos R$ 72 milhões. É a maior quantidade de recursos já destinados a essas políticas pelo ministério.

Desde 2008, todos os municípios brasileiros recebem pílulas, que são distribuídas a 34,5 milhões de mulheres pelo Sistema Único de Saúde. Nos últimos cinco anos, o investimento do MS em planejamento familiar passou de 10,2 milhões (em 2003) para R$ 35,1 milhões (em 2009). De 2003 para 2009, houve uma queda no número de curetagens realizadas em pacientes que tiveram aborto de 240 mil para 200 mil. “Não temos outra explicação para essa redução que não a ampliação do acesso gratuito a métodos anticoncepcionais no SUS”, comenta o assessor especial do Ministério da Saúde, Adson França.

Adson diz que o ministério pretende incentivar a utilização do DIU, que ainda é de 1,5% do País. “A pesquisa mostra que precisamos persistir no caminho do investimento em métodos contraceptivos. O aborto é um problema de saúde publica. Cabe ao ministério propiciar mais informações aos legisladores e à sociedade e acolher de forma qualificada as mulheres que chegam ao SUS com complicações”, afirma.

Internações hospitalares

Marcelo ressalta que há outros dados revelados pela pesquisa que impactam diretamente nos sistemas de saúde. Metade das 2.002 mulheres entrevistadas precisou ser internada por causa de complicações após o aborto. “Para chegarem aos hospitais, foram implicações graves. Nós sabemos que, se o aborto é feito sob supervisão médica, isso não acontece. Precisamos tratar o aborto não como crime, mas sim como um problema de saúde pública”, afirma Marcelo.

A pesquisa revela ainda que metade das mulheres que fizeram aborto recorreu a medicamentos para induzir a perda do bebê. “Ninguém gostaria que alguém fizesse um aborto, mas isso implica investir em mais métodos contraceptivos, programas de educação sexual e mais debates sobre sexo e reprodução. Esse assunto não diz respeito só às mulheres, é um problema de todo mundo”, pondera.

O estudo foi realizado somente em áreas urbanas e com mulheres alfabetizadas. Todo o trabalho de entrevistas foi feito pelo Ibope Inteligência, que faziam uma pergunta principal às mulheres: “Você já fez aborto?”. Os questionários respondidos pelas voluntárias foram depositados em uma urna. Os dados foram publicados como artigo científico na Revista Ciência e Saúde Coletiva.

“Como é um tema polêmico, nos resguardamos em todos os sentidos para garantir a eficácia estatística e científica da pesquisa”, conta Marcelo. Durante dois anos, os pesquisadores revisaram as publicações nacionais – e algumas internacionais – sobre o tema. Ainda fizeram três pré-testes de aplicação dos questionários em áreas pequenas do País.


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