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11 de março de 2020
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20:35

‘Reação prova que a sociedade não vai se deixar calar pela censura’, diz professor atacado na Unisinos

Por
Sul 21
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‘Reação prova que a sociedade não vai se deixar calar pela censura’, diz professor atacado na Unisinos
‘Reação prova que a sociedade não vai se deixar calar pela censura’, diz professor atacado na Unisinos
Felipe Boff, professor de Jornalismo atacado após criticar Bolsonaro em cerimônia de formatura, afirma que reação da sociedade é vital para garantir a democracia

Luciano Velleda

Poucos dias após ter sido vaiado por criticar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante cerimônia de formatura de Jornalismo na Unisinos, em São Leopoldo, o paraninfo e professor Felipe Boff diz ter sido surpreendido com os gritos e vaias que tentaram calá-lo, mas destaca a importância da reação ocorrida contra a tentativa de censura.

“A reação de pessoas democráticas e preocupadas com a liberdade de expressão tem se tornado cada dia mais forte”, analisa Boff, que na ocasião foi obrigado a deixar a cerimônia acompanhado por seguranças. “A reflexão que fica é que esse episódio, apesar de ter sido surpreendente no aspecto negativo, no primeiro momento, resultou num alerta muito mais poderoso do que a gente esperava”, afirma.

Docente da Unisinos desde 2014, Boff foi paraninfo pela terceira vez no último sábado. Atualmente, o professor leciona para alunos do último semestre do curso de Jornalismo, num projeto chamado Beta Redação, uma redação experimental em que os estudantes produzem matérias sobre assuntos variados.

Boff explica ter escrito o discurso em defesa da liberdade de imprensa e contra os constantes ataques a jornalistas protagonizados por Bolsonaro como forma de compromisso com os alunos. “Me passou que pudesse causar alguma contrariedade em algumas pessoas. O discurso de paraninfo é algo muito importante, em que sintonizo os anseios e o espírito da turma que está se formando com os anseios da profissão, com os nossos tempos e desafios. Meu primeiro compromisso foi com isso, não foi preocupado com as reações, foi com passar a mensagem que considero a mais importante para receber esses novos jornalistas hoje.”

Para ele, a grande repercussão do fato e os muitos apoios que tem recebido mostram que a sociedade não aceitará passivamente os episódios de censura que têm acontecido no país. Impedir a naturalização dos ataques contra a imprensa, diz o professor, é defender a própria democracia.

“Se esses ataques contra a imprensa, promovidos principalmente pelo presidente da República, se naturalizarem, lá adiante não vamos ter a própria imprensa, e aí é a ditadura de novo.”

Sul21: Qual reflexão o senhor faz sobre o episódio?

Felipe Boff: A principal reflexão é que é muito importante defender o jornalismo nesse momento. A gente foi surpreendido por uma tentativa fracassada de me silenciar em plena formatura de jornalismo e, na verdade, essa tentativa resultou numa manifestação coletiva muito grande de toda a comunidade acadêmica, de jornalistas de todos os cantos do país que têm me dado apoio, associações, profissionais, colegas, e muita gente da sociedade, pessoas comuns defendendo essa mensagem.

A reflexão que fica é que esse episódio, apesar de ter sido surpreendente no aspecto negativo, no primeiro momento, resultou num alerta muito mais poderoso do que a gente esperava.

Sul21: Outros exemplos de censura tem acontecido no país e também acabaram tendo uma força contrária grande. Como o senhor analisa essas reações?

Felipe Boff: Vivemos numa escalada de censura. É chocante falar em censura num período democrático, mas lembramos de alguns episódios, como a feira literária no Rio. Isso começa lá atrás, aqui em Porto Alegre com o caso do museu…É uma sucessão, que inclui a tentativa de proibição de livros em alguns estados, e aí a gente chega numa formatura e acontece isso. Mas vejo também que a reação de pessoas democráticas e preocupadas com a liberdade de expressão tem se tornado cada dia mais forte também.

Sul21: Como foi a ideia do conteúdo do discurso, imaginou qual impacto poderia ter entre as pessoas presentes na cerimônia?

Felipe Boff: Me passou que pudesse causar alguma contrariedade em algumas pessoas. O discurso de paraninfo é algo muito importante, em que sintonizo os anseios e o espírito da turma que está se formando, com os anseios da profissão, com os nossos tempos e desafios. Meu primeiro compromisso foi com isso, não foi preocupado com as reações, foi com passar a mensagem que considero a mais importante para receber esses novos jornalistas hoje. Infelizmente é um alerta. Gostaria de ter feito um discurso só falando de coisas boas, ou só falando dos desafios tecnológicos, o avanço da internet, mas o nosso momento no Brasil pedia esse tipo de discurso. Então não imaginei que aconteceria o que aconteceu e nem que teria a repercussão que está tendo agora. Tiro daí algo positivo. A reação é a prova de que a sociedade não vai se deixar calar por atitudes de censura e autoritarismo.

Sul21: É possível transformar o fato ocorrido em conteúdo de sala de aula?

Felipe Boff: Acho que sim. Os próprios alunos e outros colegas já tomaram essa iniciativa nas suas atividades, é inevitável conversar sobre o que aconteceu. A universidade é um espaço sagrado de diálogo, então o primeiro momento já foi o de alunos e professores dialogarem sobre o que aconteceu, cada um com suas opiniões, há espaço para todos se manifestarem, mas da forma correta, conversando, tentando construir um entendimento, respeitando a posição do outro.

Então acho que vai deixar uma reflexão que irá perdurar um tempo, porque extravasou o espaço da universidade. E espero tenha conseguido também ultrapassar da universidade essa proposta de diálogo. O que falei lá (a cerimônia de formatura) foi pra provocar uma reflexão. Se nós conseguirmos que a sociedade tenha a mesma reflexão que se faz na universidade, que bom, vamos conseguir conversar mais. E principalmente impedir que esses ataques se naturalizem, porque se esses ataques contra a imprensa, promovidos principalmente pelo Presidente da República, se naturalizarem, lá adiante não vamos ter a própria imprensa, e aí é a ditadura de novo.


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