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3 de dezembro de 2019
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14:36

Jornalistas da Telesur e da RT News apontam bloqueio midiático em crises na América Latina

Por
Sul 21
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137 delegações vindas de 37 países participam do Congresso Internacional de Comunicação | Foto: Marco Weissheimer/Sul21

Marco Weissheimer, de Caracas 

Criar uma plataforma continental de comunicação, uma rádio de cobertura internacional e uma Universidade Internacional da Comunicação, capazes de produzir e distribuir conteúdos informativos, bem como gerar formação técnica e política em matéria de comunicação. Esses são alguns dos principais objetivos das 137 delegações vindas de 37 países que participam em Caracas, de 2 a 4 de dezembro, do Congresso Internacional de Comunicação. Organizado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), atendendo acordos firmados no XXV Encontro do Foro de São Paulo, realizado na Venezuela, em julho de 2019, o evento pretende fortalecer uma articulação internacional na área da comunicação para enfrentar a ofensiva de direita e extrema-direita na América Latina contra governos e movimentos sociais e políticos que contrariem os interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos.

No primeiro dia do encontro, todas as delegações ouviram um agradecimento reiterado por terem aceito o convite de participar do encontro em Caracas. “Sabemos que não é fácil, no atual momento político do continente, vir participar de um encontro como esse na Venezuela,” disse Patrícia Villegas, presidenta da Telesur. O agradecimento valeu especialmente para delegados e delegadas de países que estão vivendo situações abertas de conflito social e de golpe de Estado, como Bolívia, Chile, Colômbia e Haiti. A cobertura jornalística nos conflitos que afetam esses países atualmente foi tema do painel realizado na manhã de segunda-feira (2), no Teatro Teresa Carreño.

Jornalistas da Telesur, da RT News (canal de televisão russo) e de outros veículos relataram algumas situações que enfrentaram nestes conflitos e denunciaram uma combinação de falsos testemunhos e de bloqueio informativo promovido pelos grandes meios de comunicação na região. Patrícia Villegas destacou o trabalho que vem sendo realizado pela Telesur e o acúmulo conquistado por ele nos últimos anos. “Nossa comunicação não pode mais ser chamada de alternativa. Temos um trabalho de alcance global. Fazemos jornalismo e não panfleto. Trabalhamos com critérios de apuração rigorosa, ética jornalística, respeito pelo outro e compromisso com o povo da América Latina. Já somos muitos e muita gente nos vê e nos ouve”.

Repórter e correspondente internacional, Madelein Garcia, afirmou que a essência do trabalho da Telesur é buscar a verdade. Ela citou o caso da cobertura da “Batalha das Pontes”, ocorrido no dia 23 de fevereiro deste ano, na fronteira da Venezuela com a Colômbia. Na ocasião, com apoio dos governos dos Estados Unidos e da Colômbia, setores da oposição liderados por Juan Guaidó tentariam entrar a força no território venezuelano, supostamente com uma “missão de ajuda humanitária”. “Naquele dia, sabíamos que havia uma ameaça de ocorrer uma agressão muito forte contra a Venezuela. A Colômbia fechou a fronteira e foi programado inclusive um concerto com artistas famosos para apoiar o ingresso da ‘ajuda humanitária’. A ideia era entrar na Venezuela de qualquer forma”, relatou Madeleine.

Madelein Garcia, da Telesur (Reprodução)

Segundo a jornalista, do lado venezuelano, milhares de pessoas, de todas as idades, se mobilizaram junto à ponte Simon Bolívar em defesa da soberania do país. Havia uma linha da Polícia Nacional, uma segunda linha dos militares e uma terceira linha, onde estava o povo mobilizado. Por volta das 7 horas da manhã, soou uma sirene e duas “tanquetas” (veículos leves blindados), dirigidas por três militares venezuelanos que decidiram desertar, avançaram na direção do lado colombiano, atropelando várias pessoas. “A ideia era montar uma cena de uma suposta agressão praticada por militares venezuelanos. A Telesur mostrou o que outras TVs não mostraram”. Mesmo atropelando várias pessoas, quando chegaram do outro lado, nada aconteceu com esses militares. “Eles são nossos” foi o sinal para que não fossem agredidos, relatou Garcia. “Nós estávamos em quatro jornalistas do lado venezuelano, eu, dois câmeras e uma jornalista do Brasil de Fato. Do outro lado, havia um enxame de jornalistas”.

Érika Ortega, correspondente da RT News, contou que, desde 2004, cobriu todas as tentativas de desestabilização e derrubada do governo venezuelano. A partir da experiência acumulada em todo esse processo, até hoje ela não acredita que a morte do ex-presidente Hugo Chávez tenha ocorrido por “causas naturais”. “Para mim, a causa da morte de Chávez não foi por causas naturais. Não tenho provas disso, mas espero um dia ter”, afirmou. Érika criticou o papel desempenhado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) neste processo. “Cada vez que havia uma reunião da OEA, ocorria alguma mortandade na Venezuela”. A jornalista falou sobre o drama de ser mãe de uma filha pequena e de ter que cobrir na rua a tentativa de instaurar uma guerra civil no país.

Erika Ortega, da RT News

Emocionada, ela lembrou a ocasião em que presenciou sua colega Madeleine Garcia quase ser atingida por um coquetel molotov e ser queimada viva e o caso de Orlando Figuera, apoiador chavista que foi queimado vivo por opositores. “Queimaram vivo um compatriota porque ele era negro e pobre. Não houve um único canal de TV internacional que contou a história desse assassinato vil”, protestou. Apontado como responsável pelo assassinato, Enzo Franchini Oliveros foi preso na Espanha. A Venezuela pediu, sem sucesso, a extradição de Oliveros ao governo espanhol.

Marco Teruggi cobriu o processo do golpe contra Evo Morales na Bolívia e essa experiência, para ele, reforçou algumas convicções. “A Venezuela é uma escola de muitas coisas, especialmente de como se agride uma experiência que ousa adotar uma agenda antiimperialista. Muitas das coisas que aconteceram aqui, estão acontecendo agora em outros países. Há uma assimetria muito grande na cobertura midiática dessas situações. Nos momentos de crise, essa assimetria fica evidente. O simples fato de falar que não houve um golpe na Bolívia já é uma tomada de posição. Fazer jornalismo na Bolívia hoje é enfrentar um governo que é inimigo desse trabalho”.

Teruggi relatou que, durante as manifestações contra o golpe na Bolívia, as pessoas só tinham confiança em alguns jornalistas de canais internacionais. “No Equador e na Bolívia, tiraram o sinal da RT do ar e perseguiram a Telesur. Hoje, na América Latina, a Telesur e a RT estão contando a história que os grandes meios não contam”. Diante deste cenário de bloqueio midiático, Marco Teruggi alertou para a necessidade de uma rápida adaptação. “Precisamos sair do piloto automático. É preciso acelerar, se adaptar e ter uma estratégia continental”, defendeu.

Na avaliação dos jornalistas que participaram do painel, há um processo de ofensiva política conservadora visando a desintegração de todas as experiências progressistas na região e o papel da comunicação é estratégico ao se lidar com esse cenário. “Agora, com o que aconteceu na Bolívia, todos sabem quem é Luis Almagro (presidente da OEA), que opera como uma braço da política externa dos Estados Unidos. Muita gente do campo progressista não achava isso quando se tratava da Venezuela. O que aconteceu na Bolívia agora deixa mais evidente ainda que a disputa que existe na Venezuela hoje não é uma disputa por uma alternância democrática do poder, mas sim por uma restauração conservadora como está ocorrendo na Bolívia”.


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