Geral
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24 de abril de 2020
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11:25

‘Não deixaremos isso impune. Iremos até o fim’, diz irmão de engenheiro morto em ação da Brigada em Marau

Por
Marco Weissheimer
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Gustavo (esquerda) e Guilherme Amaral eram irmãos gêmeos. “Meu mundo acabou”, disse Guilherme. (Reprodução/Facebook)
Gustavo (esquerda) e Guilherme Amaral eram irmãos gêmeos. “Meu mundo acabou”, disse Guilherme. (Reprodução/Facebook)

“Não atira! Não atira, que ele é trabalhador! É nosso chefe”. Os apelos dos colegas não foram suficientes para evitar a morte do engenheiro eletricista Gustavo Amaral, de 28 anos, na manhã do último domingo, durante uma ação da Brigada Militar na RS 324, em Marau, norte do Rio Grande do Sul. Apoiada nos depoimentos dos colegas de Gustavo, a família afirma que ele foi executado a tiros por um brigadiano, pelas costas, quando ele e seus colegas desceram do automóvel em que estavam e se jogaram no chão para se proteger do tiroteio entre um efetivo da Brigada Militar e acusados de furtar um veículo. Em um depoimento emocionado em sua página no Facebook, Guilherme Amaral, irmão gêmeo de Gustavo, relatou assim o ocorrido:

“Meu irmão gêmeo , meu melhor amigo, meu companheiro, fanático pelo Grêmio foi executado pela policia militar de Marau. Meu irmão era Engenheiro Eletricista, formado na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). E atualmente trabalhava ajudando meu pai em subestações de energia elétrica. Ao sair para o trabalho hoje pela manha , os policiais estavam em perseguição a um carro roubado, uma Amarok. Policiais atiraram nos pneus dessa Amarok que acabou batendo no carro que meu irmão estava junto com 4 colegas de trabalho, numa Doblò. A policia começou a atirar nos bandidos , meu irmão e seus colegas todos com uniformes da empresa saíram e ficaram abaixados ao lado do Fiat Doblò. Um policial que ainda não sei o nome foi até ao lado do carro, e mirou com a arma. Os colegas do meu irmão gritaram , não atirem a gente está indo pro trabalho. Não adiantou, o policial atirou no meu irmão que estava agachado ao lado do carro tentando se proteger, de costas, mesmo após visualizar os uniformes e os gritos de todos”. O meu pedaço que me foi roubado, mas que continuará eternamente em meu coração.

Gilmar Ferreira de Amaral, pai de Gustavo, também se manifestou em sua página no Facebook:

“Meu filho amado, meu sorriso, minha alegria, minha certeza de sucesso, vou continuar vivendo pelos teus irmãos até que Deus decida a hora de te reencontrar. # Quando um pai perde um filho, todos os pais do mundo perdem um pouco também”.

A família de Gustavo criou uma página especial para acompanhar o caso: Justiça para Gustavo Amaral.

Em conversa por telefone com o Sul21, na manhã desta quinta-feira (23), Guilherme confirmou esse relato e anunciou que a família já contratou um advogado para processar a Brigada Militar e o Estado e irá até o fim para apurar os fatos e esclarecer quem matou Gustavo. “O policial atirou pelas costas, o Gustavo caiu de bruços no chão. Nós ingressaremos na Justiça para não deixar esse crime impune. Iremos até o fim porque não queremos que outra família passe pelo o que estamos passando. Meu mundo acabou , minha vida está sem chão. Eu não quero deixar isso impune”, afirmou.

Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Gustavo estava trabalhando na empresa do pai, sediada em São Leopoldo, e tinha ido a Marau coordenar o trabalho de montagem de um transformador em uma empresa local. O irmão conta que, pela primeira vez, ele estava chefiando um trabalho desse tipo no interior do Estado. Quando estavam retornando do trabalho, se depararam com uma barreira da Brigada Militar montada na RS 324. Uma caminhonete tentou furar a barreira e acabou colidindo com a porta do motorista da Fiat Doblò, onde estava Gustavo. Seus colegas imediatamente saíram do veículo, relatou ainda Guilherme, mas Gustavo teve dificuldade porque a sua porta havia ficado danificada pelo choque com o outro veículo. Até que ele conseguiu sair e se agachou ao lado do veículo para se proteger da troca de tiros entre policiais e os homens que haviam tentado furar o bloqueio. Foi aí que um policial militar disparou contra Gustavo, segundo relato de seus colegas de trabalho.

Brigada Militar havia montado uma barreira na RS 324, em Marau. (Foto: Brigada Militar)

Após os disparos, assinalou ainda Guilherme, os policiais viram que tinham agido errado e tentaram socorrer Gustavo no próprio local. No entanto, mais tarde, a família ficou sabendo por um médico que os brigadianos teriam ligado para o hospital e afirmado que estavam levando “um bandido morto”. “Por sorte o médico percebeu que meu irmão estava uniformizado com os colegas de trabalho e comunicou isso a mim e a minha família”, relatou.

“A gente sabe que a maioria dos policiais é correta, mas não dá pra aceitar o que aconteceu. Pelo que os colegas dele relataram, ele não foi morto por uma bala perdida em meio a um tiroteio entre policiais e assaltantes. O policial veio por trás do veículo e atirou nele apesar dos pedidos dos colegas para que não atirasse”, disse ainda o irmão de Gustavo.

A Corregedoria-Geral da Brigada Militar assumiu as investigações do caso e prometeu “apurar os fatos da forma mais isenta possível”. Segundo o comandante geral da Brigada, coronel Rodrigo Mohr Picon, o Inquérito Policial Militar tem um prazo de 40 dias prorrogáveis por mais 20 dias. A Polícia Civil também está investigando o caso.

A família de Gustavo, que até esta quinta-feira não havia recebido nenhum telefonema ou contato por parte da Brigada, ficou indignada também com a entrevista que um oficial da BM concedeu à RBS TV Passo Fundo, dizendo que o caso seria apurado, mas que era importante frisar que foram presos dois assaltantes perigosos e que a caminhonete roubada foi recuperada (ver abaixo o trecho da entrevista que causou a indignação da família). “Se o comandante da Brigada na região destaca isso, o que podemos esperar dessa investigação?”, questionou Guilherme.


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