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2 de junho de 2020
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19:04

MPT pede condenação de frigorífico que demitiu indígenas por danos morais, coletivos e dumping social

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Sul 21
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Trabalhadores indígenas demitidos pela JBS Seara foram assinar suas rescisões na segunda-feira (1). (Foto: Fernanda Kaingáng)

Marco Weissheimer

O Ministério Público do Trabalho, por meio da Procuradoria do Trabalho no município de Joaçaba (SC), decidiu ingressar com uma ação civil pública contra a empresa Seara Alimentos Ltda., do Grupo JBS, com sede neste município, pela prática de “dispensa discriminatória de trabalhadores vulneráveis”. A decisão de instaurar a ação foi motivada pela denúncia feita por lideranças kaingang da Terra Indígena Serrinha, dando conta da demissão de 40 trabalhadores indígenas, incluindo gestantes, do frigorífico da JBS em Seara no dia 14 de maio. As demissões, segundo a denúncia feita pelo Instituto Kaingang, ocorreram dois dias após a publicação da portaria 312, da Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina determinando o afastamento de trabalhadores integrantes de grupos de risco (entre eles, os indígenas), sem prejuízo do salário, durante o período que durar a pandemia de covid-19.

A Terra Indígena Serrinha está situada em uma área que abrange os municípios de Ronda Alta, Três Palmeiras, Constantina e Engenho Velho, e tem uma população de cerca de 3.500 pessoas, divididas em 650 famílias. Uma pequena parcela delas têm empregos formais como os que esses trabalhadores tinham em frigoríficos da região.

No dia 29 de abril, foram confirmados dois casos de covid-19 dentro da Serrinha, no município de Três Palmeiras, ambos funcionários da empresa frigorífica Ecofrigo, do Grupo Bugio de Santa Catarina. Em atendimento às medidas de prevenção e combate à covid-19, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) efetuou o isolamento dos pacientes indígenas, de seus familiares e contatos diretos e determinou o monitoramento clínico de todos os trabalhadores indígenas que fazem uso dos transportes coletivos para os frigoríficos de Santa Catarina pelo período de 15 dias, a contar do dia 01 de maio de 2020. A liderança da Terra Indígena Serrinha também estabeleceu medidas de isolamento social.

Neste contexto, foi proibido também o transporte dos trabalhadores indígenas na primeira quinzena de maio com o objetivo de identificar possíveis casos de contaminação entre os trabalhadores dos frigoríficos de Santa Catarina, mediante monitoramento clínico.

No dia 14 de maio, cerca de 40 trabalhadores indígenas da JBS/Seara foram surpreendidos com o depósito de verbas rescisórias em suas contas bancárias, o envio de termos de rescisão para o celular do Cacique Ronaldo Inácio Claudino e a informação de que a empresa estaria enviando ônibus para que os trabalhadores assinassem suas rescisões no Sindicato, com data de homologação nesse mesmo dia. Para a advogada Fernanda Kaingáng, que representa os indígenas e apresentou denúncia ao Ministério Público do Trabalho, a decisão da empresa caracteriza demissão discriminatória e racismo institucional.

Empresa alegou que demissões ocorreram em virtude da “descontinuidade da linha de ônibus que transportava os trabalhadores” (Foto: MPT)

A JBS negou a prática de demissões discriminatórias e alegou que “o desligamento de 40 colaboradores da Terra Indígena Serrinha no dia 6 de maio ocorreu em virtude da descontinuidade da linha de ônibus que fazia o transporte dos colaboradores em um percurso de cerca de 600 km diários, ida e volta, até a unidade. As demissões foram feitas sem justa causa com o pagamento integral de todas as verbas indenizatórias previstas”.

Pedido de indenização por danos individuais morais e coletivos

Na avaliação do Procurador do Trabalho Edson Beas Rodrigues Junior, ainda que a empresa não tivesse por objetivo gerar qualquer “distinção, exclusão ou restrição”, as demissões caracterizam discriminação de fato ou “discriminação racial indireta, que ocorre quando “um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico”. Formalmente, assinalou o Procurador, a empresa decidiu dispensar todos os seus empregados de origem indígena domiciliados na Terra Indígena Serrinha por entender que os custos de transporte se tornaram proibitivos, em virtude da adoção de medidas sanitárias para a redução dos riscos de disseminação da covid-19, como a redução da lotação dos ônibus em 50%. No entanto, avaliou o Procurador, “é pouco verossímil que os custos de transporte de trabalhadores se tornaram proibitivos, quando se tem presente que o grupo JBS, em 2019, teve uma receita líquida de R$ 204,5 bilhões”.

O Procurador considerou indubitável a existência de dano no caso. “As vítimas da dispensa discriminatória integram grupo de indivíduos hiper vulneráveis (trabalhadores indígenas; gestantes), os quais foram dispensados em um período crítico, em que a recolocação no mercado de trabalho é pouco provável até que a pandemia seja controlada, o que não se sabe quando ocorrerá”, afirmou.

Na ação, o MP do Trabalho pede, entre outras coisas, a reintegração de “todos os trabalhadores indígenas e gestantes, dispensados pela demandada a partir de 1º de maio de 2020, oriundos da Terra Indígena Serrinha, com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento de todas as verbas salariais devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais e, imediatamente após a reintegração, realizar seu afastamento remunerado durante todo o período de duração da epidemia de Covid-19, por comporem grupo de risco”. E pede o pagamento de multa diária no valor de R$ 10 mil, por obrigação descumprida, multiplicada pelo numero de trabalhadores prejudicados.

A ação pede ainda uma indenização, a título de reparação por dano moral individual, a ser arbitrada pela Justiça, em valor não inferior a R$ 50.000,00 para cada trabalhador demitido. Alem disso, pede a condenação da empresa , por dano moral coletivo, a pagar uma indenização de R$ 8 milhões e uma outra indenização de R$ 2 milhões pela prática de violação à ordem econômica decorrente de dumping social. Esses valores, estabelece o MPT, devem ser integralmente revertidos para “a melhoria das condições de vida de toda a população da comunidade afetada (Terra Indígena Serrinha), mediante investimento em equipamentos públicos para fruição da comunidade, saneamento, educação, saúde, moradia etc”.


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