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14 de dezembro de 2019
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12:14

Comuna El Panal: ‘Há duas Venezuelas, a dos meios de comunicação privados e a que estamos construindo’

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Sul 21
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Pórtico de entrada da Comuna Socialista El Panal 2021, em Caracas. (Foto: Marco Weissheimer)

Marco Weissheimer

“Passe adiante, por favor! Por qué los compañeros estan nos visitando?” – pergunta José Lugo Barreto, morador da Comuna Socialista El Panal 2021, localizada em um dos tantos morros que circundam a cidade de Caracas. José está vestido com seu uniforme branco de trabalho na sede da Empresa Comunal Têxtil “Las abejitas del Panal”. Alguém diz que os visitantes fazem parte da delegação internacional de 38 países que viajou a Venezuela para participar do Congresso Internacional da Comunicação, que ocorreu em Caracas, de 2 a 4 de dezembro. “Então estão tratando de contar a verdade do que está ocorrendo em nosso país. Há duas Venezuelas: a dos meios de comunicação privados, que falam que aqui há uma guerra e que as pessoas estão morrendo de fome, que estamos matando os venezuelanos, e a Venezuela verdadeira, onde estamos construindo a pátria nova com um modo econômico diferente, onde o mais importante é o ser humano e não o capital. É isso o que estamos construindo neste espaço”.

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O espaço de que fala José é a Comuna Socialista El Panal 2021, um território que reúne várias comunidades da região centro-oeste de Caracas. É um território de autogestão, de solidariedade e de resistência, como definem seus próprios moradores.  “Esse é um espaço de desenvolvimento econômico produtivo proposto pelo presidente Hugo Rafael Chaves Frias. Ele gostava de falar muito sobre o saber do povo. Dizia como fazer para que o cozinheiro, o padeiro, o carpinteiro ou o ferreiro colocassem sua força de trabalho, não à disposição do setor privado, mas sim do povo. Ele dava um exemplo disso: quando uma pessoa tem conhecimento para ser um bom ferreiro, vem alguém que detém muito capital e diz que pode montar a oficina para que essa pessoa trabalhe. Porém, a maior parte do recurso econômico fica para o detentor do capital e não para quem tem o conhecimento do trabalho. Nós procuramos inverter essa lógica”.

Cerca de 15 mil pessoas vivem no território abrangido pela Comuna, nos morros de Caracas. (Foto: Marco Weissheimer)

A empresa comunal têxtil de Panal foi inaugurada em 2012 sob a lógica de colocar o conhecimento profissional (têxtil no caso) a serviço do povo. Todos os produtos, explica José Lugo Barreto, são confeccionados na comunidade e possuem a marca registrada “Panal”. “Temos orgulho dessa marca que nasceu na Comuna e pertence à Comuna”, acrescenta José, para logo em seguida perguntar aos “internacionales” que visitavam a comunidade: “Quais são os animais que trabalham mais forte no mundo?” Surgem duas respostas quase ao mesmo tempo: formigas e abelhas. A partir delas, ele fala sobre o sentido da escolha da palavra “panal” (Colmeia) para o batismo da Comuna:

“O que acontece com as formigas quando elas estão trabalhando, levando sua carga e aparece um obstáculo no caminho? Elas se separam e se desorganizam. Cada uma vai para um lado. Em troca, as abelhas, quando estão trabalhando, e algo ataca a colmeia, o que elas fazem? Elas se unem e se defendem. Nós trabalhamos com essa lógica aqui. Somos trabalhadores, mas se alguém se meter conosco, estará se metendo com toda a Comuna. Nós defendemos nosso espaço e nosso saber. Nesta empresa somos chavistas, radicalmente chavistas, defendemos o legado de Hugo Rafael Chaves Frias e acreditamos na ideia dele de criar uma economia diferente, onde o mais importante não é o recurso econômico, mas sim o ser humano”.

Empresa Comunal Têxtil “Las abejitas del Panal”: “sem empregados nem patrões”. (Foto: Marco Weissheimer)

Os produtos da empresa comunal têxtil de Panal têm preços abaixo daqueles praticados pelo mercado privado. “Não seguimos a lógica das grandes marcas”, observa José mostrando o que está escrito numa mochila produzida pela empresa: “Não é Puma, é de Panal”. “A lógica hoje é comprar os produtos pela marca. Aqui você compra o produto porque é de Panal. A marca é aqui do bairro e quem a produz são pessoas aqui da comunidade também. É uma grande diferença. Onde a Nike confecciona seus produtos? Em países subdesenvolvidos, onde a mão de obra é mais econômica. Estamos lutando contra isso. Em qualquer espaço é possível ter um empreendimento econômico produtivo, sem necessidade de colocar uma marca. Aqui colocamos a marca que queremos em nossos produtos, que é a marca de Panal”, explica.

A empresa, de caráter social comunal, não tem empregados nem patrões. “Aqui temos produtores e produtoras, não tem chefe. Temos uma organização horizontal. Todos somos responsáveis pelo processo de produção. O benefício econômico que cada um recebe está de acordo com a qualidade e quantidade daquilo que produz, o que faz com que as pessoas se esmerem em melhorar o produto de seu trabalho. As pessoas que chegam sem conhecimento a esse espaço tem a possibilidade de aprender para começar a produzir também”, detalha José.

José Lugo Barreto faz parte da unidade de formação do processo produtivo da Comuna. (Foto: Marco Weissheimer)

O bloqueio econômico promovido há alguns anos pelos Estados Unidos e alguns outros países contra a Venezuela também afeta o trabalho da empresa têxtil de Panal, encarecendo o custo da matéria prima.

“Estamos enfrentando uma guerra econômica promovida pelos Estados Unidos e por outros países que se colocaram de joelhos a eles, mas estamos lutando para manter a nossa posição. Não estamos em guerra aqui na Venezuela nem estamos matando ninguém. O que há é uma revolução em processo”, destaca.

Organização popular e solidariedade

Experiências de organização popular como a da Comuna Panal, além de propor novas formas de organização social e produtiva, têm ajudado comunidades mais pobres da Venezuela a enfrentar os impactos da crise econômica, agravada pelo bloqueio impulsionado pelos Estados Unidos desde 2014. Cerca de 15 mil pessoas vivem na Comuna, em uma área que possui antigos conjuntos habitacionais, que remontam à década de 1950.

Além da empresa têxtil, a Comuna também possui restaurante, uma cozinha coletiva, padaria, lavanderia, a rádio e televisão comunitária Arsenal, além de outros estabelecimentos. Em 2017, os moradores da Comuna decidiram criar um banco, BanPanal, e uma moeda própria, o Panal, para uso exclusivamente interno.

Questionada sobre a existência de fome na comunidade, Virgínia Carrasquel, moradora da Comuna, responde que a população enfrenta dificuldades sim, agravadas pelo bloqueio, mas destaca os laços e práticas de solidariedade entre os moradores. Ela leva os visitantes internacionais para conhecer a cozinha coletiva da Comuna, onde se produzem refeições todo o final de tarde. Crianças de outras comunidades, que não tenham o que comer, podem fazer refeições ali se quiserem. “Não vou dizer para vocês que não temos problemas ou que ninguém tem problema de fome aqui, mas nos organizamos para que possamos enfrentar tudo isso juntos”, afirma.

A “crise humanitária” na Venezuela

Virgínia Carrasquel: “Não vou dizer para vocês que não temos problemas”. (Foto: Marco Weissheimer)

Nenhum dos moradores e moradoras da Comuna procura esconder as dificuldades que enfrentam. Por outro lado, falam com orgulho da organização popular e da solidariedade que é praticada diariamente em suas comunidades. Quem visita a Venezuela, hoje, traz na bagagem a notícia de que o país estaria vivendo uma crise humanitária de gravíssimas proporções, que estaria provocando uma espécie de êxodo em massa. Nas ruas do Centro de Caracas, porém, não se vê cenas comuns às grandes cidades brasileiras hoje, com pessoas em situação de rua, mães e crianças pedindo esmolas em sinaleiras e ao redor de supermercados. Por esse critério, se a Venezuela vive uma “crise humanitária”, deveria se achar uma expressão ainda mais dramática para descrever o cenário que se vê em médias e grandes cidades brasileiras.

Após uma visita a Venezuela, o relator independente da ONU para a Promoção de uma Ordem Internacional Democrática e Equitativa, Alfred de Zayas, afirmou em seu relatório que as sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países agravaram a crise da Venezuela e recomendou cautela com os rótulos sobre a real situação vivida pelo país latino-americano:

“Existe uma preocupante campanha para forçar os observadores a ver um ponto de vista pré-concebido, como, por exemplo, o de que há uma ‘crise humanitária’ na Venezuela. Devemos ser precavidos ante a hipérbole e o exagero, levando em conta que uma ‘crise humanitária’ é um termo técnico e pode ser mal utilizado como pretexto para uma intervenção militar e mudança de regime. É evidente que deveria haver livre circulação de alimentos e medicamentos na Venezuela a fim de aliviar a escassez dos referidos itens. No entanto, a ajuda deve ser realmente humanitária e não ter fins políticos ocultos”.

Mais fotos:

Comedor El Panal: uma cozinha coletiva prepara refeições todos os dias na Comuna. (Foto: Marco Weissheimer)
Rádio Arsenal, rádio comunitária da Comuna. (Foto: Marco Weissheimer)
Moradores reivindicam legado de Hugo Chávez. (Foto: Marco Weissheimer)
Parque de recreação para as crianças da comuna. (Foto: Marco Weissheimer)

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