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29 de maio de 2020
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18:00

Em meio à pressão pela retomada do judiciário, servidores alertam para riscos e destacam produtividade

Por
Luís Gomes
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Pilha de processos é uma realidade para os servidores que têm atuado de casa na quarentena | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

No dia 19 de março passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendendo prazos processuais e o trabalho presencial nas unidades do Poder Judiciário, com exceção de atividades consideradas essenciais, que deveriam ser realizadas em regime de plantão. Inicialmente, a portaria tinha como prazo de validade o final de abril, mas, após prorrogações, vigorará, pelo menos, até o dia 14 de junho.

Contudo, em meio às prorrogações, o CNJ já flexibilizou algumas medidas, como a retomada dos prazos dos processos eletrônicos a partir do início de maio. A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) tem se mobilizado nas últimas semanas pela retomada das atividades do Poder Judiciário. A posição defendida atualmente pela Ordem é de que o CNJ deveria conceder autonomia para os tribunais de justiça estaduais estabelecerem medidas próprias de restrição e retomada das atividades.

Por outro lado, o Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Sindjus-RS) argumenta que os dados da epidemia no Estado não possibilitariam uma retomada de atividades presenciais, ao mesmo tempo que aponta que os servidores têm se mantido tão ou mais ativos quanto antes.

Oficial escrevente na Central de Cumprimento Cartorário de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, Natália Oliveira Barros tem se mantido bastante ativa desde que a epidemia do novo coronavírus obrigou o Poder Judiciário a entrar em quarentena no Brasil por meio do home office.

“Eu organizei um espaço aqui em casa, com os meus próprios recursos, com o meu computador, consegui colocar uma segunda tela para poder reproduzir um espaço semelhante ao que eu tinha lá no Fórum”, diz Natália.

Ela avalia que, de casa, tem uma produtividade até maior do que se estivesse indo ao Fórum de Justiça diariamente. “Eu tenho todas as facilidades de não precisar me deslocar até o local de trabalho, a carga horária é a mesma, até diria que é muito fácil se perder e acabar trabalhando mais, porque a gente acaba não observando tempo de almoço, de descanso”, diz.

A oficial escrevente reconhece, contudo, que isso só é possível porque Viamão é uma das dez cidades do Rio Grande do Sul que já trabalham com processos eletrônicos, o que permite que ela tenho acesso a todos os documentos necessários para realizar o seu trabalho. “Trabalhar de casa não significa trabalhar menos, nós temos atendido os advogados por telefone, por e-mail. Com certeza o nosso trabalho não diminuiu, pelo contrário, a gente até tem encontrando um pouco de dificuldade de dar conta”, diz.

De acordo com dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), apenas 23% dos processos que tramitam na Justiça estadual já são eletrônicos, faltando digitalizar os demais 77%.

Francineth Vaz Pereira, que também é oficial escrevente na Justiça estadual, não teve a possibilidade de trabalhar no sistema home office, porque atua no Juizado da Infância e Juventude, cujas atividades presenciais permanecem sendo realizadas, pois são consideradas essenciais.

Ela diz que, no primeiro momento, em março, os servidores do Juizado ainda tentaram trabalhar por e-mail, mas conta que chegou a um ponto em que a demanda superou o que era possível fazer de casa. Francineth, que é mãe solo de uma menina de 8 anos, diz que a principal dificuldade de atuação no período da quarentena é conciliar as atividades profissionais com o cuidado da casa e com auxiliar a filha a acompanhar as aulas online.

“Com um equipamento só, tu tem que fazer o teu home office, fazer as aulas da criançada, fazer as lidas domésticas, garantir alimentação, higiene, atenção, porque as crianças ficaram isoladas”, diz.

Francineth explica que conta com a ajuda da mãe, já idosa, para cuidar da menina no período em que ela precisa ir até o Juizado, mesmo a família sabendo que isso é um risco neste período de epidemia de covid-19, mas que não há outro jeito. Contudo, como a avó não consegue auxiliar a menina nas tarefas escolares, Francineth precisa retornar para casa no intervalo de almoço para fazer esse trabalho.

“Eu estou expondo a minha mãe, que é idosa. A minha filha ficava o dia inteiro na escola, agora a minha mãe tá prestando esse apoio para mim. Fica com a minha filha para eu poder trabalhar. Aí na hora da aula, como ela é idosa e a menina é pequena, eu tenho que ir lá na casa da vó, pegar correndo a menina, levar em casa, acessar a aula online, acompanhar ela ali. Depois que terminou a aula, encerra tudo, leva ela de novo na vó, volto pro Fórum e compenso o que excedeu aquele período do intervalo de almoço. É muito corrido, é muito desgastante. Para mim, como servidora, e para minha família”, diz, destacando que se preocupa com o risco dessa movimentação para a saúde dos familiares, agravado pelo fato de que o Juizado segue fazendo audiências presenciais. “Mas o que fazer com uma criança de 8 anos de idade que precisa da mãe, eu sou mãe solteira, e a avó tem que cuidar da criança porque a mãe tem que trabalhar para sustentar a casa?”.

Movimentação pela retomada

Presidente do Conselho de Comunicação Social do TJ-RS, o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira diz que o tribunal trabalha obedecendo a orientação nacional, que vem do CNJ. Ele pondera que, após um período inicial de suspensão de todos os prazos, o Poder Judiciário tem retomado algumas atividades, como os processos eletrônicos e, num segundo momento, a realização de audiências virtuais e sessões de julgamento do próprio Tribunal de Justiça, por meio de videoconferência. “Com isso, busca-se retomar um atendimento mais efetivo na jurisdição, ainda que, evidentemente, longe do ideal”.

O desembargador diz compreender a “angústia dos advogados” e as reclamações por uma retomada mais célere dos trabalhos, mas avalia que, dentro do possível, a Justiça gaúcha está fazendo “bastante”. Ele diz que uma evidência disso é o fato de que, de acordo com o CNJ, a Justiça gaúcha é uma das seis com maior agilidade, mesmo que 77% dos processos em tramitação ainda sejam físicos. “Ou seja, nós estamos produzindo muito com o processo eletrônico e atendendo, dentro do possível, os processos físicos”.

Presidente da OAB-RS, Ricardo Breier tem encabeçado o movimento pela retomada das atividades presenciais da Justiça Estadual. Ele pondera que o Rio Grande do Sul estaria com uma realidade do coronavírus mais controlada em comparação a outros estados, o que não justificaria a aplicação das mesmas restrições. “Tu vê cidades do interior que não têm nenhum caso de contaminação, a saúde pública segue trabalhando maravilhosamente bem, a segurança pública também, nós temos a economia começando a retomar e o cidadão não tem o fórum aberto”, diz.

Por sua vez, Emanuel Dall’Bello, diretor de Imprensa e Divulgação do Sindjus, avalia que os dados da evolução do coronavírus estariam demonstrando que ainda não é o momento para o retorno das atividades. “A curva de contágio não deu sinais de controle e há uma gigantesca subnotificação em todo o país, inclusive aqui no RS. A tentativa de forçar o retorno agora pode levar a uma tragédia. A prioridade neste momento deveria ser a preservação de vidas”, defende.

Os dados disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) indicam que, no dia 1º de maio, o RS contabilizava 2.363 casos de coronavírus de acordo com a data de confirmação do exame. Menos de um mês depois, este número praticamente triplicou, chegando a 8.234 na quinta-feira (28). Já o número de óbitos de fato triplicou no período. Eram no dia 1º de maio, e chegaram a 213 até a noite de ontem.

No último domingo (24), a OAB-RS entrou com um pedido de providências no CNJ argumentando que o Rio Grande do Sul estaria com a epidemia em situação controlada, diferentemente do resto do País, e pedindo autonomia ao Tribunal de Justiça para decidir, dentro da sua realidade, qual a melhor forma de trabalhar. “Essa forma da Justiça fechada não está bem. A advocacia faz 60 dias que não trabalha”, diz Breier.

O presidente da OAB-RS destaca que a petição já recebeu apoio do Ministério Público do Rio Grande do Sul, da Defensoria Pública e de outras entidades representativas de advogados e setores da atividade jurídica. “O único poder que não está retomando é o judiciário.”

Breier esclarece que não está defendendo uma retomada total das atividades, mas defende que é possível retornar “aos pouquinhos, com todo o cuidado e respeitando protocolos”. “Se piorar lá na frente, o presidente tem essa autonomia. Mas, se tu deixar para o CNJ, ele vai prolongando”, diz. “Não quer dizer que vai abrir o fórum. Não, tem que ser um retorno gradual, aos poucos, mas tem que começar”.

Oficiais de Justiça têm mantido atividades consideradas essenciais nas ruas | Foto: Divulgação

Dall’Bello argumenta que o trabalho que já vem sendo exercido pelos servidores é o possível para este momento da pandemia. “O Judiciário segue funcionando com alta produtividade, obviamente adaptado à realidade que enfrentamos. A maior parte da categoria está em regime de teletrabalho, mas continuam os plantões e há um revezamento nos cartórios para atendimento das demandas urgentes em processos físicos. Os oficiais de justiça estão nas ruas. Assim como os demais setores, o atendimento presencial na Justiça estadual deveria ser retomado somente após vencermos a pandemia. Diariamente circulam milhares de pessoas nos fóruns de todo o estado, o potencial de disseminação do vírus é imenso”, diz.

Sobre a possibilidade de retomada, o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira afirma que o TJ-RS mantém reuniões diárias de monitoramento da evolução do coronavírus no Estado. “Mas, é preciso deixar bem claro para a sociedade que o judiciário está restrito a um contexto de normatização nacional e também sujeito à fiscalização das autoridades sanitárias do Estado. Então, nós temos que agir em consonância com aquilo que está sento determinado e o que, de acordo com essas autoridades, seria o melhor possível”.

O Judiciário não será mais o mesmo

Para além da discussão sobre quando o Poder Judiciário gaúcho retomará suas atividades, há também uma discussão sobre de que forma isso se dará. Para Natália Barros, que não tinha o costuma de trabalhar de casa antes da quarentena, o retorno será acompanhado por uma incorporação cada vez maior do trabalho remoto. “Foi visto que a gente pode sim trabalhar e pode produzir até mais em casa”, afirma.

Na mesma linha, acredita que a tendência é também de facilitar os meios para a entrega e o recebimento de documentos digitalmente. “Acredito que é um caminho sem volta. A gente está percebendo os benefícios de trabalhar assim, toda a celeridade que envolve não precisar contar tanto com o documento físico. A gente está percebendo que é muito mais rápido e eficiente trabalhar de forma eletrônica. Acredito que seria um retrocesso tentar voltar ao padrão anterior”.

O presidente da OAB também avalia que o período de quarentena mostrou que a advocacia deverá apostar cada vez mais em soluções tecnológicas. Ele diz que, em conversa com colegas que estão atuando em processos eletrônicos, ouve relatos de que há uma alta produtividade neste período. No entanto, frisa que se faz necessária a digitalização de todos os processos.

“A tecnologia vai entrar de vez na advocacia. Comprovadamente, é uma solução. Talvez impulsione o TJ a digitalizar. E as audiências virtuais serão o nosso grande desafio. Se elas forem bem regulamentadas, com certeza nós vamos ter menos deslocamentos”, afirma.


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