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7 de novembro de 2019
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18:03

Feira do Livro debate agrotóxicos: ‘É algo que se apresenta como solução, mas que está nos matando’

Por
Sul 21
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Evento da Feira do Livro debateu o cenário ambiental brasileiro no contexto do agronegócio, do uso excessivo de agrotóxicos por este setor e dos impactos que esta agricultura gera ao meio ambiente. Foto: Arquivo EBC

Annie Castro 

Na última quarta-feira (6), durante a programação da 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, uma mesa de debate dialogou sobre o cenário ambiental brasileiro no contexto do agronegócio, do uso excessivo de agrotóxicos por este setor e dos impactos que esta agricultura gera ao meio ambiente. Intitulado ‘Agrotóxicos, agronegócio e crimes ambientais na era da pós-verdade’, o evento, que aconteceu no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, apontou, dentre outros tópicos, que o agronegócio existente no Brasil hoje é um modelo de produção quimicamente dependente do uso de agrotóxicos e, consequentemente, de sementes transgênicas.

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Desde 2008, o Brasil é o campeão mundial no consumo de agrotóxicos e utiliza produtos que são, inclusive, proibidos em outros países. Só neste ano, o governo federal já aprovou mais de 325 novos tipos de agrotóxicos. De acordo com a pesquisadora e ativista em hortas comunitárias Mônica Meira, que foi uma das palestrantes do evento, existem muitos discursos acerca do agronegócio que não foram questionados ao longo dos anos pelos brasileiros.

“Uma delas é que esse modelo de agricultura é o único modelo possível e o único modelo rentável, só que isso também não é verdade; ele é um modelo que dá resultado a curto prazo, mas está muito longe de ser o mais eficiente. Existem modelos que dão muito mais resultados em preservar a terra do que o modelo químico dependente, que só faz empobrecer a terra e as próprias plantas”, afirmou Mônica.

Mônica Meira: modelo químico-dependente só faz empobrecer a terra e as próprias plantas. (Foto: Adrise Ferreira/Câmara Rio-Grandense do Livro)

A pesquisadora também ressaltou que muitos debates que acontecem em volta da temática do agronegócio, do uso de agrotóxicos e de crimes ambientais são comentários que surgem dentro de um contexto da pós-verdade. “Uma característica da pós-verdade é justamente o fato de [uma fala] não ser nem verdade nem mentira necessariamente, mas sim um discurso que está atrelado muito mais a uma posição emocional do que racional”, explicou.

Segundo ela, discursos pós-verdadeiros são utilizados muitas vezes para gerar um deslocamento do eixo principal do assunto que está sendo debatido. “O sujeito não está mentindo, mas não está falando sobre o que importa”, disse. Ela também citou a generalização da discussão e um afastamento do cientificismo como exemplos de discursos na pós-verdade.

Neste cenário, o advogado nas áreas agrário e ambiental e conselheiro do Movimento de Justiça dos Direitos Humanos (MJDH), José Renato de Oliveira Barcelos, também palestrante do evento, afirmou que a inserção do problema dos agrotóxicos no contexto da pós-verdade aconteceu por meio de uma “dialética da contaminação”, que, desde o início do do uso deste tipo de agricultura, apresentou os agrotóxicos e os organismos geneticamente modificados, conhecidos como sementes transgênicas, como a solução para o problema da alimentação no mundo e como uma tecnologia que poderia resolver as dificuldades que existem em um modelo de agricultura limpa, como avanço de pragas, por exemplo.

“Na raiz de toda essa questão está o agronegócio que adotou como opção de modelo de desenvolvimento uma agricultura química e dependente, que é oriunda da segunda metade do Século XX, sobretudo do pós-guerra, com a chamada Revolução Verde, que gerou uma transferência de tecnologia muito importante do setor militar para a agricultura”, afirmou Barcelos.

A visão do agronegócio como o responsável por alimentar as sociedades também foi questionado por Mônica, que afirmou que existem dados que mostram essa tarefa é cumprida pela agricultura familiar: “Até um tempo atrás eu ouvia dizer que era a monocultura químico dependente que alimentava o mundo. As pessoas diziam ‘precisamos dessa agricultura porque é ela que alimenta o mundo’, mas agora a gente já sabe que o que alimenta é a agricultura familiar. O agronegócio alimenta vaca, alimenta porco, mas não o ser humano”.

José Renato de Oliveira Barcelos: “vemos aumentar a degradação ambiental” (Foto: Adrise Ferreira/Câmara Rio-Grandense do Livro)

Barcelos ressaltou que, ao mesmo tempo em que se coloca como o que irá resolver os problemas da humanidade, este modelo de agricultura está afetando o meio ambiente, a biodiversidade e a saúde humana: “Vemos aumentar a degradação ambiental, já não há mais fronteiras entre a morte e a contaminação. É algo que se apresenta por um lado como solução, mas que por outro está nos matando e nos matando cada vez mais”, disse Barcelos, que também afirmou que a natureza nociva dos agrotóxicos está prevista na Constituição Federal de 1988, por meio da Lei nº 7.802.

O advogado também pontuou que atualmente os brasileiros consomem mais de 1 bilhão de litros de agrotóxicos por ano – dado que não contabiliza os produtos que entram ilegalmente no país -, e questionou a aprovação de mais de 300 novos tipos de agrotóxicos desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PSL), que, segundo ele, “demonstra uma política de liberação e incentivo para o uso dos agrotóxicos”.


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