‘Cada vez que um ingressante por cotas se forma, ele mostra para a sociedade que a política deu certo’

Por
Sul 21
[email protected]
Priscila ingressou na UFRGS pela política de cotas e hoje estuda os impactos da ação afirmativa na universidade. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Giulia Cassol

Ao longo da última década, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) instituiu e aprimorou o sistema de ingresso por reserva de vagas, política de inclusão para pessoas de grupos historicamente deixados à margem do ensino superior no Brasil. Além de ingressar na universidade pública, a população negra passou a estudar o significado dessa política pública. No início de outubro, a pesquisadora Priscila Goulart dos Santos apresentou sua dissertação de Mestrado intitulada “Ecoa o grito da resistência que derrubou barreiras e tomou o que é nosso: dez anos de ações afirmativas na UFRGS”. “Cada vez que um estudante ingressante por cotas se forma, ele mostra para a sociedade que a política deu certo. Essa é a maior conquista”, diz Priscila sobre a importância das cotas.

Segundo relatório divulgado em 2018 pela Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS (CAF), 19.264 mil estudantes ingressaram no ensino superior pela política de cotas entre 2008 e setembro de 2018 e, destes, 3.619 estudantes estão diplomados. Os dados contemplam todas as modalidades de ingressantes pelo sistema de cotas.

Priscila, que entrou na universidade pela política de cotas, conta que, na pesquisa, procurou analisar os impactos das Ações Afirmativas dentro da UFRGS. Ela destaca, por exemplo, a importância de, depois do ingresso, haver uma política voltada para a permanência desses estudantes na universidade. “A evolução das ações afirmativas passa por pesquisas e pela transformação da própria universidade na sua estrutura, a partir do momento em que abriga pessoas com outras configurações isso se torna crucial”, defende.

Para Priscila, as Ações Afirmativas vêm dando certo, mas a universidade ainda precisa pensar em outras questões. “As ações afirmativas configuram um ganho para o ambiente universitário, para o Estado e para a população. Nessa questão, a política é muito efetiva. Há questões subjetivas dentro da política, no momento que é pressuposto que todas as pessoas são iguais, uma injustiça já é produzida. Dentro da universidade também existem pessoas que têm muito dinheiro e tecnologia. Colocar todos no mesmo parâmetro é uma injustiça”, diz ela.

Confira a seguir entrevista completa.

Sul21 – Qual foi a motivação para a escolha do tema das ações afirmativas para a tua dissertação?

Priscila Goulart dos Santos  – Cheguei nas ações afirmativas durante o estudo que realizei sobre o movimento negro na época da ditadura militar. Observei a organização da pós-graduação e os movimentos dentro da universidade, então, em março de 2018, entrei em contato direto com a questão das ações afirmativas, quando ocupei a reitoria. 

Fui muito motivada pela minha orientadora, professora Caroline Silveira Bauer, para pensar nos impactos das ações afirmativas dentro da UFRGS, após passarem a integrar também, desde 2016, o programa de pós-graduação em História. Há uma percepção sobre a mudança que essa medida gerou no programa. Temáticas que nunca foram estudadas antes, não só na UFRGS, passaram a ser discutidas por conta do ingresso desses meus colegas negros e negras. 

Estava concreto o impacto das ações afirmativas dentro da universidade, a partir disso comecei a pesquisar quais eram os impactos da política, voltada para a área da História. A pesquisa foi mudando, fui percebendo que era complicado materializá-la. Queria que o trabalho fosse o mais amplo possível, então decidi analisar os impactos na universidade como um todo. A política envolve muitos fatores: produções, movimentos e pessoas. Quis fazer um histórico das ações, mas também trabalhar com a história oral. Entrevistei pessoas que participaram do processo, excluindo estudantes porque já havia muitos trabalhos com esse viés. Utilizei os trabalhos que entrevistaram estudantes para complementar minha pesquisa. Na minha dissertação trouxe relatos de docentes negros da UFRGS e militantes. Um dos casos foi bem interessante, pois o entrevistado Edilson Nabarro, além de militante do movimento negro, também integrava a reitoria, como vice-coordenador das Ações Afirmativas. Foi de grande importância contar com a participação de uma pessoa que passou muitos anos em luta pelas pautas da negritude e hoje ocupa um dos maiores setores dentro da universidade. Edilson é parte da política efetivamente dentro da UFRGS. 

Mantive o estudo de Teses e Dissertações na minha pesquisa, porque a escrita também é uma parte da história. Em 2005, quando as cotas se tornaram pauta na UFRGS, não havia produção sobre a política dentro da universidade. Foi preciso buscar recursos e materiais produzidos nos Estados Unidos e nas universidades que já haviam implementado as ações no Brasil, como a Universidade Federal de Brasília (UnB), que iniciou em 2003, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2004. Entretanto a realidade nesses locais é completamente diferente da que vivemos aqui. Ver o que a UFRGS produziu depois de 10 anos é muito importante. Os materiais são utilizados para repensar a política, que é reavaliada de 4 em  4 anos. A minha escolha aconteceu pela importância de registrar historicamente as lutas do movimento negro, que carece de materiais que provam que a mobilização acontece desde a década de 70. Uma pesquisa dentro da universidade agrega legitimidade ao estudo na sociedade.

Sul21 – Foi possível observar o percurso de evolução da política através de materiais sobre ações afirmativas dentro da UFRGS?

Priscila – Em nível nacional, 2003 foi o ano em que os conteúdos sobre as ações afirmativas começaram a ser produzidos. O governo passou a investir muito em pesquisa e fazer parcerias para afirmar as ações. Quando a política chega aqui, automaticamente a UFRGS passa a ter uma larga escala de produção também. Havia muitos movimentos contrários, Porto Alegre foi a primeira cidade do país em que estudantes entraram na Justiça para impedir a execução da política na UFRGS. Então era uma necessidade a produção de materiais sobre esse assunto. Uma das docentes que entrevistei conta que quando a temática negra era pautada para uma pesquisa, ou era negado sem muita explicação ou não havia verba. Em 2007 isso começou a mudar e em 2008 já haviam linhas e sublinhas de pesquisa que efetivaram as pesquisas dessa área de modo mais concreto.

Inicialmente, eu pensava que existia uma relação direta entre o ingresso de estudantes contemplados pela política e o crescimento de pesquisas sobre o tema. No desenvolver fui percebendo que a questão do se reconhecer como negro é um processo difícil. Nem todos os estudantes negros e negras que ingressaram na universidade estudaram a temática da negritude. Das vinte e três produções que eu encontrei, somente duas foram escritas por pessoas negras. A produção acontece principalmente por meio de pessoas que participam ativamente do processo da política dentro das comissões organizadas pela UFRGS, um exemplo é a Comissão de Aferição, criada em 2017. Como a universidade é composta por pessoas majoritariamente brancas, são elas que pesquisam, pensam, escrevem e problematizam o tema. Há dissertações que proporcionam uma visão muito boa sobre o funcionamento dessas comissões e sobre quais discussões eram feitas dentro do conselho universitário. 

Em 2016, quando as ações afirmativas chegam na pós, o programa é fortemente impactado. Mais de 123 pesquisas sobre a temática datam de 2016 para cá. Hoje, no meu programa, todos os cotistas estão estudando a temática da negritude. Esses resultados que fui encontrando e a observação mais detalhada me ajudaram a entender a política como um todo e como ela se manifesta de diferentes modos dentro da universidade. No primeiro momento, em 2008, a reitoria queria garantir o ingresso desses novos estudantes, com 30% das vagas para cotistas, sendo 15% para pessoas negras. Com os novos estudantes já dentro do ambiente universitário, a universidade percebeu que garantir que eles façam sua matrícula não é o suficiente, então em 2012, a permanência desses estudantes começa a ser pensada. A evolução das ações afirmativas passa por pesquisas e pela transformação da própria universidade na sua estrutura, a partir do momento em que abriga pessoas com outras configurações isso se torna crucial.

Sul21 – Diante disso, as ações afirmativas cumpriram seu papel de maneira eficiente? E após 11 anos, a universidade consegue ser um ambiente que abriga alunos de diferentes nichos sociais de maneira democrática?

“Antes de 2007, havia 1% de estudantes negros na universidade, hoje, cerca de 13% dos estudantes são negros”. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Priscila – Em termos quantitativos é inegável que evoluiu. Antes de 2007, havia 1% de estudantes negros na universidade, hoje, cerca de 13% dos estudantes são negros. Apesar de pouco, se comparado à população negra no Rio Grande do Sul, é um avanço significativo para um período de 10 anos. Entretanto, houve resistência na transformação de alguns fatores. A universidade não mudou seus currículos, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que fez a última alteração é de 2003. Quando ela aborda a questão curricular, não há especificação. No ensino fundamental poderia existir uma prioridade na área literária e artística, mas ela não diz que poderia ser incluída nos cursos de Engenharia ou Medicina. Hoje há uma luta para entender que a saúde da população negra é diferente da saúde da população branca. Isso configura como política de ação afirmativa, de mudança curricular na área da saúde. Então, essas questões curriculares ainda são lentamente encaminhadas.

 Apesar de pensada desde 2012, a permanência é outra questão que ainda não foi totalmente resolvida. Mas isso ocorre porque a universidade já tinha uma política que contemplava esse tópico. Já existia o Restaurante Universitário (RU), por exemplo. No primeiro momento eles davam um desconto, só desde 2013 os cotistas estão isentos para se alimentarem no RU. Em 2009, muito cotista não tinha os 50 centavos para pagar o almoço. A política de permanência precisa pensar em especificidades.

A questão da carga horária também dificulta o desenvolvimento de alguns alunos. Em alguns cursos é possível concluir a graduação se dedicando apenas um turno, mas outros exigem uma disponibilidade para todos os turnos. Muitos estudantes precisam trabalhar para o próprio sustento e essa carga horária é um problema para eles. 

O auxílio passagem só passou a existir em 2010. Todos os cotistas que ingressaram antes não possuíam esse auxílio. A passagem de ônibus em Porto Alegre é muito cara. Os campi da UFRGS são localizados em diferentes pontos da cidade, não existe uma maneira de não gastar com passagem. Normalmente é preciso pegar dois ônibus. O bairro Restinga é tão extenso que mesmo pegando um ônibus até o centro, dentro do bairro é preciso pegar uma complementadora que leva até o terminal e então pegar um ônibus para ir.

A universidade não parte das especificidades, mas sim do universal. Grandes problemas surgem disso. É preciso pensar nas desigualdades sociais e raciais. É preciso pensar que em bairros, como o Partenon, há famílias que carecem de estrutura de luz e água. O estudante que mora em um local assim faz um esforço gigantesco para ir até a universidade e nem sempre vai conseguir. A questão é que esse estudante tem direito a somente três ausências no semestre, como todos os outros. 

Em termos gerais, a política vem dando certo, mas a universidade ainda precisa pensar nessas questões. As ações afirmativas se configuram um ganho para o ambiente universitário, para o estado e para a população. Nessa questão, a política é muito efetiva. Há questões subjetivas dentro da política, no momento que é pressuposto que todas as pessoas são iguais, uma injustiça já é produzida. Dentro da universidade também existem pessoas que têm muito dinheiro e tecnologia. Colocar todos no mesmo parâmetro é uma injustiça. 

Quando o ingresso através das cotas acontecia somente no segundo semestre, alguns professores negavam-se a assumir a cadeira por acreditarem que estudantes que ingressaram nessa condição eram mais fracos. É complicado iniciar um estudo sendo considerado inferior. O racismo é algo que a gente sente. Eu fiz uma prova igual a todos os outros vestibulandos, estudei muito e passei, não só pela reserva de vagas. Entrei porque estudei muito, tirei a nota que precisava e não sou inferior por isso. Mas dentro da universidade esse clima circula. Essas questões também enfraquecem o desenvolvimento da política e muitas pessoas desistem. Entrei com outros cinco cotistas, só três, contando comigo, se formaram.

Sul21 – Qual foi o papel do movimento negro para a efetivação das ações afirmativas no Brasil e qual o principal marco para essa conquista? 

Priscila – Existe um histórico de lutas em prol da educação no Brasil. Inicia-se a luta pela alfabetização, ensino fundamental, ensino médio, ensino técnico e, na década de 90, em 1996, começa-se efetivamente o foco no ensino superior. Nesse ano foi lançada a Lei de Diretrizes e Bases, que prevê uma garantia de educação para todo mundo. 

No final da década de 90 haverá mais estudantes no ensino fundamental e médio e o abismo em relação ao ensino superior fica evidente. A ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Luiza Bairros, apresentou, em 1998, um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas mostrando quantos alunos saíam do ensino médio, e desses, quantos negros ingressavam na universidade.

O movimento começou em 1995, quando ocorreu a grande Marcha Zumbi dos Palmares, no dia 20 de novembro. Nesse dia, um documento elaborado por várias entidades do movimento social negro foi entregue ao Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Neste documento havia uma profunda análise da situação da população negra e proposições de políticas públicas. Entre elas a política de ação afirmativa.

Ao final da década de 90 o movimento negro se organiza para ir a Conferência da ONU realizada em Durban em 2001. Lá o Estado brasileiro se compromete a implantar ações públicas contra o racismo e as ações afirmativas. O governo do FHC se dispõe a pensar diferentes políticas que somente passam a entrar em vigor a partir de 2003. A área pioneira na implementação da política afirmativa é a educação. Então em 2003 é sancionada a Lei 10.639/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história dos afro-brasileiros e africana. Neste mesmo ano a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é uma das primeiras a aderir à política afirmativa através de um sistema de reserva de vagas na graduação.

Quando a lei entrou na área da saúde, parece que os impactos foram sentidos pela população. Contudo, quando as universidades do Rio e Brasília instituíram as cotas, foi um baque. A universidade tem um histórico de ser um lugar de privilégios para pessoas brancas, então isso mexeu com a sociedade. Por isso, o movimento negro foi decisivo. Uma das características do governo de 2003 era a mediação com todos os setores da sociedade, então o movimento negro teve um espaço em Brasília. A ex-ministra Luiza Bairros, que também participava do Movimento Negro Unificado (MNU) vai se destacar e ser a grande propulsora das Ações Afirmativas. O maior marco para o movimento negro é quando Luiza chega nesse status. 

Penso que uma das maiores conquistas do movimento negro foi mostrar que nós podemos entrar,  nos mantermos e sairmos. Há uma cultura de que esse lugar não é para nós e que se a gente entrar, a gente não vai conseguir sair com o diploma. Cada vez que um estudante ingressante por cotas se forma, ele mostra para a sociedade que a política deu certo. Essa é a maior conquista.

O movimento negro foi o maior atuante para dar inicio às ações afirmativas dentro da universidade. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Sul21 – Sobre o racismo na universidade, quais as questões que ficaram mais evidentes na pesquisa? 

Priscila – O racismo é um ponto complicado e sensível, pois precisa ser constantemente comprovado. Sempre surgem aquelas questões: talvez não tenha sido bem assim, tu não entendeu errado? Provavelmente o professor disse que o segundo semestre não tem tanta qualidade pelos eventos e feriados do final do ano. As pessoas criam justificativas. O racismo vai sendo comprovado quando tu percebe que a história se repete com várias pessoas em vários cursos.

O racismo tem a ver com a exclusão das pessoas, e nesses casos a pessoa é excluída por causa da cor e não por outros fatores. Dentro da universidade, em vários momentos, as pessoas negras são excluídas. Fica evidente quando tentamos bolsa de iniciação científica, apesar de ter um bom currículo, falar outras línguas, mesmo assim não somos escolhidos. Nós nos perguntamos: qual o motivo de negros não ganharem prêmios no Salão de Iniciação Científica se eles também estudam na melhor universidade do país com os melhor professores? O que falta? Isso é o racismo funcionando de modo estrutural, porque isso acontece no inconsciente. Como é um inconsciente geral, está na estrutura. As pessoas não dizem: vou excluir aquele estudante porque ele é negro. Já existe uma estrutura que diz que ele é inferior, que ele não é tão inteligente, que ele não tem condições. Essa avaliação é feita automaticamente e esse estudante acaba sendo excluído.

Quando isso se mostra dentro da universidade é difícil colocar em termos concretos. Em 2007, quando estudantes entraram na Justiça contestando a necessidade das cotas raciais, um dos argumentos que constavam no processo era que as pessoas negras não entravam na universidade por que elas não queriam estudar. A questão é que mais de 50% da população brasileira é negra. Então mais de 50% da população não quer estudar? Que alguns não queiram estudar, isso faz parte, mas a gente está falando de um número muito grande de pessoas. 

Se formos pensar na parte das pesquisa de temáticas da negritude, é comum o orientador sugerir outro tema. É importante se questionar sobre essas pequenas atitudes. Eu trouxe na minha dissertação a percepção dos docentes. No meu curso só tem um professor negro, então se eu e meus colegas negros temos uma dúvida os outros professores dizem: ele é negro e tu também, é melhor falar com ele. Então a demanda gerada para esse professor é muito acima da média, porque ele não vai fechar as portas para esses estudantes. Se isso não é racismo, o que é? Todas as pessoas precisam pensar sobre essas questões, não só pessoas do movimento negro. Quando começamos a problematizar isso, também pensamos em soluções. 

Sul21 – Os resultados da pesquisa foram além do impacto das ações na universidade? Foi possível observar impactos em outros setores da sociedade durante esses 10 anos?

“Eu sou um fruto das ações afirmativas e vivi coisas incríveis dentro da universidade”. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Priscila – Eu cheguei até esse lugar na pesquisa, para entender o que acontece depois que esses alunos se formam. Só que pela restrição de tempo foram análises que eu deixei para outro momento. Mas tem se percebido na área da educação, que é a minha área de formação, que as pessoas entram, se formam na melhor universidade, muitas fazem pesquisa, contudo, quando chegam no mercado de trabalho, todas as portas são fechadas. 

A política afirmativa prevê continuidade para esses alunos. A universidade tem como função realizar um processo de continuidade com esses alunos, apesar de não haver estrutura para isso. Mas a política posta pelo Estado brasileiro alega que vai continuar com esse estudante para garantir que ele esteja no mercado, pois agora ele tem qualificação. Mas essa não é a realidade. Nenhuma das colegas negras que ingressaram comigo em 2009 estão trabalhando como professoras em escolas privadas. Todas precisaram fazer concurso público. Se elas entram, ocupam vagas de auxiliares de turma, monitoras ou se tornam secretárias.

A pesquisa mais recente que aborda a questão dos egressos foi realizada pela Eliane Almeida de Souza, pedagoga e doutora em educação. Ela entrevistou cotistas de diferentes áreas que saíram da universidade para saber onde eles estavam. Nas entrevistas, eles afirmam que o serviço público acabou se tornando a única opção. As empresas privadas não se abriram para a nova realidade. Quando esses estudantes conseguiam entrar no mercado por indicação, não era na sua área de atuação ou era como auxiliar. Isso é grave, mas com a conjuntura política que nos encontramos e a UFRGS com o formato em que se encontra hoje, realmente não tem condições para auxiliar esses alunos. Já existem muitas dificuldades para conseguir formar os estudantes que estão dentro. A universidade se mostra favorável, mas ainda enfrenta muitas barreiras para efetivar ações que auxiliem esses alunos em todas as questões necessárias. 

Mesmo que existam problemas, a política tem resultados muitos positivos. O Novembro Negro, por exemplo, é um marco histórico, é algo que a gente jamais poderia pensar em 2008. A universidade reconhece que a política é positiva para o ambiente acadêmico e quer continuar com a política. Eu sou fruto das ações afirmativas e vivi coisas incríveis dentro da universidade. Nós vencemos. A política venceu, o movimento negro venceu. Agora, nós precisamos continuar lutando para fortalecer a política, para que cada vez mais a universidade seja um espaço que abriga a todos.  


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora