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3 de dezembro de 2019
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12:54

Grileiro e filho PM podem ter causado incêndio atribuído a brigadistas, diz prefeito

Por
Luís Gomes
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Grileiro e filho PM podem ter causado incêndio atribuído a brigadistas, diz prefeito
Grileiro e filho PM podem ter causado incêndio atribuído a brigadistas, diz prefeito
Área é investigada desde 2015 pelo MPF; fazendeiro condenado pode estar envolvido na queimada | Foto: Eugenio Scanavino/Brasil de Fato

Catarina Barbosa
Do Brasil de Fato

Prefeito de Santarém (PA), Nélio Aguiar (DEM) disse em entrevista ao Brasil de Fato que a região do Lago Verde, também conhecida como Capadócia, em Alter do Chão, é alvo de grilagem há mais de 10 anos, e que o incêndio ocorrido em setembro teria sido orquestrado pelo grileiro Silas da Silva Soares, que está foragido, e seu filho, que atua como policial militar.

No último dia 26 de novembro, os brigadistas Daniel Gutierrez, Gustavo Fernandes, Marcelo Aron e João Victor Romano foram presos na operação Fogo do Sairé, apontados pela Polícia Civil como suspeitos de atear fogo naquela Área de Proteção Ambiental (APA) em Alter do Chão para obter supostos benefícios financeiros por meio de doações. Devido à fragilidade das acusações, eles foram liberados no fim da tarde de 28 de novembro pelo mesmo juiz que havia autorizado as prisões, Alexandre Rossi.

Os brigadistas, ligados à ONG WWF e ao Projeto Saúde Alegria, alegam que atuavam na região para evitar desmatamentos ilegais.

Após a repercussão do caso, houve troca de comando da Polícia Civil do Pará. Agora, as investigações são conduzidas pelo diretor da Delegacia Especializada de Meio Ambiente, Waldyr Freire. Em sua conta no Twitter, o governador Helder Barbalho disse que a mudança foi feita para que “tudo fosse esclarecido da forma mais rápida e transparente possível”.

O incêndio provocado em setembro deste ano em Alter do Chão devastou 1,175 mil hectares, o equivalente a 1,6 mil campos de futebol.

Apesar de reforçar que a decisão de confirmar os fatos é da Polícia Civil, o prefeito de Santarém não nega as dificuldades de se combater a grilagem no município. Segundo ele, a Prefeitura não tem estrutura para combater o mercado ilegal de terras.

Vazamento

No último final de semana, a Repórter Brasil teve acesso a uma conversa dele com o governador Helder Barbalho (MDB). No áudio vazado, o prefeito explica os conflitos de terra vividos na APA:

“Governador, bom dia. A Semas municipal já está envolvida, mas essa é uma área de invasores, tem policial por trás, o povo lá anda armado, o bombeiro só está com a brigada, o bombeiro não está indo lá. Já falei para o coronel Tito que precisa ir o bombeiro para combater o fogo logo, imediatamente”, diz Aguiar em uma parte do áudio.

“Está muito seco, está muito sol, e também a Polícia Militar, a companhia ambiental tem que ir junto, armadas para identificar esses criminosos. Isso é gente tocando fogo para depois fazer loteamento e depois querer vender terreno. A gente prender uns líderes desses criminosos aí e acabar com essa situação insustentável”, prossegue, ainda em conversa com Barbalho.

Aguiar confirmou à reportagem do Brasil de Fato que o governador do Pará ofereceu apoio, mas admitiu que a grilagem de terras continua sendo um problema sem solução em Alter do Chão.

Foragido

O grileiro Silas da Silva Soares foi condenado a seis anos e dez meses de prisão, além de multa, por instalar um loteamento urbano privado e promover desmatamento ilegal na região do Lago Verde. A reportagem não conseguiu contato com Soares e seu filho, cujo nome não foi informado pelo prefeito e sequer consta no inquérito.

“O Silas é pai de um militar. O filho dele é da Polícia Militar. Por isso que as pessoas comentavam que ‘tinha policial envolvido’. Ele [pai] sumiu de Santarém. Ninguém mais sabe o paradeiro dele. Ele é um foragido da Justiça, e ele que era o líder lá”, relata Aguiar. “As pessoas comentavam que o incêndio provavelmente era criminoso e que talvez ele, de onde ele estivesse foragido, pudesse ter ordenado, articulado algum tipo de ação ali para aumentar mais a venda de lotes próximo ao lago de Alter do Chão”, explica o prefeito.

Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e assinada por Luís de Camões Lima Boaventura, procurador da República, para identificar responsáveis por desmatamento, loteamento irregular e construções em área de preservação permanente, o fazendeiro Silas da Silva Soares se declarou proprietário daquelas terras.

O documento confirma a versão do prefeito de que havia parceria entre o grileiro e seu filho no desmatamento ilegal. “Ouvidos na sede do MPF e em outra oportunidade pela autoridade policial, alguns comunitários de áreas próximas apontaram responsabilidade de Silas, que contaria com o apoio de seu filho – que seria policial militar – e de alguém conhecido por ‘Mineiro’. Afirmaram que praticamente todos os dias há pessoas, colocadas por Silas, trabalhando na área, degradando-a para fins de abertura e/ou ampliação de ramais, construção de casas e parcelamento de lotes. Relatam, ainda, episódios de ameaças cometidas por Silas a agentes de fiscalização, tendo, inclusive, ocorrido disparo de tiros em certa oportunidade”, diz o documento de 2018.

Para o prefeito, os grileiros não temem represália e desafiam a lei. “O que existe, realmente, é uma afronta ao Estado Democrático de Direito, às leis. As pessoas, na marra mesmo, invadindo, ocupando, colocam cerca, colocam placa de ‘vende-se’ e saem vendendo, tendo vantagem financeira em cima disso. Então, é uma grilagem mesmo, feita na marra”, lamenta.

“A gente entra na Justiça para mover uma ação contra os invasores. Acontece que geralmente não se cumpre a decisão judicial [de reintegração de posse]. Normalmente, quem tem que cumprir esse tipo de retirada é a PM, mas acho que faz mais de 10 anos que não se tem cumprido os mandados de reintegração de posse pelo governo do estado, pela Polícia Militar”, completa o prefeito

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o governo do Pará para pedir esclarecimentos sobre as medidas empregadas no combate à grilagem no local, mas não houve retorno. Também foram solicitadas informações à Polícia Civil sobre o rumo das investigações, e o texto será atualizado assim que houver novidades.

Segundo o professor de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), André Cutrim, uma área devastada nunca será capaz de recuperar o seu bioma natural. “O que é preciso entender sobre o desmatamento é que, por mais que seja importante pensar em formas de impedi-lo e também de reflorestar, um local devastado nunca será capaz de recuperar o seu bioma original”, disse.

Sem provas

Apesar de soltos, os quatro brigadistas são considerados suspeitos pela polícia. Beto Vasconcelos, advogado do projeto Aliança, afirma que o objetivo é reforçar a defesa dos quatro brigadistas e das entidades envolvidas – a ONG WWF e o Projeto Saúde Alegria. Com nome temporário, o projeto Aliança é uma rede de advogados e defensores públicos que defendem a liberdade e os direitos fundamentais,

“No momento, a defesa está se concentrando fortemente em consolidar a liberdades deles, identificar e analisar todos os documentos do processo e avaliar a competência e foro adequados de processamento dessas investigações e julgamentos, para garantir a segurança dos brigadistas e os direitos das entidades envolvidas”, esclarece.

Para Beto, a determinação do juiz apenas reforça que a prisão foi injusta, sem fundamento e arbitrária. “As acusações são baseadas em alegações extremamente frágeis, não possuem qualquer laço fático. Os brigadistas são conhecidos pela sua atuação em defesa do meio ambiente e no combate ao fogo, e as pessoas da região sabem disso”, completa o advogado.

Ele acredita que as medidas cautelares serão revogadas em breve e diz que os brigadistas seguem motivados para realizar seu trabalho em defesa da Amazônia. “Acredito que eles servirão de inspiração para outras pessoas que venham buscar o mesmo objetivo, tentando evitar retrocessos e evitando que as pessoas tenham medo dessas arbitrariedades”, afirma.

Devastação

O último dado consolidado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento nos nove estados da Amazônia Legal Brasileira, medido pelo sistema Prodes, mostra uma destruição da floresta 42,8% maior do que era previsto pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter).

O valor estimado do desmatamento ficou em 9.762 quilômetros quadrados (km²) para o período de agosto de 2018 a julho de 2019, o que representa um aumento de 29,54% em relação a taxa de desmatamento apurada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) em 2018, que totalizou 7.536 km².


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