Geral
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10 de junho de 2020
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12:02

Atrasos de salários e demissões sem pagamento de direitos assustam professores de rede de ensino no RS

Por
Luciano Velleda
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Crise de gestão na Rede CNEC tem afetado professores e funcionários das unidades do Rio Grande do Sul, como em Osório. Foto: Divulgação/EAD CNEC
Crise de gestão na Rede CNEC tem afetado professores e funcionários das unidades do Rio Grande do Sul, como em Osório. Foto: Divulgação/EAD CNEC

Salários atrasados, cortes injustificados, demissões em massa e sem o pagamentos dos direitos trabalhistas. Essa tem sido a realidade de professores e funcionários da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), grupo privado de ensino fundado há 75 anos, com mais de 200 instituições entre educação básica e superior, em 18 estados e no Distrito Federal. Conhecida no Rio Grande do Sul como Rede Cenecista, é composta por 16 colégios e 5 faculdades em solo gaúcho — recentemente, uma escola em Charqueadas fechou e a faculdade em Nova Petrópolis está em processo de encerramento das atividades.

A deterioração das relações de trabalho tem assustado os profissionais, pois a crise de gestão é generalizada nos demais estados do país. Somente nos últimos meses, em torno de 15 instituições foram fechadas Brasil afora. Os salários de março e abril dos professores foram pagos incompletos, com descontos que variaram de 20% até 40%, com muitos docentes nem sequer tendo acesso ao seu contra-cheque. No último dia 5, a situação se repetiu com os salários relativos ao mês de maio. Há redução no valor da hora/aula e cortes no adicional por mestrado e doutorado. Na unidade de graduação em Joinville, os professores estão em greve.

Em Osório, o Colégio Cenecista Marquês de Herval, cuja unidade abriga também o Centro Universitário Cenecista, é uma das instituições mais afetadas no Rio Grande do Sul. Entre março e abril, 115 funcionários foram demitidos, alguns com mais de 20 anos de empresa, sem o devido pagamento da rescisão e demais direitos. Há relatos de trabalhadores demitidos que não recebem nem o FGTS. Sob condição de anonimato para evitar represálias, professores contam que a situação é de extremo desgaste emocional e físico. Com as aulas ocorrendo no modelo à distância, em função da crise causada pelo novo coronavírus, a denúncia é de estarem trabalhando uma carga horária ainda maior, e sem saber quando receberão os salários atrasados e quanto ganharão no mês seguinte.

O reitor do Centro Universitário Cenecista foi demitido em abril e, desde então, a instituição está sob comando do diretor da faculdade de Gravataí, que por sua vez também responde pela unidade de Santo Ângelo, cujo reitor também foi demitido.

Com a sede da Rede CNEC localizada em Brasília, as instituições espalhadas pelo Brasil têm pouca autonomia para explicar a situação. Em Osório não é diferente, com professores e funcionários se sentindo abandonados, sem diálogo produtivo com a diretoria. Em busca de contornar o problema, dezenas de docentes pediram ajuda ao Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), como canal para intermediar uma negociação com os donos do grupo de ensino. E assim foi feito em abril, quando se estabeleceu contato com a mantenedora, em Brasília. Desde então, houve uma série de reuniões e conversas, porém, sem avanços até aqui.

“O problema é que estavam querendo fazer reduções muito drásticas, em algum casos, de até 50% do salário”, explica Sani Cardon, diretor de administração do Sinpro/RS. “Não conseguimos avançar porque estavam querendo precarizar demais as condições dos professores”. Segundo Cardon, no caso da escola em Charqueadas, a proposta da mantenedora era pagar menos do que o piso salarial. Sem acordo, os donos decidiram fechar o colégio.    

Na mesa de negociação, o argumento dos donos da Rede CNEC é a inadimplência dos alunos devido à atual crise sanitária e econômica. Uma justificativa que, de acordo com professores, não procede, visto que as demissões sem o pagamento do que é direito e os cortes salariais começaram antes da pandemia. “Eles estão querendo se aproveitar da pandemia para ‘resolver’ problemas”, avalia Sani Cardon. Para ele, se o problema fosse mesmo a crise do coronavírus, seria plausível algumas reduções por um período determinado, mas a mantenedora não concorda. Os donos querem tornar os cortes definitivos.

O impasse estabelecido na negociação infrutífera entre o Sinpro/RS e a mantenedora da Rede CNEC tem feito com que o caminho seja recorrer à Justiça. O sindicato entrou com duas ações, uma referente aos salários atrasados de março e abril, e outra cobrando o pagamento das indenizações dos trabalhadores demitidos. O Sinpro/RS ainda denunciou a situação ao Ministério Público do Trabalho (MPT/RS).

A cobrança do pagamento dos salários atrasados é uma ação coletiva, que reúne mais de 30 professores. Entretanto, o diretor de administração do Sinpro pondera haver um número bem maior de profissionais lesados, mas que não querem recorrer à via judicial. Há casos de professores demitidos de uma unidade da rede e que seguem atuando em outra, temendo assim serem ainda mais prejudicados.

Há mais de 30 anos atuando na Justiça do Trabalho, a advogada Vera Bolzan tem sido bastante procurada por ex-funcionários do Centro Universitário Cenecista de Osório. Sem precisar exatamente quantas ações ajuizou, sabe que o número é alto, em torno de 40 ou mais. “É uma situação muito triste, professores com 20 anos de casa, não é possível. Nem o FGTS liberam”, afirma Vera.

De acordo com a advogada, há informações de que a instituição de Osório é superavitária e estaria sofrendo com a má gestão de outras unidades da rede. Com tanto tempo de atuação na justiça trabalhista, lhe chama à atenção a obviedade dos casos. São direitos básicos sendo negados aos trabalhadores demitidos, ações que nem sequer discutem horas-extras, por exemplo.

Até o momento, a Justiça tem sido o único caminho para os profissionais lesados. Aqueles que entram com ação, são pagos; enquanto outros ainda preferem esperar e mantêm a esperança de receber o que lhes é de direito.

No último dia 3, a Promotoria Regional de Educação de Osório ingressou com ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, contra o Colégio Cenecista Marquês de Herval. Há o receio de que a escola feche e deixe sem aula cerca de 400 alunos, entre crianças e adolescentes, tal como feito em Charqueadas, em maio. Na ação, a Promotoria exige que a Rede CNEC se comprometa a cumprir o ano letivo de 2020.

“Por todo o quadro apurado, a crise que assola a rede CNEC é de gestão e não de coronavírus, que, por não ter concorrência em Osório, ainda tem nesta unidade um dos últimos resquícios da rede de ensino que foi um dia, mas que já está sentindo, desde março, diariamente, a sequela dos rumos errados que a instituição tomou. Não fossem as aulas remotas, as famílias estariam percebendo o desmantelamento da unidade de Osório”, afirma trecho da ação, que ainda exige a cobrança de multa caso a escola seja fechada, sem aviso prévio, e antecedência mínima de seis meses.    

Por meio de nota, a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) nega a possibilidade de fechamento do Colégio Cenecista Marquês de Herval e afirma que “essa realidade não é vivenciada pela instituição de Osório”. 

“O fechamento de uma escola, ao contrário do que informado na entrevista, não ocorre do dia para a noite. A descontinuidade de qualquer instituição privada precisa ser solicitada oficialmente aos órgãos de educação estadual e municipal de cada localidade, requisição que, reafirmamos, nunca foi pedida para as unidades de Osório. O fato pode ser facilmente comprovado a partir de uma consulta no Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul ou no Conselho Municipal de Educação de Osório”, alega a CNEC.

Segundo o grupo de ensino, tanto o Colégio Cenecista Marquês de Herval como o Centro Universitário Cenecista de Osório mantém a oferta de educação “com o legado institucional sendo ampliado a cada dia”.

Sobre outros colégios da rede que foram recentemente fechados, a CNEC afirma que: “Tal decisão foi tomada depois da realização de uma análise minuciosa de fatores internos e externos que avaliaram o impacto causado pela pandemia de Covid-19, sobretudo, no mercado educacional privado. Nessas unidades, especificamente, a avaliação demonstrou ser inviável a manutenção do bom atendimento da comunidade local, com a qualidade e eficiência da nossa marca”.

Por fim, a Direção Geral da CNEC “reitera aos alunos, pais e comunidade que as aulas no Complexo CNEC de Osório seguem conforme previsto nos calendários escolar e acadêmico de 2020”.

A nota, no entanto, não comenta ou explica os atrasos salariais e as demissões que têm acontecido sem o pagamento dos direitos dos trabalhadores.


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