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27 de janeiro de 2021
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19:39

Caminhoneiros teriam muito poder de barganha em caso de greve, avalia professor

Por
Luís Gomes
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Paralisação de caminhoneiros criou fila de veículos nas rodovias em 2018  | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Luís Eduardo Gomes

Convocada para o próximo dia 1º de fevereiro, a greve dos caminhoneiros em todo o Brasil ainda não está confirmada. Inicialmente, o movimento era liderado pelo Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), mas tinha a oposição da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que representa legalmente a categoria. Contudo, na terça-feira (26), segundo a CNN Brasil, ganhou a adesão da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), que diz representar cerca de 800 mil motoristas autônomos, dando assim mais força para a possível paralisação.

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Apesar de confiar nas boas relações com parte da categoria para que a greve não saia, o governo Bolsonaro vem se movimentando para aplacar os ânimos dos caminhoneiros nos últimos dias. Na quinta passada (21), anunciou a redução da tarifa de importação de pneus de 16% para zero quando o destino for transporte de cargas. Os pneus compõem um dos principais custos para os caminhoneiros. Já na sexta (22), incluiu a categoria entre os grupos prioritários para vacinação contra o coronavírus. Em reportagem publicada nesta quarta (27), o jornal Estado de São Paulo informa que o Ministério da Economia avalia a redução de PIS/Cofins sobre o diesel para atenuar o efeito do aumento do preço do combustível, outra reivindicação dos caminhoneiros.

Para o professor Marco Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Unicamp, independentemente da paralisação ocorrer no início de fevereiro ou não, os caminhoneiros estão, no momento, com um alto poder de barganha para pressionar o governo a ceder em suas reivindicações.

O grande temor associado a uma greve dos caminhoneiros é a repetição do que ocorreu em maio de 2018, quando uma paralisação de 10 dias de grande parte da categoria resultou em desabastecimento de produtos e quebra nas cadeias de produção. Em outubro de 2018, o Ministério da Fazenda estimou que a greve significou uma redução no PIB de 1,2 ponto percentual. Em dezembro do mesmo ano, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estimou que o PIB do agronegócio recuou 1,6%, em grande parte, pela paralisação.

O professor Marco Rocha avalia que o impacto de uma eventual greve em 2020 depende de sua extensão, do número de caminhões parados e de sua duração. “A duração é fundamental para definir o impacto que isso tem, por exemplo, na produção industrial. Vamos lembrar de 2018, foram dez dias. Acho que a projeção de perda ficou em torno de 1% a 1,5% de queda do PIB por conta da greve dos caminhoneiros. Mas, setorialmente, o impacto também foi sentido na queda de rentabilidade dos setores mais intensivos em escala e algumas atividades do ramo alimentício”, diz, destacando que, quanto mais tempo, mais as empresas são pressionadas a se desfazer de estoques e mais sentido passa a ser o desabastecimento. “O tempo é fundamental para definir se vai haver ou não interrupção nas linhas de produção e o quanto isso vai alcançar em termos setoriais. Se for uma greve curta, de alguns dias, ela pode ser muito pouco sentida. Se for uma greve que se estenda por dez dias, por duas semanas, a gente viu em 2018 que isso produz um efeito significativo no PIB”, complementa.

Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp | Foto: Arquivo Pessoal

Rocha explica que uma eventual interrupção no transporte de mercadorias começa, a partir de alguns dias, a paralisar as cadeias produtivas a partir de uma espécie de efeito cascata, em que o desabastecimento passa do produtor para a distribuidora, da distribuidora para o varejo e do varejo para o consumidor, levado a uma rápida queima de estoque. “Se você pensar numa indústria de alta intensidade de escala, como a petroquímica, ou uma atividade que funcione ininterruptamente, como as cirurgias, se você força uma parada, acaba gerando um custo que acaba sendo sentido na economia como um todo”, diz,

O professor destaca ainda que, além disso, a retomada para os níveis de normalidade não é automática, constituindo um processo lento e que, caso uma greve ocorra neste ano, quando as cadeias produtivas já estão operando em níveis anormais por conta da pandemia, o impacto poderá ser ainda maior. “A gente viu como isso, por exemplo, provocou episódios de aumentos de preço, de escassez na indústria. Então, o cenário também não é o mesmo de 2018. Você tem um cenário em que as cadeias produtivas já estão sofrendo com um certo clima de anormalidade, isso já pode ser sentido na própria inflação dos alimentos e nos preços ao produtor. Está tendo uma pressão de preços em cima da indústria que é uma demonstração de que as cadeias produtivas não estão funcionando na sua normalidade. Num cenário como esse, você ter uma greve de caminhoneiros que provoque certa interrupção, pode ter um efeito de curto prazo que seja sentido pela sociedade de forma bem rápida”, diz.

Governo pode ceder, mas tem pouca margem

De acordo com a CNTRC, a categoria traz na pauta de reivindicações da convocatória para a greve a instituição de um piso mínimo para frete; a revogação da resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que suspendeu por prazo indeterminado as obrigações e penalidades relacionados ao cadastramento da Operação de Transporte e a geração do CIOT (Código Identificador da Operação de Transportes) para contrações; a retirada do projeto de lei que estimula o modal de transporte marítimo por cabotagem entre os portos nacionais; uma nova política de preço da Petrobras para os combustíveis, uma vez que a categoria considera a atual abusiva e lesiva ao consumidor; a contratação direta dos caminhoneiros para “evitar abuso do poder econômica”; aposentadoria especial para a categoria; a aprovação do Marco Regulatório dos Transportes nas bases do estabelecido em acordo com a categoria em 2018; pelo estabelecimento de uma jornada de trabalho, com respeito a horários de repouso; entre outras pautas.

Reivindicações dos caminhoneiros de acordo com a CNTRC | Foto: Reprodução

Para o professor Marco Rocha, há, entre essas reivindicações, pautas que o governo terá dificuldades para equacionar, como a questão dos preços dos combustíveis. “Você teria que promover alguma forma de intervenção política sobre a prática da Petrobras, porque a forma como a Petrobras está fazendo no momento, passando a volatilidade para a formação de preço, também gera um lag temporal de como isso é repassado ao longo da cadeia. O aumento do custo de vida foi superior ao reajuste da tabela (de frete) que o governo está propondo, então ele vai ter que intervir em uma das duas pontas. Ou vai ter que intervir no reajuste da tabela ou vai ter que intervir na política de formação de preços da Petrobras”.

Ele também alerta que há outro elemento que pode jogar combustível na mobilização grevista, os reajustes dos pedágios para transporte de carga em 20202. “Alguns pedágios são, por exemplo, indexados pelo IGPM, que vai dar um repique no início do ano por conta de 2020 e provavelmente vai ter um processo de reajuste de pedágios”, diz.

Na mesma linha da questão dos preços dos combustíveis, para o governo interferir no preço dos pedágios, ele teria que alterar sua política econômica. “A questão de ter que intervir nos contratos das concessionários de rodovia é uma coisa que vai de encontro à agenda de política econômica defendida pelo governo, ao menos na retórica. A questão dos combustíveis também”, diz. “O custo político dentro da base que o governo tenta dialogar de promover uma nova intervenção na formação de preço da Petrobras é alto. Mexer na tabela de frete também vai significar repassar um certo custo ao setor empresarial, que está num momento complicado e também é uma base de apoio importante do presidente. Então, não é simples ele atender essa pauta dos caminhoneiros e não romper com um certo compromisso de agenda econômica que ele tem”, complementa.

Outra pauta da categoria, a contrariedade ao projeto que estimula a navegação de cabotagem (transporte de cargas entre portos ou cidades brasileiras), também vai de encontro, segundo o professor, a um tema considerado central pelo governo federal e uma das únicas políticas da gestão para melhorar a competitividade industrial brasileira e atrair investimento para a economia. A Lei 4199/2020 incentiva a navegação na costa brasileira, liberando o uso de navios estrangeiros para fazer o transporte de cargas entre portos. Os caminhoneiros são contrários porque temem que as mudanças possam afetar os rendimentos do setor. “Então, você também mexe numa questão politicamente complicada porque é uma espécie de vitrine do Ministério da Infraestrutura”, diz.

Marco Rocha destaca que as medidas anunciadas pelo governo para aplacar os ânimos dos caminhoneiros, até o momento, não provocam choques com a atual gestão econômica. Ele também avalia que o governo ainda não deu indícios de que pode romper com a agenda econômica. “É uma espécie de corrida contra o tempo. Uma greve curta, não tem muito impacto. Mas, com o passar do tempo, eles começam a ganhar muito poder de barganha. Uma coisa que talvez vire um problemão para esse governo”, finaliza.


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