À espera de EPIs, professores da rede estadual dizem não ter como retomar aulas nas datas previstas

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Com salas de aula pequenas que comportam mais alunos do que o ideal, a diretora da escola Rachel Mello se preocupa com a distância entre os estudantes | Foto: Arquivo Pessoal

Débora Fogliatto

As escolas estaduais do Rio Grande do Sul preparam-se para o retorno das aulas presenciais, de acordo com determinação do governo, que orienta a retomada do Ensino Médio já na próxima terça-feira (20) e dos anos finais do Ensino Fundamental no dia 28. Algumas instituições, porém, já sabem que não irão conseguir retornar na data prevista. Elas ainda não receberam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) prometidos pelo governo Eduardo Leite (PSDB) e enfrentam uma série de problemas estruturais que impedem de colocar em prática as medidas definidas pelo poder público.

Dentre as exigências apresentadas no decreto do governo do Estado para a volta às aulas presenciais estão alguns pontos relacionadas ao distanciamento entre a comunidade escolar: deve-se manter uma distância mínima entre estudantes, professores e servidores de 1,5 metro com máscara e 2 metros sem máscara; as salas de aula terão ocupação máxima de 50%, com realização de revezamento entre os estudantes; deve-se evitar ou minimizar o uso de refeitórios, bibliotecas e espaços comuns.

No entanto, para algumas escolas da rede estadual, as exigências em termos de estrutura e recursos humanos são difíceis – ou impossíveis –  de serem cumpridas. Em ampla pesquisa realizada pelo Cpers Sindicato com escolas de todo o Estado, diversos diretores, professores e funcionários demonstraram preocupação com as questões estruturais. Além disso, até esta sexta-feira (16), quatro escolas ouvidas pelo Sul21 ainda não haviam recebido as máscaras, equipamentos de limpeza, termômetros e álcool gel. Todas as escolas consultadas afirmaram não se sentir seguras para retornar às atividades na data prevista.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Rachel Mello, em Pelotas, é uma das instituições que provavelmente não terá condições estruturais para retornar às aulas na data prevista – segundo o calendário do governo estadual, parte do Ensino Fundamental deve voltar no dia 28 de outubro. Com salas de aula pequenas e janelas que não abrem, a diretora Maria de Fátima Souza avalia que manter a distância entre os alunos e permitir que haja circulação de ar será difícil.

A direção da escola Rachel Mello irá requisitar verba para realizar uma reforma emergencial nas janelas | Foto: Arquivo Pessoal

A questão das janelas, explica Fátima, torna-se um impeditivo pois há a determinação de que os locais internos estejam constantemente arejados. Na escola, diversas estão emperradas, e agora a diretoria solicitou verba emergencial para este conserto. “Temos nosso plano de contingência, já começamos a limpar a escola e agora estamos fazendo o orçamento e vamos solicitar essa verba. E daí vamos aguardar e no momento que vier [a verba], temos que começar a fazer a reforma nas janelas”, explica.

Além da falta de circulação de ar, há ainda a questão da falta de espaço, especialmente nas salas de aula. “Nossas salas são pequenas e temos quantidade de alunos muito grande, em salas que caberiam 20 alunos, temos 26. Então não tem condições de acomodar 13 alunos com 2 metros de distância entre um e outro nessas salas”, aponta Fátima. Há casos de turmas que chegam a ter 30 estudantes em espaços onde não caberiam 15 com o distanciamento exigido. “Daí falaram em fazer em três grupos, mas complica também. Pedagogicamente é bem complicado”, explica a professora.

Também em Pelotas, a Escola Estadual de Ensino Básico Osmar da Rocha Grafulha enfrenta problemas estruturais e, da mesma forma, preocupação com o distanciamento. O diretor Lucas de Souza Barbosa relata que a equipe já começou a separar as classes e preparar as salas, mas que a situação é complicada. “Colocando o distanciamento de 1,5 metro cabem cerca de 10, 12 alunos, e as turmas têm 30, 35 alunos. Claro que sabemos que nem todos vão retornar, o que mais preocupa é quanto ao professor. Porque vai ter que atender o aluno que não quer voltar e o que quer, isso certamente vai ultrapassar muito a carga horária dele”, reflete.

O plano do governo é que, caso turmas inteiras decidam retornar haja revezamento, com a divisão das turmas pela metade, e que cada grupo receba materiais para estudar em casa durante a semana em que não estiver indo à escola. Outra dificuldade é apontada por Sílvia*, vice-diretora de escola de uma cidade da região metropolitana que preferiu não se identificar: “Trabalhamos com crianças a partir dos 6 anos, que não vão entender essa situação. A criança vai pensar ‘por que meu colega está indo e eu em casa?’ ‘Por que eu ainda não vi aquele meu amigo?’”, menciona.

Na Escola Osmar da Rocha Grafulha, fachada corre risco de desabamento | Foto: Lucas de Souza Barbosa/ Arquivo Pessoal

Em Porto Alegre, a diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Alceu Wamosy, Tatiana Silva Nunes, avalia que os pais não vão aceitar bem a proposta de revezamento. “Os pais não vão aceitar isso da escola estar aberta, mas seus filhos não poderem ir. Quando a escola reabrir, eles vão enviar os estudantes”, avalia.

Além da dificuldade para realizar o revezamento, há ainda questões de infraestrutura que afetam a escola também. A professora relata que a instituição já redigiu um documento com o conselho escolar abordando a falta de condições para o retorno: “falamos da falta de estrutura física da escola e da falta recursos humanos. No momento que redigimos, eu contava com uma funcionária [de limpeza], mas agora ela adoeceu e estamos sem”. De forma semelhante, Fátima relata que também enfrenta a falta de equipe para realizar a limpeza. “Temos funcionários, mas o que o COE [Comitê Operacional de Emergência em Saúde] exige é que precisa ter mais do que temos, não temos por exemplo um em cada banheiro. É uma série de itens que não temos como cumprir”, comenta.

A Escola Osmar da Rocha Grafulha conta com cerca de 900 alunos e 20 salas de aula, mas há apenas dois funcionários de limpeza para os três turnos em que a instituição funciona atendendo estudantes de ensino fundamental (4º a 9º ano) e médio. “A escola já era complicada de manter, ano passado tínhamos três funcionários de limpeza e infelizmente um deles faleceu antes de voltar o ano letivo de 2020, agora temos dois. E com três antes já era difícil manter as salas de aula limpas… Agora, com dois e uma necessidade ainda maior de higienização, fica bastante complicado”, relata o diretor Lucas.

A instituição ainda enfrenta outro problema: parte do saguão de entrada e uma das escadas estão interditadas devido ao risco de desabamento da fachada do prédio. A situação está pendente desde 2016, e em 2018 engenheiros enviados pela Secretaria de Educação foram ao local, providenciaram troncos para segurar o prédio, levaram as plantas da escola e enviariam o projeto de reforma, o que ainda não ocorreu. “Ficamos preocupados, professores e alunos têm medo. A circulação de pessoas é a mínima possível ali, mas mesmo assim… E nesse espaço tem escadas de acesso ao segundo andar, então agora estamos só com uma, que é bem estreita”, conta Lucas.

Sem EPIs

Dentre os diretores com quem a reportagem conversou, todos relataram ainda não ter recebido os equipamentos de proteção individual (EPIs) que são necessários para o retorno: termômetros, álcool gel e máscaras. Tatiana relata que a equipe já está de plantão na escola desde quarta-feira (14) à espera dos equipamentos, mas por enquanto eles ainda não chegaram.

Escola Alceu Wamosy ainda não recebeu EPIs e diretora teme que pais não aceitem revezamento | Foto: Arquivo Pessoal

Na escola Rachel Mello a situação é semelhante: Fátima relata que os EPIs foram prometidos desde a semana passada, e a vice-diretora está aguardando na escola a chegada deles diariamente. Sílvia* também não recebeu os EPIs na escola onde trabalha. “Tudo que o governo fala, na minha escola não chegou nada ainda. Eu não sou partidária, mas o posicionamento dele [governador] não é o que a gente vive”, reflete a vice-diretora.

Os funcionários que estão trabalhando de plantão há cerca de dez dias na Escola Osmar da Rocha Grafulha receberam equipamentos fornecidos pela escola, que comprou com a própria verba regular. Outras exigências, como lixeiras que sejam abertas com o pé, a escola também irá providenciar da própria verba. No entanto, Lucas demonstra preocupação com o fato de a escola não ter recebido os EPIs enviados pelo governo, considerando que está dentre as instituições que reabririam já na próxima terça-feira (20), segundo o calendário.

“Não vamos conseguir retornar dia 20, não consideramos que tenha segurança para isso ainda. Se recebermos os EPIs segunda, vai ser complicado organizar para terça”, aponta o diretor. Ele observa que não sabe se os álcoois irão chegar já em embalagens prontas para serem utilizadas ou se virão embalados em grande quantidade e terão que ser remanejados.

Diretores apontam dificuldades de manter distanciamento entre as turmas | Foto: Arquivo Pessoal

O governo do Estado, pela assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Educação, afirmou que “realizou a compra de EPIs para todas as escolas da rede estadual. A entrega está sendo realizada e será finalizada ao longo do mês de outubro”. A previsão é de que o Ensino Médio retorne às aulas no próximo dia 20, os anos finais do Ensino Fundamental dia 28 e os iniciais dia 12 de novembro.

A Secretaria também informa que, dentre os requisitos para o retorno das aulas presenciais, estão: a elaboração e a consolidação, juntamente aos Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COEs), dos Planos de Contingência previstos na portaria conjunta SES/Seduc 01/2020; o recebimento dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e itens de higienização; e a adaptação do ambiente escolar aos protocolos sanitários vigentes no modelo de distanciamento controlado do Governo do Estado.

Caso alguma instituição não consiga cumprir os requisitos, o governo diz que não terá autorização para reabrir e deve seguir com as aulas remotas até que “sejam concluídas as devidas adequações no estabelecimento de ensino”.

Escolas em comunidades vulneráveis

Tanto a escola Alceu Wamosy quanto a Rachel Mello ficam em regiões periféricas, em que a maior parte dos estudantes e suas famílias têm poucas condições financeiras. Tatiana relata que, na comunidade no entorno da escola, localizada no bairro Camaquã, está ocorrendo um surto de covid-19 neste momento, inclusive na casa em frente à instituição, onde a tia e a avó de um aluno faleceram da doença.

“O pessoal é muito carente. A comunidade em geral não está usando máscara e, às vezes, não tem nem condições de fazer a higienização das mãos. Então vai ser bem difícil”, diz Tatiana. A maior parte das famílias têm acesso limitado à internet e busca os materiais impressos preparados pelos professores, mas a diretora relata que quando a volta às aulas foi anunciada, muitos pais já pararam de ir pegar os materiais.

Já a escola Rachel Mello atende 526 alunos do primeiro ao nono ano do ensino fundamental, em uma zona bem vulnerável próxima de um assentamento. Muitos dos estudantes vivem lá, enquanto outros moram a cerca de 5 km ou 6 km da escola e, além de terem acesso restrito à internet, muitas vezes têm dificuldade em buscar os materiais. “Alguns a gente mesmo da diretoria leva para eles de 15 em 15 dias, às vezes um leva para os outros”, conta Fátima.

*O nome da vice-diretora foi alterado para preservar sua identidade.


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