Acordo com o Irã demarca nova geografia política

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Contra o ceticismo, Brasil cria aliança fora dos eixos estabelecidos

Clarissa Pont

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O acordo firmado na presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad, além do primeiro-ministro da Turquia, Tayyiq Erdogan, mexe muitas peças no tabuleiro da política internacional. Mais do que apenas uma mediação, o que está em jogo é a possibilidade da reconfiguração ampla de uma geografia que se desenha com mais força desde a crise financeira internacional de 2008. A formação de alianças fora dos eixos conhecidos, porém, parece surpreender a imprensa nacional, que noticiou durante toda esta terça-feira (18) que o mundo via com ceticismo a iniciativa brasileira. Ao mesmo tempo, os EUA pressionam o Conselho de Segurança da ONU, que ameaça punir o Irã com sanções.

O acordo assinado, diz o jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi, Breno Altman, é inclusive muito semelhante ao proposto em outubro do ano passado pela Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) ao Teerã, embora os iranianos tenham deixado o pacto na ocasião. Aquele acordo tinha, na época, a concordância dos Estados Unidos, Rússia e França. A própria Agência Internacional de Energia Atômica já calculara que a neutralização de 1,2 tonelada do minério seria o suficiente para anular qualquer projeto atômico de caráter militar.

As primeiras reações das peças, neste grande jogo de xadrez, foram cautelosas. A aposta era no fracasso da missão brasileira, não apenas pelo descrédito na sua fórmula, mas principalmente porque há interesses na continuidade do tensionamento com o Irã, em lugar da via não belicista e negociada.  O pacto colocaria em xeque seis meses de trabalho de Washington, que tratava de aprovar novas sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU. A afirmação foi feita por três analistas especializados em questões iranianas à Agência Estado, depois da assinatura do pacto.

“Os EUA, seus aliados europeus, a China e a Rússia terão um grande problema pela frente. Depois do acordo, será muito difícil aprovar sanções”, disse o professor Abbas Milani, diretor do Centro de Estudos Iranianos da Universidade Stanford e do Instituto Hoover. Segundo Gary Sick, professor da Universidade Columbia e ex-assessor da Casa Branca para questões iranianas, o acordo frustrou as iniciativas diplomáticas americanas com objetivo de aprovar sanções, que duraram quase seis meses. “Ficou complicado imaginar sanções neste momento”, acrescentou o acadêmico Trita Parsi, que dirige Conselho Nacional Iraniano-Americano.

“A diplomacia do Brasil e da Turquia foi fundamental para ocorrer o acordo. Os brasileiros e os turcos conversaram mais com os iranianos do que todos os integrantes do sexteto juntos nos últimos meses”, disse Parsi à Agência Estado, referindo-se aos cinco integrantes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha. Na visão dele, os iranianos confiam no Brasil, mas não nas grandes potências. Já a Turquia pesa por ser um rival regional que concordou em encontrar uma saída para o impasse sobre o programa nuclear iraniano.

O presidente francês Nicolas Sarkozy, em conversa com o presidente Lula sobre o assunto na Espanha, avaliou como um “um passo importante” o acordo fechado pelo Irã para a transferência de urânio para a Turquia. Em comunicado formal divulgado na Agência Brasil ainda ontem, o presidente Sarkozy elogiou os esforços brasileiros em busca de um desfecho pacífico. “O governo da França reconhece os esforços do presidente Lula em negociar um acordo com o Irã”, diz um trecho do comunicado. “A França vai transmitir [os termos do acordo] para o Grupo dos Seis [França, Itália, Estados Unidos, Japão, Alemanha e Inglaterra, os chamados países mais industrializados]”, diz outro trecho. Em Madri, na Espanha, Lula e Sarkozy se reuniram por cerca de 30 minutos. O encontro ocorreu no Instituto de Feiras de Madri, onde está sendo realizada a 6ª Cúpula União Europeia, América Latina e Caribe.

Na mesma terça-feira, o EUA apresentaram uma proposta de sanção ao Irã no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, o porta-voz da ONU, Marin Nesirky, disse que “qualquer esforço para resolver diferenças em uma via diplomática como a que o Brasil e a Turquia estão tentando com o Irã é claramente algo encorajador, no sentido de que é importante que haja discussões. Mas, a coisa mais importante é que já existem resoluções no Conselho de Segurança da ONU que precisam ser cumpridas”, afirmou. Além da ONU, o acordo foi avaliado como um “passo potencialmente positivo”, segundo o comandante-em-chefe da Otan na Europa, James Stavridis. “Acho que é um exemplo do que todos buscamos, um sistema diplomático que vise a um bom comportamento por parte do regime iraniano”, afirmou o almirante Stavridis.

Belicismo versus diálogo

Neste novo tabuleiro mundial, as peças mais importantes do Brasil parecem mesmo ser o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurelio Garcia, e o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. O assessor aproveitou o protagonismo brasileiro no acordo para reivindicar em Madri a participação do Brasil no grupo de países que têm liderado as negociações com o Irã, o chamado P5 + 1 (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China, Rússia e Alemanha). Segundo Garcia, Brasil e Turquia fizeram mais do que os seis países do bloco nas recentes negociações sobre o programa nuclear iraniano. “Em linguagem de futebol, é um 5+1+2. Só que nesse time não tem atacante”, disse.

Em entrevista à BBC Brasil, Marco Aurélio Garcia afirmou que a causa do ceticismo que domina parte da comunidade internacional é de países que “não querem que haja acordo. A minha impressão é que determinados países esperam que as sanções mudem a situação interna do Irã. É uma hipótese profundamente equivocada”, acrescentou o assessor. “Se as sanções fossem votadas, a Rússia iria votar uma sanção deste ‘tamanhozinho”, disse com os dedos indicador e polegar quase juntos. “A China não fala, mas sabemos que iria também nessa direção”, apontou, citando dois dos cinco integrantes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas – que conta também com os Estados Unidos, França e Inglaterra. “Se os Estados Unidos optarem pela sanção, vão se dar mal. Vão sofrer uma sanção moral e política. Cabe a eles decidirem se querem ou não um new deal com o Irã”, afirmou à Agência Estado.

Agora, a movimentação de peças no tabuleiro deve acontecer na próxima semana, e com cautela. Pelo acordo, o documento firmado para a transferência de urânio tem que ser submetido à análise da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) e do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Também vão avaliar o informe a Alemanha e o Japão. A ideia é depositar o urânio na Turquia e há possibilidade de utilizar tecnologia russa e francesa para o enriquecimento do produto. O Conselho ainda vai definir se haverá sanções contra o Irã, o que depende do voto favorável de todos os seus integrantes.


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