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9 de julho de 2015
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18:34

Com amanhecer após 9h, novo fuso chileno traz aumento de criminalidade e queixas médicas

Por
Sul 21
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Victor Farinelli

Do Opera Mundi 

No dia 3 de junho, um crime comoveu Santiago. Uma jovem argentina residente na cidade foi assaltada e violentada perto da sua casa, pouco depois de sair para ir ao trabalho. O crime aconteceu num bairro de classe alta, por volta das 8h20 da manhã, horário no qual boa parte da população vai às ruas, ainda sob a falta de luz da madrugada.

Desde que o Chile decidiu abandonar o seu fuso horário normal e adotar o horário de verão permanente, esse e outros tipos de crime, a essa hora da manhã, passaram a ser mais frequentes — significa dizer que o Chile se manteve no mesmo fuso que o Brasil desde março, quando o país do Atlântico retomou GMT -3h e o do Pacífico, que deveria ser GMT -4h, não o fez.

Graças a isso, a partir de maio, o sol começou a nascer depois das 8h na Zona Central do país, e depois das 9h desde o início do inverno, em 21 de junho. Na região norte, o raiar do dia se dá por volta das 8h20, enquanto, no extremo sul, as primeiras luzes aparecem depois das 10h. Essa situação tem levado diversas entidades a chamar a atenção quanto aos impactos do amanhecer tardio na população chilena: aumento da criminalidade e efeitos psicológicos.

Com fim do horário de inverno, amanhecer na região central do Chile ocorre a partir das 8h da manhã Javler Rubllar/Flickr/CC
Com fim do horário de inverno, amanhecer na região central do Chile ocorre a partir das 8h da manhã
Javler Rubllar/Flickr/CC

Segundo números da organização Paz Ciudadana (“Paz Cidadã”), instituição dedicada a temas de segurança, comparando as denúncias de maio deste ano com as do mesmo mês em 2014, os registros de assaltos antes das 9h aumentaram 16% na capital do país, e os de ataques a mulheres, 14%. A entidade solicitou e conseguiu uma reunião com o Ministério do Interior, para conversar sobre as medidas necessárias “para que o país se adapte a essa nova realidade horária”.

Médicos

Por sua vez, a Sociedade Chilena de Medicina do Sono se queixa de um suposto aumento do número de casos de depressão. “Ainda não temos números precisos, porque é algo recente, e só depois do inverno poderemos comparar os números de agora com o de anos anteriores, mas temos relatos de profissionais, alegando aumento quantitativo e em termos de gravidade ou peculiaridade dos casos”, afirma a psiquiatra Carmen Gloria Betancur, presidente da entidade.

A especialista afirma que muitos grupos empresariais têm procurado apoio médico devido a uma diminuição da produtividade dos funcionários. “Essa situação afeta muito a disposição dos trabalhadores, nas primeiras horas de serviço, dos alunos na sala de aula, e não somente isso. A mudança brusca na rotina pode ter até consequências cardiovasculares”, diz Betancur.

Apesar das críticas, que ecoaram também no Congresso — através dos pronunciamentos de alguns senadores governistas —, o governo chileno já afirmou mais de uma vez que não pretende voltar atrás em sua decisão, pelo menos não para este ano. O ministro de Energia, Máximo Pacheco, afirmou que “não estamos fazendo experimentos, porque o país já viveu situações parecidas em outros anos, ainda assim, é certo que haverá uma avaliação dos resultados que teremos agora, para saber se essa medida se mantém no ano que vem”.

As “situações parecidas” mencionadas pelo ministro explicam porque a resistência à medida no Legislativo é maior entre os governistas que entre os opositores. A partir do governo de Sebastián Piñera (2010-2013), o Chile começou a alargar o seu horário de verão, que passou a começar em agosto e terminar no final de abril, o que também foi criticado pela bancada, então de oposição, e que se surpreendeu ao ver que o governo de Michelle Bachelet resolveu adotar uma postura ainda mais radical a respeito.

“Este ano, estamos verificando um aumento da criminalidade, diminuição da produtividade, maior número de transtornos psicológicos e, algo que já vínhamos enfatizando nos anos anteriores, que é o nível baixo de economia de energia, que não chegou nem a 5% anuais durante o governo anterior, sendo que algumas cidades do sul do país registraram aumento no consumo”, reclama o senador democrata-cristão Ignacio Walker, um dos maiores críticos do horário de verão permanente, que afirmou que lançará em breve um projeto de lei para impedir repetição dessa política em 2016.

Entidades críticas à adoção definitiva do novo fuso horário argumentam que mudança não trouxe economia de energia significativa. Emilio/Flickr/CC
Entidades críticas à adoção definitiva do novo fuso horário argumentam que mudança não trouxe economia de energia significativa. Emilio/Flickr/CC

Argumentos do governo

O Ministério de Energia rebate a postura da própria bancada governista no Senado com números de uma pesquisa interna, indicando que 67% dos chilenos aprovaria o horário de verão permanente, mas sem dar detalhes mais específicos sobre os resultados e os métodos da mesma. O ministro Pacheco comentou que “esses poucos por cento que os senadores reclamam, na vida real das pessoas, acabam se traduzindo numa economia importante de energia, depois analisaremos algumas discrepâncias regionais, mas de um modo geral a ideia tem dado resultados nos anos anteriores e também neste”.

Sobre os problemas de produtividade e transtornos psicológicos, Pacheco diz que isso também será analisado junto com o Ministério da Saúde, mas questiona o fato de que “no extremo sul chileno as pessoas sempre conviveram com a alvorada após as 8h, e tenho entendido que isso não é um problema. Sem contar que, com o horário atual, o crepúsculo na Zona Austral agora é às 17h, não às 16h, e isso também deveria considerar um efeito positivo em alguns casos”. O ministro lembrou também que, a partir do último solstício (no dia 24 de junho), o nascer do sol virá mais cedo conforme o passar dos dias.

A presidenta da Sociedade Chilena de Medicina do Sono, Carmen Gloria Betancur, contesta o ministro, afirmando que “em termos proporcionais, as regiões do extremo sul do país são as que têm maior número de casos de depressão, e o mesmo fenômeno acontece, por exemplo, em países nórdicos, nas regiões mais polares”. Betancur disse também que os problemas percebidos este ano deveriam provocar um debate sobre a necessidade do Chile adotar diferentes fusos, e não submeter todo o território ao horário de Santiago. “O ministro citou as regiões austrais como exemplo positivo, e as cidades como Punta Arenas, por questões geográficas, deveriam mesmo usar o GMT -3h, como no Brasil e na Argentina”.

No caso do aumento da criminalidade, o governo afirmou que efetivamente tem trabalhado, através do Ministério do Interior e com o apoio de entidades ligadas ao tema da segurança, e já alterou o sistema de patrulhamento tanto nos centros urbanos quanto em zonas rurais.

 

 

 


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