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31 de julho de 2020
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19:20

Em meio à pandemia, teletrabalho vira ponto central na negociação coletiva dos bancários

Por
Luís Gomes
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Em meio à pandemia, teletrabalho vira ponto central na negociação coletiva dos bancários
Em meio à pandemia, teletrabalho vira ponto central na negociação coletiva dos bancários
Nas negociações com o Banrisul, uma das pautas da categoria é a manutenção do banco como público | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O Comando Nacional dos Bancários realiza nesta sexta-feira (31) a primeira rodada de conversas com a Comissão de Negociação da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) no âmbito das negociações para a renovação do acordo coletivo da categoria em todo o País, que tem como data-base o dia 1º de setembro. Além do pedido de reajuste salarial de 5% acima da inflação, ganha força em 2020, em razão da pandemia do novo coronavírus, a negociação em torno das regras do teletrabalho (ou home office).

A pauta de reivindicações dos bancários foi entregue à Fenaban no dia 24 de julho, com o pedido de reajuste da inflação mais 5% de aumento real em todas as cláusulas econômicas, defesa da manutenção dos empregos, defesa de uma única mesa de negociação com os bancos — públicos e privados — e contra a retirada de direitos de quem trabalha de casa, entre outras reivindicações.

“É uma campanha difícil, pelo momento em que estamos vivendo, e vai ter que ser feita de forma virtual”, diz Juberlei Bacelo, diretor de Comunicação da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS) e membro do Comando Nacional.

Bacelo explica que o comando nacional dos bancários tentou a prorrogação da vigência do acordo coletivo durante a pandemia, a chamada ultratividade, mas os bancos recusaram. O Senado chegou a incluir a ultratividade das convenções coletivas durante a pandemia na MP 936, mas o artigo que previa essa possibilidade foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Responsável pelas negociações com o Banrisul, o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) entregou a pauta de reivindicações à direção no banco na última terça-feira (28) e teve a primeira rodada de negociação nesta quinta (30). “O carro-chefe da discussão do Banrisul, nos últimos anos, tem sido a manutenção do banco como público e melhoria das condições de trabalho”, diz Luciano Fetzner, presidente em exercício do Sindibancários.

Fetzner defende que o pedido de ganho real é justificado porque, mesmo na pandemia, os bancos continuam registrando altos lucros no Brasil. No primeiro trimestre, o lucro consolidado dos principais bancos do Brasil foi de R$ 13,7 bilhões. Ainda que tenha sido o menor valor trimestral desde 2017, ele pontua que o setor segue com lucros expressivos. “É um lucro muito alto, um pouco menor, não prejuízo. São coisas bem diferentes”, diz Fetzner. “A gente até acredita que os bancos vão ser afetados lá na frente, porque a crise econômica se aprofunda. Mas, como o banco tem aversão a risco, o que eles estão fazendo na hora que as pessoas mais precisam de crédito? Estão aumentando as taxas de juros, principalmente para os setores que mais precisam, que são os pequenos e médios”, complementa Bacelo.

Teletrabalho

Porém, para além das cláusulas econômicas, um dos pontos centrais da negociação dos bancários deste ano será a regulamentação do teletrabalho. Como explica Luciano Fetzner, do Sindbancários, cada banco optou por implementar regras próprias para o trabalho remoto, como o revezamento de funcionários ou afastamento do local de trabalho de pessoas do grupo de risco. A ideia da categoria é que haja um regramento válido para todo o setor.

“Não há hoje um padrão. Uma das coisas que nós queremos é tentar construir, no acordo nacional, uma padronização. Nós reivindicamos, por exemplo, que as empresas forneçam condições de ergonomia para o trabalhador que está em casa e tá lá com o notebook, sentado no sofá e com o bebê no colo. Não tem uma cadeira adequada, não tem uma mesa adequada, não tem segurança para a saúde física”, diz.

Ele destaca que, neste cenário, ganham força discussões sobre como deve ser feito o controle de jornas no teletrabalho e o uso de bens pessoais, seja linha telefônica, internet ou computador próprio. “Se depender dos bancos, a gente tem certeza que eles querem consolidar isso para além da pandemia. É claro que a gente quer que isso seja paliativo. O teletrabalho sempre foi algo que o movimento sindical foi contra, porque acreditamos que o trabalhador tem que trabalhar no local de trabalho fornecido pelo empregador, mas vai ter essa queda de braça na campanha salarial porque foi o próprio movimento sindical que entrou muito forte exigindo que as pessoas fossem colocadas em casa nesse momento da pandemia”, diz Fetzner.

Juberlei Bacelo avalia que os bancos se aproveitaram da pandemia para avançar medidas de redução de custos que já estavam no horizonte das instituições. “Por exemplo, essa questão do teletrabalho já tinha estudos, alguns embriões em alguns bancos, mas eles aproveitaram a pandemia para fazer uma grande experiência”, diz.

Ele destaca uma fala do presidente do Santander, Sergio Rial, que, no início da pandemia, defendeu que os bancários deveriam “dividir um pouco das vantagens” de trabalhar em casa com os bancos, como, por exemplo, abrindo mão do vale-refeição. “Como se em casa o bancário não tivesse que comer, ou tivesse tempo para preparar a sua refeição, o que não é verdade. Na maioria das vezes, está tendo que chamar tele-entrega porque o intervalo do almoço é insuficiente”, diz o diretor da Fetrafi-RS.

Bacelo reconhece que a expectativa da categoria é de que o teletrabalho veio para ficar, ainda que não nos números verificados durante a pandemia, uma vez que metade da categoria chegou a trabalhar de casa nesse período. “Os bancos têm a perspectiva de transferir parte dos custos do trabalho para o bancário. Evidente que isso é um tema extremamente importante para nós negociarmos, porque a gente tem uma série de preocupações. Os custos dos bancários aumentaram, planos de internet tiveram que aumentar, não são todos os bancos que deram computador, tem a questão do mobiliário. Alguns bancos, depois de a gente reclamar, estão disponibilizando para levar cadeira, mas não é todo bancário que tem um ambiente adequado na sua casa para exercer o trabalho. Quer dizer, tem uma série de custos que aumentam para o trabalho e podem ter consequências até para a saúde, como essa questão da falta de mobiliário”, diz.

Ele destaca ainda que a categoria já vem se preparando há anos para o impacto da digitalização dos sistemas bancários nos níveis de empregos, mas que isso vinha acontecendo num ritmo que poderia ser considerado lento, porque a população ainda não havia aderido massivamente a serviços de home banking, o que mudou em razão das restrições de circulação impostas para o enfrentamento ao coronavírus.

“Isso avançou muito durante a pandemia. Teve executivo de banco dando declaração no primeiro mês da pandemia que a digitalização dos bancos, em 30 dias, tinha avançado o equivalente a cinco anos. E a gente vê isso na vida prática. Tem pessoas que não utilizavam o aplicativo do banco. O pessoal mais idoso, principalmente, preferia ir na agência tirar um extrato, fazer uma transação financeira, e, com essa situação, se viram obrigados a utilizar essas novas formas. Então, a gente sabe que isso tem um impacto na categoria, tanto que alguns bancos fecharam provisoriamente algumas agências durante a pandemia, mas também já fazendo experiência para ver se é necessária essa agência aberta ali na frente”, diz.

Neste sentido, Bacelo avalia que a pandemia ajudou os bancos ao reduzirem as operações que acontecem dentro das agências. “É tudo que eles querem, porque isso permite reduzir a rede de atendimento”, diz.


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