Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
25 de março de 2020
|
20:49

Reitor critica corte de bolsas da Capes: ‘No momento que o Brasil mais precisa de ciência, corta investimento’

Por
Luís Gomes
[email protected]
Reitor critica corte de bolsas da Capes: ‘No momento que o Brasil mais precisa de ciência, corta investimento’
Reitor critica corte de bolsas da Capes: ‘No momento que o Brasil mais precisa de ciência, corta investimento’
Capes anunciou cortes de bolsas no último dia 18 de março | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes

Sarah iniciou sua pesquisa de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no primeiro semestre de 2019. Inicialmente, sem bolsa. Em um segundo momento, com uma temporária de seis meses concedida por um período em que outra doutoranda do programa estudava no exterior. No entanto, para 2020, havia recebido a confirmação do programa que poderia passar a contar com o benefício de forma definitiva.

Com a Portaria 34/2020 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), emitida no dia 18 de março, que alterou as regras de redistribuição de bolsas de pós-graduação no Brasil para o ano de 2020, o PPGAS perdeu todas as novas bolsas de doutorado que seriam distribuídas este ano, o que fez com Sarah ficasse sem a prometida para ela. “Outros nove colegas também não conseguiram. Eu vim de São Paulo, tem uma menina que veio do Ceará, outro que veio de Santa Catarina, todos vieram para cá só para fazer o doutorado e não conseguiram a bolsa”, diz.

A doutoranda destaca que a expectativa, conforme o edital de seleção lançado em 2019, era de que fossem liberadas sete novas bolsas de mestrado e 10 de doutorado para o PPGAS. Dessas, em 3 de fevereiro, a Capes havia determinado que cinco (duas de mestrado e três de doutorado) seriam mantidas como “cota empréstimo”, isto é, seriam emprestadas para os próximos bolsistas e, uma vez concluída a pesquisa, retornariam para a Capes, com o programa perdendo elas no futuro. Na Portaria 34, o número de bolsas da cota empréstimo subiu para 13 (três de mestrado e 10 de doutorado). No entanto, quando o sistema da entidade abriu para a inscrição dos novos bolsistas, no último sábado (21), apenas quatro bolsas de mestrado estavam disponíveis.

“A Capes entendeu que as bolsas da cota empréstimo já não estavam disponíveis. Então, toda a previsão que tinha para esse ano acabou”, afirma Sarah.

Sarah diz que os pesquisadores afetados estão agora se organizando para discutir uma saída. Uma hipótese que chegou a ser ventilada é o fato de que, em decorrência do fato de saídas de campo e eventos acadêmicos estarem canceladas em razão do coronavírus, a verba para essas atividades poderia ser remanejada para quem teve a bolsa negada pela portaria como uma solução provisória. No entanto, ainda não passa de uma hipótese.

Em nota divulgada na semana passada, a Capes informou que a portaria do dia 18 “não implica em nenhum corte ou descontinuidade de pagamento das bolsas” e que ela “ampliou a velocidade de convergência das diretrizes para privilegiar os cursos mais bem avaliados”. No entanto, essa não é a realidade de algumas das principais universidades gaúchas.

A UFRGS aponta que, em decorrência dos novos critérios de distribuição da Capes, a instituição perdeu 250 bolsas, sendo 202 em programas com avaliações 3, 4 e 5 (19,11% do total destes cursos) e 48 em programas com avaliação 6 e 7 (2,72% do total dos cursos). Segundo levantamento interno, apenas cursos como o Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEDU) e o Programa de Pós-graduação em Recursos Hídricos escaparam dos cortes.

A UFRGS enviou uma manifestação à Capes pedindo a revogação Portaria 34. “Muitos [alunos] terão de abandonar essas atividades antes da devida titulação, com alto custo humano e ainda afetando avaliação dos programas devido à evasão. No documento, é ressaltado que os impactos negativos serão sentidos também na produção e na inserção acadêmica de científica brasileira”, diz a universidade em nota.

Na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) a Portaria reduziu em 7,8% o número de bolsas disponíveis para mestrado e 7,5% em doutorando, afetando 21 dos 42 programas de pós-graduação da instituição. O pós em Agronomia, por exemplo, perdeu 18 bolsas, nove de mestrado e nove de doutorado. O pós em Microbiologia e Parasitologia, que estuda a transmissão de doenças, perdeu dez bolsas de doutorado.

Para o reitor da UFPEL, Pedro Rodrigues Curi Hallal, o anúncio do corte em meio à pandemia mundial do novo coronavírus é inexplicável, pois considera que a crise global está demonstrando a importância de investimentos em pesquisa. “No momento em que a sociedade brasileira mais notando que ciência e tecnologia não são brincadeira, é uma real necessidade, na contramão disso, o governo federal diminui o investimento em ciência e tecnologia. Não faz nenhum sentido. Além de ser um medida equivocada por todos os motivos óbvios, investimento em ciência e tecnologia jamais deveria ser cortado, o momento é de uma falta de sensibilidade. Nenhum país do mundo sai de crise sem investir em ciência e tecnologia”, diz.

Hallal explica ainda que as universidades foram pegas de surpresa pela portaria, uma vez que já vinham discutindo desde o ano passado com o Ministério da Educação uma readequação na quantidade de bolsas oferecidas no País e que um anúncio já havia sido feito no dia 3 de março  pelas portarias 19,20 e 21, alteradas pela nova portaria.

“O que nos chamou a atenção? Foi basicamente como se houvesse uma discussão paralela que a gente não conhecia e que resultou nessa portaria. A discussão que a gente fazia tinha toda uma previsão, como seria feito, e, de uma hora para a outra, parece que tinha outra discussão do qual a gente não participava e aí veio a comunicação da diminuição da quantidade de bolsas”, afirma.

Para o reitor da UFPEL, a única saída para as universidades também é reverter a medida. Ele afirma que há um movimento liderado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) que resultou em um pedido formal de revisão da portaria, contando com o apoio de diversas entidades, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências.

“A nossa estratégia é a reversão. Agora, se não houver, nós trabalharemos com uma quantidade menor de bolsas e o que nós estamos pensando em fazer dentro da UFPEL é tentar fazer algum esforço orçamentário dentro do nosso orçamento de custeio para a universidade tentar minimizar o impacto, ou seja, a universidade distribuir algumas bolsas de mestrado e doutorado. Claro que isso é um horror, porque o nosso orçamento já não é suficiente para pagar a comida dos restaurantes universitários, para ter ar condicionado nas salas de aula, para pagar conta de luz, para pagar terceirizados, etc. Mas, se a medida não for revertida, vamos tentar dentro do nosso orçamento diminuir o tamanho do prejuízo, mas ele será enorme”, afirma.

O número de bolsas cortadas foi ainda maior no caso da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, onde foi verificada uma redução de 262 bolsas (169 de mestrado e 93 de doutorado) em relação a 2019. No ano passado, a pós-graduação da UFSM oferecia 1.365 bolsas pela Capes, o que significa uma perda de 19% bolsas de 2019 para 2020, sendo 23% a menos no mestrado e 14% no doutorado.

Pró-Reitor Adjunto de Pós-Graduação e Pesquisa da UFSM, Thiago Ardenghi também questiona o fato de que a portaria trouxe cortes que não foram discutidos com as universidades. “Essa portaria que foi publicada simplesmente alterou o piso de cortes de todas as bolsas. Recebemos com surpresa os novos limites da Capes”, diz.

Ele explica que outras portarias já haviam sido divulgadas em março definindo uma nova distribuição para o programa no início de março. Na ocasião, a UFSM perderia apenas 62 bolsas. Com a Portaria 34, que revogou as medidas anteriores, foram 200 novas bolsas cortadas. Apenas os cursos de Medicina Veterinária e de Odontologia tiveram aumento de bolsas a partir da nova portaria.

“São centenas de alunos que têm o direito à educação cerceados. São pesquisas importantes que não vão ser feitas, alunos nossos que vêm de outros estados e estavam programados já para vir morar em Santa Maria e vão ter que desistir de fazer, porque não vai ter dinheiro para todo mundo”, afirma.

Ele crítica ainda o critério adotado para os cortes, uma vez que tanto cursos com notas baixas como cursos com notas altas acabaram prejudicados. “Nós tivemos cursos de excelência, nota 7, que foram afetados com perdas substanciais de bolsas. Por exemplo, o curso da Química, que é um curso nota 7 nosso, perdeu 4 bolsas de uma portaria para a outra” afirma. “As portarias anteriores usavam um critério. Concordando ou não, os critérios eram claros. Ou seja, era o IDH de onde o curso estava, era o número de titulados, a nota do curso e o colégio pelo qual ele pertencia. Embora você concorde ou não, foi um critério amplamente discutido ao longo do ano passado. A gente tinha feito as contas e estava trabalhando com aquele número. Com essa nova portaria, eles alteraram o limite de corte. O que a gente viu é que não houve uma correlação significante entre a nota do curso e esse adicional de cortes.

Ardenghi ainda frisa que os cortes anunciados pela Capes já ocorrem em cima de uma base que vinha reduzindo nos últimos anos. Em 2019, a UFSM já havia perdido 35 bolsas em cursos que haviam registrado a nota três em três avaliações consecutivas ou que apresentaram queda da nota, o que deixou, por exemplo, os cursos de Matemática e Ciências da Computação sem nenhum financiamento para pesquisa. “Isso é desastroso, especialmente porque esses cursos estavam se organizando para tentar melhorar seus índices e subir para uma nota 4”, afirma.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora