Geral
|
8 de outubro de 2020
|
16:45

‘Tenho 300 e-mails para responder fora todos os outros meios de comunicação’: o ‘novo normal’ na educação

Por
Sul 21
[email protected]
Protesto contra o retorno das aulas presenciais realizado diante do Palácio Piratini | Foto: CPERS/Luiz Damasceno

Marco Weissheimer

No dia 30 de setembro, a Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul expediu o Memorando 220, convocando servidores e professores do Ensino Médio e Ensino Técnico para o retorno às atividades presenciais nas escolas a partir de 5 de outubro. Segundo o Memorando, esse retorno “se dará em regime de plantão, em revezamento e escalonamento, cumprindo todos os protocolos sanitários do modelo de distanciamento social controlado”. Durante esse período, acrescenta, “serão realizadas ações de organização das equipes, adaptação dos ambientes frente aos protocolos, alinhamento pedagógico à matriz de Referência do Modelo Híbrido de Ensino, entre outras iniciativas”. No entanto, a situação relatada por quem está na linha de frente da rede estadual de educação mostra um quadro de grande precariedade para o funcionamento desse “Modelo Híbrido de Ensino”.

Sobrecarga no trabalho com aumento da jornada diária em uma dimensão que invade totalmente a vida privada e familiar, falta de recursos para a compra de equipamentos básicos como álcool gel e máscaras, falta de funcionários em número adequado para executar tarefas de limpeza e higienização, ausência de espaços adequados nas escolas, com salas de aulas muitas vezes pequenas e lotadas, sem ventilação adequada, atraso no repasse de recursos pelo governo do Estado e excesso de burocracia para acessar os orçamentos. Essa é a realidade descrita por representantes das direções de escolas da rede estadual de educação do Rio Grande do Sul na pesquisa “Pandemia e Educação no RS: consulta à comunidade escolar”, realizada pelo CPERS Sindicato em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Por meio de um questionário, a pesquisa ouviu diretores, professores, funcionários, orientadores educacionais, especialistas e pais de alunos da rede pública estadual. Separadas por temáticas, as perguntas questionaram a estrutura das escolas e de seus profissionais em meio à pandemia do novo coronavírus.

O resumo das respostas recebidas e avaliadas ate o final do mês de agosto aponta uma realidade de falta de recursos, infraestrutura inadequada e um alto nível de precarização do trabalho dos profissionais em condições de segurança sanitária fragilizada. A pesquisa contou com 3,9 mil respondentes e 2.131 questionários considerados válidos contemplando 872 escolas de 282 municípios do Rio Grande do Sul.

Fernando da Silva Lopes: “Divido minha mesa de jantar com trabalhos dos alunos, livros, telefone, cadernos, celular e um computador que o uso excessivo estragou”. (Divulgação/CPERS)

Enquanto o governo Eduardo Leite (PSDB) afirma que a rede estadual conta com as condições necessárias para retomar as aulas e que os atrasos de recursos se devem a problemas de “não prestação de contas em tempo hábil”, o CPERS vem denunciando uma realidade de precariedade e falta de condições básicas no trabalho de professores e funcionários e de falta de segurança sanitária para o retorno das aulas presenciais. É o caso, por exemplo, de Fernando da Silva Lopes, professor de Filosofia e Sociologia na Escola Estadual de Ensino Médio Evaristo de Antoni, de Caxias do Sul. Uma matéria publicada no site do Sindicato, resume assim a situação de Fernando: “562 alunos, 24 turmas, salário cortado; a realidade do educador gaúcho na pandemia” .

“Divido minha mesa de jantar com trabalhos dos alunos, livros, telefone, cadernos, celular e um computador que o uso excessivo estragou. Se não fossem os descontos da greve, poderia ter comprado um computador melhor, um celular também. Tudo que consegui foi acumular dívidas”, afirma Fernando ao descrever sua realidade de trabalho nos últimos meses.

Segundo o levantamento realizado pelo CPERS junto à comunidade escolar, 98% dos professores e professoras estão trabalhando mais do que prevê o contrato de trabalho durante a pandemia. Além da sobrecarga – sem receber qualquer adicional – 40% dos professores que responderam a pesquisa relataram que não possuem acesso a internet com a velocidade e estabilidade adequadas para realizar o trabalho à distância. Na mesma consulta, 18% dos professores responderam que não possuem equipamentos (PC ou notebook) necessários para realizar o trabalho a distância. Desse total, 48% afirmaram que estão utilizando equipamentos emprestados (sendo que apenas 1% respondeu que o equipamento é emprestado da escola).

Os problemas não se resumem à falta de equipamentos. As respostas ao questionário elaborado pelo CPERS também falam de computadores e telefones ultrapassados e insuficientes, muitos deles sem câmera e microfones para trabalhar no Google Meet, que não suportam os trabalhos que devem ser realizados. O relatório final da pesquisa exemplifica essa situação com o relato de uma professora, um dos 237 que trataram desse tema:

“Tenho 13 turmas na média de 35 alunas, de níveis diferentes. É um atendimento personalizado. Isso que dificulta todo o trabalho e sobrecarrega o profissional, não tenho 100% de resposta de meus alunos, mesmo assim tenho 300 e-mails para responder fora todos os outros meios de comunicação, isso se torna inviável”.

Professores relataram que tiveram que formatar seus próprios celulares e computadores, pelo excesso de conteúdo recebido, perdendo dados particulares e pagando pela manutenção de seus equipamentos. Além disso, há o caso dos professores que trabalham em mais de uma rede (às vezes na estadual, municipal e privada) e são obrigados a lidar com três realidades distintas.

As respostas também apontaram um quadro de desgaste físico e psicológico, insônia, ansiedade, tristeza e incertezas, além dos salários atrasados, as cobranças constantes da Secretaria Estadual da Educação e a continuidade da retirada de direitos durante a pandemia. Outra observação recorrente é a dificuldade de conciliar o aumento na carga de trabalho com o cuidado de filhos pequenos, o preparo das refeições, o trabalho doméstico e os cuidados com a saúde. Ainda segundo a mesma pesquisa, professores que possuem 10 horas semanais estão trabalhando até oito horas por dia. Outros, que possuem contrato de 20 horas, estão trabalhando até 40 horas semanais.

Confrontada pelo tema da falta de recursos e infraestrutura, a Secretaria orientou as direções das escolas a utilizarem os recursos da Autonomia Financeira para a aquisição dos equipamentos necessários para o “acolhimento dos profissionais de maneira segura”. Conforme a orientação do governo do Estado, as “escolas que não dispuserem de recursos financeiros, em decorrência da não prestação de contas em tempo hábil, ou outros motivos, devem entrar em contato diretamente com o gabinete do Departamento Administrativo (DAD) da Seduc”. Estas aquisições, de acordo com a orientação do governo do Estado, “devem contemplar a quantidade de EPIs e materiais de higienização necessários para professores e servidores pelo período de 15 dias. No entanto, segundo o CPERS, até o final de setembro, cerca de 70% das escolas da rede estadual estavam com os recursos da Autonomia Financeira atrasados.

“Caminhão de EPIs”

No dia 7 de outubro, servidores públicos pediam informações nas redes sociais sobre se alguma escola já havia recebido a visita do “caminhão dos EPIs” prometido pelo governo. Marcelo Zanoni, vice diretor da Escola Prudente de Morais, em Osório, litoral norte do Estado, perguntou pelo Twitter:

O CPERS reproduziu o questionamento de Marcelo na página do sindicato no Facebook, recebendo de educadores de diversas cidades a mesma resposta: aqui também nada ainda! Segundo o vice-diretor da Escola Prudente de Morais, até a tarde desta quarta-feira (7), nenhuma escola do Litoral havia recebido a visita do caminhão dos EPIs.

“Transferência de responsabilidade”

Para Edson Garcia, 2º vice-presidente do CPERS, o governo Eduardo Leite está transferindo a sua responsabilidade para os pais, que terão que assinar um termo para que seus filhos voltem à escola, e  para os Comitês Operacionais de Emergência em Saúde (COEs). A afirmação foi feita durante uma audiência da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, no dia 6 de outubro. Nesta reunião, Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do Comitê Cientifico de Apoio ao Enfrentamento da Pandemia Covid-19,  instituído em março pelo Estado para prestar apoio às atividades de enfrentamento à pandemia, resumiu assim a posição do comitê frente à proposta de retorno das aulas presenciais: “Se não tiver como testar e rastrear, a gente recomenda que não volte”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora