Geral
|
9 de julho de 2020
|
14:21

Universidades repudiam ataque racista sofrido por professora da UFRGS em aula virtual

Por
Sul 21
[email protected]
Universidades repudiam ataque racista sofrido por professora da UFRGS em aula virtual
Universidades repudiam ataque racista sofrido por professora da UFRGS em aula virtual

Marco Weissheimer 

O reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Afonso Burmann, divulgou nota oficial repudiando as agressões verbais praticadas por um grupo organizado de pessoas, dia 6 de julho, durante a aula virtual “Saúde e Nutrição da População Negra”, que era ministrada pela professora Fernanda Souza de Bairros, vinculada ao Departamento de Saúde Coletiva e ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Fernanda Bairros foi convidada a falar sobre o tema pela disciplina de Vigilância e Segurança Alimentar e Nutricional, do curso de Nutrição da UFSM. Ela teve a sua atividade, realizada pela plataforma virtual Google Meet, inviabilizada de forma violenta por um grupo de pessoas com agressões verbais e deboches de cunho racista e sexual.

A professora Vanessa Kirsten, responsável pela disciplina e pela organização da palestra, trabalha com temáticas relacionadas à vigilância alimentar em populações vulneráveis como indígenas e quilombolas. Ela relatou o que ocorreu ao site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm). Cerca de 40 minutos após o início da aula, ela passou a receber vários novos pedidos de ingresso. “Eu acabei confirmando esse ingresso. Por ingenuidade, por não prever que essas coisas poderiam acontecer, conta. Foi um grupo relativamente grande, dez ou quinze pessoas, que entraram no mesmo momento. No momento em que percebemos que eles queriam atrapalhar o debate, eu solicitei aos participantes que saíssem da aula pois iríamos encerrar. Então eles abriram os microfones e começaram a fazer insultos, ameaças. Queriam nos dar uma sensação de medo, diziam que invadiriam nosso IP, que se fizéssemos uma nova aula eles iriam derrubar de novo, que iriam pegar nossos números de cartão de crédito. Quando eles viram que todas as pessoas saíram da sala, eles celebraram e disseram ‘Conseguimos. Qual vai ser a próxima?’”.

Cartaz de divulgação da atividade que foi atacada.

Na nota oficial, o reitor da UFSM manifesta total repúdio a esse tipo de atitude e manifesta solidariedade à professora e a todas as pessoas que vivenciaram a situação. Os agressores, acrescenta Paulo Burmann, tinham o claro objetivo de acabar com o debate científico que acontecia, com mais de 50 participantes. A aula tratava da relação da diversidade étnico-racial com a saúde da população.

O reitor solicitou à toda comunidade acadêmica que “redobre os cuidados com a segurança em suas práticas e procedimentos com o uso de mídias digitais, com o propósito de evitar o surgimento ou a reincidência de atitudes discriminatórias”. Burmann informou que estão sendo tomadas medidas cíveis e criminais para coibir a responsabilizar os autores do ataque, garantindo também o acolhimento e o acompanhamento das vítimas.

O Departamento de Saúde Coletiva e o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da UFRGS, também divulgaram nota oficial repudiando o ataque. Segundo a nota, não se trata de um caso isolado já que, nas últimas semanas, ocorreram outras invasões cibernéticas criminosas em “diferentes atividades ministradas por professores negros da nossa comunidade acadêmica”.

“Infelizmente, atos de violência como esse não se configuram em eventos isolados e se inserem no fomento a intolerância e ao ódio, bem como refletem a prática genocida que acontece histórica e cotidianamente contra a população negra brasileira”, afirma a nota. E acrescenta: “Não toleraremos tais práticas de forma alguma. Invasão cibernética é crime. Racismo é crime. Desta forma, reiteramos, com veemência, nosso repúdio e marcamos nossa posição: não recuaremos, não silenciaremos, não deixaremos sem resposta”.

Alvo do ataque, a professora Fernanda Bairros, em um relato publicado em sua página no Facebook, definiu o ocorrido como “uma verdadeira cena de terror”, com ameaças, xingamentos e deboches de cunho racista e sexual. “Sabemos que não se trata de um caso isolado, outros colegas da UFRGS e de outras universidades já haviam passado por isso. Trata-se de um grupo organizado para atacar universidades públicas e a fim de coibir, invisibilizar e silenciar as temáticas étnico-raciais na formação e produção do conhecimento”, escreveu.

Ela assegurou que a resposta ao ataque não será o silêncio: “Somos muitas, não recuaremos e não silenciaremos! Invasão cibernética é crime. Racismo é crime. Enquanto houver racismo, não haverá democracia. Racistas não passarão!”

Fernanda reiterou, ao Sul21, que não se trata de um caso isolado e que há um ou mais grupos organizados por trás desses ataques. A professora da UFRGS relatou que um novo ataque desse tipo ocorreu ontem (8) à tarde, em uma atividade do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus Restinga. “Era um evento para discutir o racismo a partir do olhar de pessoas que moram na própria comunidade”. Segundo ela, há relatos de vários ataques desse tipo, em vários estados do país, envolvendo atividades acadêmicas em universidades públicas debatendo questões raciais, de gênero e sexualidade.

A professora anunciou que a aula interrompida da segunda-feira será retomada. “Mais do que nunca essa aula tem que ser retomada. O que era uma aula teórica sobre racismo e saúde acabou virando uma aula prática”, afirmou.

Os organizadores da aula fizeram um registro do ocorrido junto à Polícia Federal de Passo Fundo, que anunciou que pedirá ao Google a identificação dos IP’s que participaram da ação.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora