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22 de janeiro de 2020
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20:53

OAB e pastoral denunciam condições subumanas em presídio de Roraima

Por
Sul 21
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OAB e pastoral denunciam condições subumanas em presídio de Roraima
OAB e pastoral denunciam condições subumanas em presídio de Roraima
“Eles não têm nem condições de dormir. Não tem ventilação, duas pessoas dormem em cima do buraco que seria o vaso sanitário”, relata integrante da OAB-RR. Foto: ASCOM/OAB-RR

Da RBA

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Roraima e a Pastoral Carcerária Nacional denunciam a superlotação e os maus tratos aos presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, mais conhecida como Pamc, em Boa Vista, vítimas de um surto de um tipo de piodermite derivada de infecção por sarna não tratada. A doença de pele infecciosa, que causa intensa coceira, necrose e até paralisia, já levou 29 detentos a serem internados no Hospital Geral de Roraima. Além da comida geralmente estragada, faltam no presídio saneamento básico, atendimento médico regular e kits de higiene.

“A capacidade da Pamc é de 480 internos e ontem estava com 2.076. Sem contar o pessoal que está no hospital”, disse à RBA o presidente da Comissão, Hélio Abozago, que participou da inspeção no local nesta terça-feira (21). “Constatamos que há celas de 6 metros quadrados com 16 pessoas. Eles não têm nem condições de dormir. Não tem ventilação, duas pessoas dormem em cima do buraco que seria o vaso sanitário. Outros ficam de cócoras e alguns em pé, e ficam revezando.”

As condições de higiene e limpeza são precárias, de acordo com Abozago, que cita o exemplo de uma das celas visitadas. “Não tem material de limpeza e quase todos esses 16 estão doentes: gente com pneumonia, hepatite, sarna, com manchas grandes no corpo”, relata, afirmando que o mau cheiro chama a atenção e a “limpeza” é feita só com água, sem qualquer material como água sanitária ou detergente, por exemplo.

Por conta da superlotação, o advogado destaca que cada ala tem direito a duas horas de banho de sol duas vezes por semana, quando a legislação dispõe que deveriam ser diários.

Abozago conta que, após uma reunião realizada ontem entre representantes do governo do estado, Tribunal de Justiça e Ministério Público, foi feito um acordo para que haja uma equipe médica prestando atendimento o dia todo. O pacto prevê ainda a transferência dos doentes para um bloco em que possam tratamento médico, e também foi firmado um compromisso de melhorar as condições de limpeza do local.

“O governo estadual está anunciando que vai entregar em 13 de fevereiro uma parte da Cadeia Pública, que é um outro presídio. Se acontecer e puder transferir para lá ao menos 200 pessoas já vai amenizar a situação”, destaca o integrante da OAB.
A Pamc é formada por dois blocos, e um deles ainda não foi entregue pelo governo de Roraima.

Alerta antigo

Hoje a Pastoral divulgou nota, em que condena o sistema carcerário, que “continua cumprindo sua verdadeira função, uma máquina de moer vidas tidas como indesejáveis pela sociedade, gerando dor, doenças e massacres”. E exige providências urgentes.

Relatos da equipe de Roraima da Pastoral Carcerária e de familiares confirmam os maus tratos. “Os presos são jogados lá dentro como se fossem objetos. Dentro da PAMC, os presos são atendidos por médico, mas não tem remédio ou kit higiene suficiente para todos, aí não tem condições”, denuncia representante da instituição vinculada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Chegaram à pastoral relatos de que há presos com sarna em São Paulo, Goiás e Ceará. “Não seria surpreendente se um novo surto de piodermite, como o ocorrido em Roraima, ou de alguma outra doença, acontecesse em qualquer outro Estado brasileiro”. Leia a íntegra do documento no final desta reportagem.

Em setembro de 2019, a OAB de Roraima já alertava para as péssimas condições da Penitenciaria Agrícola de Monte Cristo (Pamc).

“Sem saúde e sem tratamento humano, isso vai parar num colapso humano”, disse à época o presidente da OAB-RR, Ednaldo Vidal. “A qualquer momento a Pamc vai explodir de novo. Como estão dando um tratamento desumano, as pessoas tornam-se desumanas. Logo, logo, até entre eles, para chamar a atenção da sociedade, pode haver mortes no interior da Pamc”, advertia ele.

Em 2016 e 2017, o presídio registrou dois massacres envolvendo facções, que deixaram um saldo de 43 presos mortos. O governo federal assumiu a gestão das prisões do estado e a segurança hoje é feita pela Força-tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), que deve encerrar os trabalhos em 28 de janeiro. O ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro, que ordenou a intervenção, não se manifestou sobre a situação dos presos.

Leia a íntegra da nota da Pastoral Carcerária Nacional:

O surto de uma doença de pele entre os presos da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (PAMC), em
Roraima, divulgado amplamente nesta semana, é mais um sintoma das condições sub-humanas que
persistem nos presídios.

O diagnóstico de piodermite, uma infecção de pele causada por bactérias e resultado de uma sarna não
tratada, mostra que o surto não é recente.

Os presos já estavam doentes muito antes do surto atual, mas a administração da penitenciária e o Estado,
que são responsáveis pela vida dos presos enquanto eles estão sob sua custódia, nada fizeram.
Esse caso não está isolado; pelo contrário, é a regra no sistema prisional. As condições de saúde nas prisões
são extremamente precárias.

Além da falta de equipes médicas e de um atendimento regular de saúde, a superlotação das cadeias, a não
existência de saneamento básico, os racionamentos recorrentes de água, a comida estragada, a falta de kits
de higiene, que faz com que os presos compartilhem itens pessoais entre si, são todos fatores que dão
margem à proliferação de mais doenças, muitas das quais estão controladas fora das cadeias: a incidência
de tuberculose nas prisões brasileiras é 28 vezes maior do que na população em geral, por exemplo.

Relatos da equipe de Roraima da Pastoral Carcerária e de familiares confirmam os maus tratos. “Os presos
são jogados lá dentro como se fossem objetos. Dentro da PAMC, os presos são atendidos por médico, mas
não tem remédio ou kit higiene suficiente para todos, aí não tem condições”, denuncia representante da
PCr, que também diz que muitos presos doentes estavam sendo levados aos hospitais.

Exigimos que o Estado e poder público tomem medidas urgentes para controlar este surto em Roraima.
Infelizmente, sabemos que eventuais medidas e soluções só irão ocorrer por conta da repercussão que o
caso teve, inclusive internacional.

Enquanto o Estado e órgãos responsáveis agirem quando casos como o de Roraima geram comoção, não se
preocupando com a vida dos presos e sim em propagar a narrativa de que esse caso é pontual, quando na
verdade isso é sistemático, presos vão continuar sendo torturados cotidianamente, tendo surtos de
doenças que poderiam ser tratadas facilmente, e morrendo.

A Pastoral Carcerária Nacional recebeu recentemente relatos de que há presos com sarna em São Paulo,
Goiás e Ceará. Não seria surpreendente se um novo surto de piodermite, como o ocorrido em Roraima, ou
de alguma outra doença, acontecesse em qualquer outro Estado brasileiro.

E assim o sistema carcerário continua cumprindo sua verdadeira função, uma máquina de moer vidas tidas
como indesejáveis pela sociedade, gerando dor, doenças e massacres.
Pastoral Carcerária Nacional
22/01/2020


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