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11 de dezembro de 2019
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22:54

Com dívida bilionária, Ulbra atrasa salários em até 60 dias à espera de recuperação judicial

Por
Luís Gomes
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Com dívida bilionária, Ulbra atrasa salários em até 60 dias à espera de recuperação judicial
Com dívida bilionária, Ulbra atrasa salários em até 60 dias à espera de recuperação judicial
Em grave crise financeira, Ulbra aposta fichas em recuperação judicial | Foto: Reprodução

Luís Eduardo Gomes

Contratado em 2014 para ser professor no campus de Canoas (RS) da Ulbra, Alberto* diz que, se recebeu o seu salário em dia cinco vezes desde então, foi muito. A crise financeira da universidade não é nenhuma novidade, se arrasta há duas décadas, mas tem se acentuado nos últimos meses. Professores relatam que os atrasos chegaram a 60 dias neste ano, enquanto a instituição, atolada em uma dívida bilionária, espera pelo julgamento do pedido de recuperação judicial.

Alberto diz que já passou por momentos de atrasos e parcelamentos de salários mais ou menos graves, mas relata que, desde o segundo semestre do ano passado, os pagamentos têm “atravessado” os meses. Por exemplo, o salário de setembro só terminou de ser pago em 29 de novembro. Quando a reportagem conversou com o professor, no início da semana, não havia previsão de quando o salário de outubro começaria a ser pago, o que acabou sendo feito nesta quarta-feira (11).

Como uma forma de ganhar um fôlego financeiro e tentar renegociar suas dívidas, em maio deste ano, a Aelbra, mantenedora da Rede Ulbra de Educação, entrou com pedido de recuperação judicial. De acordo com reportagem publicada em outubro pelo Extra Classe, a Ulbra acumula dívida de R$ 8,2 bilhões, dos quais R$ 2,4 bilhões são referentes ao passivo trabalhista e R$ 5,8 bilhões a tributos não pagos. Em caso de aprovação da recuperação judicial, a Ulbra terá um prazo de um ano para apresentar aos seus credores uma proposta de renegociação.

Em junho, o juiz Marcelo Tonet, da 4ª Vara Cível da Comarca de Canoas, negou o pedido porque considerou que o fato de a Aelbra ter mudado sua natureza jurídica em novembro de 2018, de associação de cunho educacional sem fins lucrativos para sociedade anônima (S.A), não permitia a autorização da recuperação judicial, que exige um prazo de dois anos depois de efetuada a mudança.

Em outubro, durante julgamento em segunda instância, a Ulbra teve dois votos favoráveis na 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), mas a desembargadora Eliziana da Silveira Perez pediu vistas ao processo, adiando a decisão. O julgamento deve ser retomado na próxima sexta-feira (13).

Procurada pela reportagem, a Aelbra diz que não pode se manifestar sobre a recuperação judicial enquanto aguarda o resultado da Justiça. Segundo a entidade, a situação financeira é um “descompasso de caixa” que tem como principais fatores o atraso no repasse do FIES e a inadimplência das mensalidades.

“A folha de pagamento é prioridade da administração e está sendo paga parceladamente, à medida em que os recursos são disponibilizados. Para compensar os atrasos nos pagamentos de salários, existe a garantia do pagamento de uma multa sobre os valores em atraso negociado com os sindicatos das categorias profissionais. Reforçamos que a administração está empenhada em superar estas intercorrências e prospectar a pontualidade no pagamento dos salários”, disse a mantenedora em nota.

Marcos Fuhr, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro-RS), diz que atraso de salário na Ulbra é uma constante há mais de 10 anos. “Não existe nenhuma novidade nisso daí. Em função de todo o histórico dela. Às vezes, o atraso se alarga um pouco mais”, diz. Fuhr diz que o sindicato foi pego de surpresa pelo pedido de recuperação judicial, mas que agora torce para que, em caso de aprovação, a instituição consiga se organizar para colocar sua situação financeira em dia. “Nós temos uma longa trajetória de acompanhamento e de luta para manter a instituição operando no mercado. Ainda tem mais de 800 professores trabalhando na instituição e temos atuado para manter os postos de trabalho”, afirma.

Fernando*, que é diretor de um dos cursos da universidade em Canoas, destaca que o problema é a falta de comunicação entre a instituição e os trabalhadores. Ele conta que, geralmente, acabam sabendo quando vão receber apenas por comunicados do Sinpro-RS. “Uma das questões centrais, me parece, é justamente essa questão da humanização das relações, que parece que estão prejudicadas. É uma relação de trabalho com muito pouca informação, então é difícil trabalhar assim”.

Fernando relata que há professores que, antes do salário de outubro ser pago, estavam sem dinheiro para ir trabalhar. Ele mesmo teve que atrasar o pagamento da conta de luz porque não tinha mais condições financeiras. “Instaurou-se o caos porque não tem perspectiva, porque não ha comunicação”, afirma. Ele afirma ainda que os docentes vivem um clima de medo, o que motivou o seu pedido para ter sua identidade preservada e várias negativas de outros professores de conversarem com a reportagem.

O medo não é necessariamente de retaliação imediata, mas do que pode vir a acontecer no futuro, uma vez que os finais de ano têm sido marcados por recorrentes processos de demissão. Somente em 2019, cerca de 350 professores foram demitidos, segundo dados do Sinpro-RS. O temor é que uma nova leva de demissões ocorra antes do início do próximo ano letivo. “A gente não sabe o que vai acontecer no final do ano, esse é o drama dos professores”, diz.

Redução salarial

Fuhr pondera que a situação do mercado de trabalho no ensino superior, como um todo, está “muito ruim”. “A Uniritter comunicou o sindicato da demissão de 60 professores, a Fadergs demitiu 20. O fim do ano vai ser marcado pela demissão de professores em todas as instituições, isso é uma preocupação do sindicato”, afirma.

Como forma de tentar evitar uma nova grade rodada de demissões na Ulbra, em setembro deste ano aceitaram, em assembleia, reduzir 15% de seus vencimentos. “O valor da hora da Ulbra ainda era um valor bem acima da média do mercado. Em função dessa situação crítica que a instituição vive e, considerando essa realidade, houve uma negociação para redução de 15% da hora, o que foi aprovado pelos professores por larga margem”, diz Fuhr.

No entanto, Alberto questiona o fato de que nenhum número concreto sobre a situação financeira da Ulbra foi apresentado aos professores e nenhuma garantia de manutenção de empregos ou de regularização dos salários foi dada antes da votação. “Não nos colocaram muitas alternativas se não aceitar a redução da nossa hora aula. Além de ter o nosso salário parcelado há mais de um ano e meio, a gente ainda teve o nosso salário diminuído”, diz.

Para além da questão salarial, Alberto aponta o fato de que as condições materiais de trabalho também estão sendo precarizados. Ele relata falta de recursos tecnológicos, como projetores, falta de ventiladores e problemas estruturais graves nas salas de aula, como goteiras. Como suas turmas chegam a ter 50 alunos ou mais, certa vez solicitou um microfone para conseguir dar aulas, mas não foi atendido. “A Ulbra não oferece recursos tecnológicos para a gente dar aula, às vezes, para 60 alunos”, reclama. O professor acabou comprando por conta própria um projetor para conseguir dar aulas.

Outro fator de precarização é o fato de que muitos professores foram demitidos nos últimos anos, o que fez com que os que permaneceram tivessem que assumir maiores cargas horárias. “Além das condições materiais ficarem muito deterioradas, a gente ficou com sobrecarga”, diz.

Alberto diz que muitos professores acreditam que a recuperação judicial poderá ajudar a colocar os salários em dia e a melhorar as condições de trabalho, mas ele não nutre a mesma esperança. “Eu, particularmente, acho que não vai resolver, porque existe uma cultura institucional dentro da universidade de péssimas relações de trabalho e essa cultura, por mais que saia a recuperação judicial, não vai se transformar”, diz.

*A pedido dos professores, seus nomes foram alterados.


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